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Jornais piores

Demissões em massa (os passaralhos) fazem parte do cotidiano jornalístico (principalmente do impresso) há tempos. Eu, que comecei em 1990, ultrapassei alguns – puxando pela memória, mais de dez deles.

O que fica, para o consumidor de notícias, é geralmente um produto pior – digo geralmente porque houve veículos que se comportaram como órgãos públicos, com inchaço do quadro funcional e regalias do tipo carro com motorista para acompanhar a mulher do correspondente ao supermercado e outras benesses injustificáveis na iniciativa privada.

Esses tinham como pressuposto um momento nababesco que não volta mais e quase mereceram o fracasso – ainda que, de roldão, levassem junto milhares de profissionais.

Nos últimos dias, lendo com atenção alguns dos principais jornais brasileiros, a ficha caiu: eles estão piores, bem piores. Uso como critério algo bem objetivo: erros. Hoje, uma única matéria tem de dois a três erros, do irrelevante ao gravíssimo, inclusive nos lugares mais nobres (como a primeira página).

É esse o efeito colateral.

Demissões e qualidade devastada: um retrato do jornalismo

Por que as pessoas deixam de consumir conteúdo informativo dos produtos nos quais costumavam se informar?

O Pew fez essa pergunta nos EUA e chegou à conclusão de que um terço dos americanos abandona seu ex-veículo predileto porque ele se tornou incapaz de provê-lo com notícias e informação no mesmo nível que antes.

Sinal óbvio de que a desidratação, especialmente no jornalismo hardnews, é devastadora do ponto de vista da qualidade.

O jornalismo fora da redação

A redação não é mais o habitat do jornalista. Um dado que corrobora essa impressionante realidade é a demissão, só em 2013 e só em São Paulo e Rio de Janeiro, de 300 jornalistas.

Outro dia mesmo comentei sobre a valorização que ofícios como marketing e publicidade estão dispostos a nos oferecer.

Ambientes corporativos estão interessadíssimos no nosso trabalho, como Jeremy Porter explora muito bem em artigo no Journalistics.

Por sinal, hoje, na Folha de S.Paulo, o publicitário Nizan Guanaes dá uma pista definitiva para entendermos o que está acontecendo. “Não deixa de ser irônico para a propaganda. Na época da comunicação total, a verdade tornou-se a maior arma de persuasão em massa.”

Até prova em contrário, os especialistas em verdade somos os jornalistas.

De Estadão a Estadinho

Para registro: o Estadão explica, por meio de seus principais executivos, porque virou Estadinho (passou por um enxugamento de cadernos e, mais grave, de equipe). Atenção especial com o trecho que discorre sobre dispositivos móveis.

E agora, Buffet?

Depois de comprar 28 jornais nos últimos 15 meses nos Estados Unidos, o multimilionário Warren Buffet, em carta aos acionistas de sua empresa, diz que continuará a fazê-lo mesmo admitindo que “a circulação, faturamento publicitário e lucro do setor jornalístico como um todo estão destinados a cair”.

À parte o romântico “eu amo jornais” no texto, Buffet apresenta os reais motivos de seu investimento: a aposta na mídia regional, o bom e velho conceito hiperlocal que, dizemos há anos, parece ser de fato a saída mais interessante para um produto que perdeu a primazia de ser o arauto do noticiário.

“Se você deseja saber o que está acontecendo em sua cidade – notícias sobre o prefeito, impostos locais ou o resultado do time de futebol americano da escola secundária -, não há substituto para um jornal local que esteja fazendo bem o seu trabalho. Um leitor pode facilmente se entediar depois de ler dois parágrafos sobre as tarifas canadenses ou os desdobramentos políticos no Paquistão, mas uma reportagem que fale sobre ele e seus vizinhos será lida até o fim”, pontua a carta.

Porém Buffet não menciona um aspecto crucial (e óbvio) para se fazer “bem o seu trabalho” em jornalismo hiperlocal: é preciso jornalistas. Não há agências de notícias ou sites na internet cobrindo o time de várzea de seu bairro e oferecendo material pronto para republicação a respeito da quitanda da esquina.

Portanto, diferentemente do mau jornalismo de caráter nacional (onde cabeças são cortadas impiedosamente, e as redações se desidratam dia após dia), para apostar no hiperlocal é preciso contratar repórteres e editores.

Buffet irá na contramão do mercado?

 

EUA discutem ‘Ley de Medios’ ao contrário

Enquanto na Argentina a presidente Cristina Kirchner compra briga com os principais grupos de mídia e faz passar a Ley de Medios que, na prática, obriga essas empresas a se desfazerem de negócios, os EUA estudam relaxar norma de 30 anos atrás que previa a mesma coisa.

Evidente que, num cenário de fechamento de veículos e demissões em massa de jornalistas, restringir as operações em nome de uma suposta “diversidade de vozes” não parece ser um bom negócio – ao menos para os profissionais deste combalido ofício.

Não vou entrar no debate sobre o controle social da mídia porque você já conhece meu ponto – em nosso país, por exemplo, quem acena com esse tipo de dispositivo o faz com um único objetivo: domesticar a mídia e torná-la compulsoriamente um veículo oficial. Aí acaba a profissão como a conhecemos.

O primeiro passaralho a gente nunca esquece

Pela primeira vez em 190 anos, o jornal britânico The Guardian poderá passar pelo drama de um passaralho (para quem não é do jornalismo, a demissão em massa de coleguinhas).

Sobrevivendo na corda-bamba, a empresa (que tem no papel 70% de seu faturamento anual de 200 milhões de libras) está se preparando definitivamente para a vida sem jornal. Antes disso, porém, alguns ajustes amargos deverão ocorrer. Entre eles, a demissão de pessoal, já que voluntariamente apenas 34 pessoas se desligaram de seu quadro.

O objetivo inicial é cortar 7 milhões de libras do orçamento (algo em torno de R$ 23 milhões).

E você sabe o que cortes, num empresa jornalística, significam, né?

Isso mesmo: um produto pior, menos investimento em reportagem, pouco material exclusivo etc.

É triste a realidade da nossa profissão.

E a revisão nos jornais ainda resiste…

Incrível: só agora o Denver Post anunciou o fim de seu departamento de revisão.

E pensar que eu, quando comecei, lá pelos idos de 1990, já não havia mais revisão nos grandes jornais de São Paulo!

Papel cortou 30% das vagas nos EUA em 2011

São os números ora disponíveis.

E la nave va, o jornalismo impresso acaba não.

O testamento dos que tombaram na redação

Na esteira do dramático passaralho no Ig (o portal teria demitido cerca de 30 pessoas ontem), é muita coincidência a compilação que a revista on-line Slate (excelente, por sinal) fez dos testamentos, ou melhor, das cartas que jornalistas enviaram a seus chefes após serem demitidos.

Poderiam figurar tranquilamente, e em posição de destaque, num museu da imprensa.

(o solerte António Granado viu primeiro).