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A foto de Lula com a vidraça quebrada é jornalismo?


Não foi Gabriela Biló quem inventou a dupla exposição. A técnica, aliás, nasceu no segundo seguinte à invenção da fotografia, façanha que por sinal está prestes a completar 200 anos, em 2026.

O objetivo da dupla exposição é a construção de cenas, por meio de montagem, daquilo que não estava ao alcance do fotógrafo por uma questão de perspectiva. Não é um recorte da realidade, mas uma montagem que, portanto, pode ser usada para construir uma percepção que não é necessariamente verdadeira.

Voltando a 2023: em janeiro, a fotógrafa Gabriela Biló, um dos expoentes da nova geração de fotógrafos que prestam serviço a jornais (no caso, a Folha de S.Paulo), emplacou na primeira página uma imagem que mostra um sorridente presidente Luiz Inácio Lula da Silva ajeitando sua gravata atrás de uma vidraça quebrada por vândalos no infame 8 de janeiro. O problema é que essa cena jamais aconteceu.

É muito diferente das fotos de Wilton Júnior e Dida Sampaio, ambas polêmicas, mas as duas produzidas por uma ação de perspectiva, não de montagem. Em agosto de 2011, Júnior cobria uma cerimônia de formatura de cadetes na Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende (RJ), e capturou uma cena em que a então presidente parecia estar sendo atravessada por uma espada – naquele momento, após oito meses de governo Dilma já havia trocado cinco ministros por denúncias de corrupção.

A sacada de Sampaio foi parecida: em maio de 2016, Dilma (então às voltas com a iminente concretização de seu impeachment) foi retratada com a cabeça em chamas durante um evento de apresentação da tocha olímpica – os Jogos Olímpicos aconteceriam dali a dois meses no Rio de Janeiro.

A diferença entre as três imagens é gritante. A perspectiva de uma cena que efetivamente aconteceu e que promove diálogo entre o protagonista e fatos aos quais está relacionado transforma as fotos de Dilma em algumas das maiores já produzidas pelo fotojornalismo brasileiro. Assim como a de Lula, se ele tivesse sido retratado efetivamente por trás de uma das vidraças estilhaçadas no Planalto.

A partir do momento em que estamos falando de uma montagem, não estamos mais falando de jornalismo. Não me darei ao trabalho aqui de discorrer sobre a tola alegação de que o trabalho de Biló – uma fotógrafa brilhante, diga-se – colabora para “o clima de belicosidade e incita à violência”. Tolice pura. O que me interessa aqui é que este trabalho de Biló não é jornalístico.

Enquanto as duas fotos de Dilma que usei como exemplo para debater o tema representam pontos de vista, a de Lula não passa da vista de um ponto. Foi colocada, literalmente, onde não deveria.

A guerra aos adblockers

A Folha de S.Paulo acaba de anunciar que impedirá o acesso a seu site para usuários que utilizem adblockers, ou seja, os bloqueadores de anúncios que inclusive são ofertados em versão padrão por alguns brownsers.

A medida já vinha sido discutida no âmbito da ANJ (Associação Nacional dos Jornais) e parte da conclusão lógica que, ao não ser exibida, a publicidade não poderá ser cobrada do anunciante.

Quase simultaneamente a Forbes americana divulgou um estudo que estima em US$ 12 bilhões as perdas dos veículos com essa funcionalidade até 2020.

Aqui cabem duas observações: a primeira, mais preocupante, é o fato de a publicidade ainda jogar esse papel tão determinante na sobrevivência de quem vende jornalismo e tem tanta dificuldade em se reinventar e criar novas receitas.

A segunda: o passo é natural e está longe de ser uma medida desesperada. É apenas mais um dos milhares de furos na tubulação em que o conserto, entretanto, é sempre incerto. É óbvio que é possível burlar esse tipo de iniciativa – e os usuários da rede provaram ano após ano que criar embaraços não é suficiente.

A primeira página

independent

Uma ofensiva conservadora no Reino Unido prevê a revisão da FOL (Freedom of Information Act), versão da Lei de Acesso à Informação que ainda engatinha no Brasil.

O ponto é, além do custo da obrigação de prover informação sob demanda, o suposto caráter “intrusivo” da legislação e, ainda, o “potencial risco” à segurança nacional.

É discussão pra mais de metro que o jornal Independent, de forma brilhante, resumiu na primeira página acima.

Prazer, newsletter

Agora preste atenção nesta notícia:

“A Folha passa a oferecer um serviço gratuito de envio por e-mail das principais notícias do dia.

Para inscrever-se no serviço, basta incluir seu e-mail no campo “receba nossa newsletter”, que aparece nas páginas do site da Folha.

A newsletter é enviada de madrugada com chamadas para os principais destaques do jornal naquele dia.

O jornal tem também newsletter em inglês e espanhol, que podem ser acessadas nas páginas da Folha Internacional.”

Estou absolutamente sem palavras: estamos praticamente em 2015 e o maior jornal brasileiro passa a oferecer um serviço que nasceu praticamente junto com a internet comercial, em 1995.

Não deixa de ser, veja bem, um reconhecimento à eficácia do e-mail – cuja morte é decretada dia sim e no outro também e, no final das contas, continua cumpridor.

Antes tarde do que nunca?

 

A força de um editorial

Veja como as coisas funcionam: no dia 26, em editorial (aquele gênero em que os veículos de comunicação se posicionam sobre os fatos), a Folha de S.Paulo cobrou duramente o governo estadual e a Sabesp sobre a crise hídrica em SP.

Dias depois, o governador visita o jornal (veja na última nota da coluna Painel).

Mais um dia e, fechando o ciclo, o secretário estadual de recursos hídricos concede longa entrevista garantindo que até as próximas águas de março não há o menor risco de racionamento.

Para quem ainda não entendeu, é esse o principal ativo do jornalismo impresso. E que ainda não foi dizimado pelo avanço tecnológico.

Apenas um jornal ruim

Mario Sergio Conti semana passada, na Folha, acrescenta o ingrediente definitivo para entender a crise do Libération, sobre a qual discorri brevemente outro dia. Em resumo: trata-se de um jornal ruim

“De Mao a Rothschild

A debacle do ‘Libération’ não se deve apenas às forças que assediam os jornais em toda parte
A maior façanha do jornal francês “Libération” é ser publicado. De crise em crise, o noticiário pífio, os tristes títulos com trocadilhos e as batalhas internas geraram um turbilhão perpétuo de asneiras. Ninguém, no gozo de faculdades mentais apenas razoáveis, cogitaria saber pelo “Libé” o que se passa, digamos, na Ucrânia. Ou mesmo em Nice.

Nas últimas semanas, as vendas caíram abaixo de 100 mil exemplares, a trincheira que separa o jornal da catástrofe. A publicidade minguou a microcifras e a macrodívida tornou-se super-hiper. Como um tenentinho em Waterloo, tombou mais um diretor de Redação. Foi preciso reagir rápido à fúria dos credores. Os donos do jornal se juntaram ao Napoleão disponível, o decorador hipster Philippe Starck, e surtaram.

Propuseram transformar a redação do “Libération” num café antenado, o “Flore do século 21”. O espaço cultural multifunções abrigaria palco de televisão, rede social, incubadora de start-ups, estúdio de rádio e “lounge” com computadores. Que tal? “Espaço cultural multifunções” não é uma boa ideia para o Itaquerão depois da Copa?

Numa mistura adúltera de parnasianismo gaulês com MBA ianque, os proprietários disseram que, ou bem se tinha “outra visão”, e se “monetizava a marca”, ou então era a “falência”. A Redação retrucou com um gênero literário fora de moda, o manifesto iracundo, e o fez preceder por uma patética manchete: “Nós somos um jornal”. Dá para jurar: não parece.

Criou-se a editoria Nós Somos um Jornal. Ela publica todos os dias análises sisudas e profusas dos suspeitos de sempre. Os teclados estão de prontidão nas barricadas jornalístico-culturais parisienses. Cogita-se ocupar a Redação. Cantarão “A Marselhesa”? Um rap? É tudo bem engraçado. Sobretudo porque não é o nosso jornal que soçobra: Suave, mari magno…

A debacle do “Libération” não se deve apenas às forças que assediam os jornais em toda parte: a internet, os jornais gratuitos do metrô, o envelhecimento dos leitores fiéis. O jornal é vítima da sua própria história, que parece uma parábola.

Na esteira do Maio de 68, ele foi fundado para, conforme dizia, “dar a palavra ao povo”. Não aceitava publicidade e todos tinham direito de voto na Redação. Ele se definia como “uma emboscada na selva da informação”. Uma frase de Marx lhe servia de mote: “A primeira liberdade para a imprensa consiste em não ser uma indústria”. Sartre foi o seu primeiro diretor de Redação.

A efervescência social –entre 1971 e 1975, houve quatro milhões de dias de greves setoriais na França– manteve o jornal vivo. Com o refluxo, vieram os problemas. Sartre, doente e com divergências, se afastou. Ex-estudantes maoístas se assenhoraram do jornal.

Descobriram, encantados, que a revolução cultural chinesa era um mito. A utopia ao alcance da mão estava na Califórnia. Era lá a terra das bandas de garagem, da ecologia, das drogas, do narcisismo assumido, dos costumes liberados, da informática e do espiritualismo new age. Sindicatos e salários, emprego e condições materiais de vida viraram velharias no “Libé”. O historiador Pierre Rimbert define assim a sua receita editorial: “Conformismo político, ortodoxia econômica e excentricidades culturais”.

O jornal aceita publicidade e subsídios estatais, e uma empresa que se envolve nas tramoias da política institucional. “Libération’ é a destruição positiva do esquerdismo”, explicou, em 1986, Serge July, o seu diretor de Redação. Foi ele quem convenceu Édouard de Rothschild a investir no jornal. Rothschild é herdeiro de uma fortuna bancária, um diletante cujo interesse é a criação de cavalos. Virou o maior acionista, o dono de fato do jornal. O banqueiro demitiu July. Agora, cansou-se do hobby e quer se livrar do “Libération”.”

Jornalismo amazônico

De João Pereira Coutinho, hoje na Folha: “A única coisa que o jornalismo “tradicional” tem a temer não é o fim do papel; é o fim dos leitores.”

Em pauta, a análise da compra do Washington Post por Jeff Bezos.

Drones e problemas

Muito interessante o relato sobre o uso jornalístico de drones (pequenos veículos aéreos dotados de uma câmera e controlados remotamente) feito por Taís Gasparian à Folha de S.Paulo.

Essas ferramentas se constituem numa grande novidade do mundo das novas narrativas, proporcionando não apenas imagens bonitas como ainda, conforme conta Taís, mais segurança aos repórteres, por exemplo, num front de batalha.

O que não é seguro (ou pelo menos sabemos pouco sobre isso) são os riscos que corre quem está com as cabeças debaixo de um drone. O próprio texto nos relata, em tom de galhofa, um manejo desastrado de um artefato que cobria uma manifestação em Paris e caiu no rio Sena.

Pessoalmente estive muito perto de testar a nova tecnologia no ano passado, num trabalho publicitário, mas as restrições para seu uso eram tamanhas que tive de desistir.

Tudo por conta da precaução (por exemplo, o aparelho não pode sobrevoar vias onde há carros e humanos, há distâncias mínimas de aproximação e até autorizações aeroportuárias são necessárias, de acordo com a região que se quer filmar).

Durante os protestos de rua em São Paulo, a Folha de S.Paulo ignorou esses obstáculos e foi em frente, produzindo um belíssimo material. Ainda bem que tudo deu certo. A miniaturização desse equipamento, que já está em curso mas ainda a preços pouco acessíveis, vai resolver de uma vez por todas esse delicado problema.

Novas velhas mídias

Os protestos de rua no Brasil não são apenas contra a política. Todas as instituições estão no centro da fúria do cidadão que, agora percebeu, não é mais representado por elas. Isso inclui, é claro, a mídia. É também uma crise de credibilidade, não apenas de representação.

Mas ao mesmo tempo em que clamam pelo fim do jornalismo profissional graças à facilidade da circulação de informação dotada pela tecnologia, é na “velha mídia” que as pessoas vão beber sua indignação contra Felicianos e Calheiros da vida, como bem pontua Marcelo Coelho.

Há anos venho dizendo que uma parcela considerável (para não dizer a totalidade) da blogosfera, digamos, “informativa”, desapareceria no segundo seguinte ao apocalipse da imprensa formal.

Isso é extensivo, é claro, ao ambiente de redes sociais, onde a repercussão do noticiário é frequente – inclusive no modo filosofal com que as pessoas têm usado essas ferramentas, ou seja, meramente com o intuito de manifestar seu brilhante pensamento vivo, via de regra motivado por alguma notícia produzida por um profissional.

Onde quero chegar: não existe nova ou velha mídia. O que existe somos todos nós juntos, ajudando a construir uma narrativa, auxiliando-nos uns aos outros no processo de construção e análise do noticiário.

É isso o que verdadeiramente mudou – para muito melhor – com a tecnologia.

A moda do paywall

O paywall será o grande personagem do jornalismo em outras plataformas (que não a impressa) em 2013. Até o Politico, projeto pioneiro sem fins lucrativos nos EUA, vai testar o modelo.

Ressuscitado num movimento exponencial de jornalões como The New York Times e Folha de S.Paulo, a cobrança por conteúdo web e móvel tem dado sinais auspiciosos de que seus críticos (entre os quais me incluo com orgulho) provavelmente se equivocaram.

Paul Gillin discorre mais sobre o tema num texto obrigatório para quem tenta entender a mudança do ecossistema informativo.