Pouca gente sabe, mas o Webmanario tem fortíssimos laços lusófonos. Há meses em que 40% de sua audiência provém d’além-mar. E a conversa com meus colegas de lá tem sido muito rica. Bem por isso publico os textos aqui cedo, para que meus amigos africanos e europeus possam acessar o quanto antes.
Daí que eu resolvi falar com Paulo Querido, 49 anos, jornalista como nós. Um cara que (eu também) passou pelo jornalismo esportivo e agora navega por outros mares. Um pioneiro das ferramentas que facilitam, na internet, a prática do jornalismo. E um crítico feroz dele, especialmente o formal _melhor dizendo, o burocrático.
Sem mais delongas, eu queria saber dele se as redações vão acabar. Isso, as redações, esse bando de pessoas reunidas em torno de um objetivo, que é preencher espaço e lapidar unidades de informação, usando design de notícias, até o momento do fechamento.
“As redacções têm funções insubstituíveis”, me conta Querido. Leia o contexto e a íntegra da conversa abaixo.
Portugal parece ter adotado o microblog como plataforma pessoal de publicação, e vc é um dos pioneiros desse movimento (não tenho números, mas a relação usuários de internet versus usuários de internet com conta ativa no Twitter deve ser extraordinariamente alta em seu país). Passado o hype, já deu para entender exatamente de que forma o mainstream está usando o microblog num ambiente em que vários outros usuários parecem sempre estar passos à frente do jornalismo profissional? Você aprova o uso que a imprensa formal tem dado à plataforma?
A utilização do Twitter em Portugal não segue fielmente a evolução noutros países. Um exemplo? Ao contrário do que se passa no Brasil e também nos EUA, cá praticamente ninguém da cultura/entretenimento ganhou protagonismo no Twitter. À excepção de 3 ou 4 humoristas e 1 músico, não há “celebs” portuguesas na plataforma.
Dada essa e outras bizarrias lusitanas, não espantará que os media sigam o mesmo caminho de desentendimento.
A maior parte passou ao lado. Apenas a televisão pública e um pequeno jornal online em formação (o Diário2) tiram algum partido do Twitter, fazendo um uso correcto da plataforma. Os outros não fazem sequer ideia do que é o Twitter: limitam-se a despejar títulos de matérias para lá, usando o Twitterfeed, e não mostram critério para a gestão dos followers.
Manuel Castells diz que a política é essencialmente midiática. Partindo desse conceito, você acha que a leva de políticos embarcados ao Twitter tem conseguido transmitir mensagens positivas para seus propósitos eleitorais ou, todo o oposto, estão fervendo num caldeirão de conversação onde a última palavra parece ser sempre a do público?
Portugal passou 3 actos eleitorais em 2009, o ano do Twitter. Diversos políticos e governantes, bem como jornalistas de política, usaram o Twitter. Penso que, mais que transmitir mensagens positivas, o melhor uso foi ao nível de estabelecer diálogos com retransmissores com alguma influência, por um lado, e, mais importante, usando o Twitter como um grupo de foco, como se faz na publicidade; o Twitter foi essencialmente um tubo de ensaio para frases, soundbytes, discursos e temas.
Sua visão sobre o jornalismo tradicional é bem peculiar. Somos de um tempo em que só podíamos recorrer a ele, mas hoje há tantas alternativas para iniciativas pessoais que, fosse na nossa época, é muito provável que jamais tivéssemos trabalhado numa redação formal por horas a fio. Onde isso vai parar? As redações deixarão de existir? O trabalho jornalístico poderá ser todo ele feito de maneira remota, recorrendo a novidades tecnológicas de concepção e acabamento do produto e de comunicação entre os jornalistas?
Não creio que as redacções deixem de existir. Seguramente que diminuirão de importância e de tamanho, à medida que se deslocalizam para a Internet muitos dos processos e rotinas do trabalho jornalístico. Sim, muito trabalho é feito (com vantagem) remotamente, mas subsistirá uma parte do trabalho que demanda presença física e, sobretudo, contactos verticais.
Os aspectos da cadeia hierárquica da produção do jornalismo, e também da socialização profissional dos jornalistas, não podem desaparecer. As redacções têm funções insubstituíveis. O video com mais qualidade, a edição de som cuidada, as reuniões entre equipas que perseguem os mesmos objectivos ou temas, o secretariado, as relações com a empresa, a formação…
Não há maneira mais prática de dar respostas adequadas a estes ítens do que ter uma redacção. Do que não tenho dúvidas: o jornalismo é cada vez mais necessário e a sociedade depende crescentemente dele para estar bem informada.
O fim anunciado de um dos seus transportes, o papel de jornal, e os problemas de adaptação do futuro modelo económico são obstáculos que estarão rapidamente ultrapassados porque a verdade é esta: a procura de notícias está a aumentar, é uma questão de tempo até os media acertarem com os melhores mecanismos para a oferta.