Arquivo do mês: abril 2009

Faculdades cheias e passaralho rondando: é o jornalismo nos EUA

Saíram alguns números sobre a procura pelo curso de jornalismo nos Estados Unidos e, sábio Ricardo Kotscho, nota-se que as faculdades estão claramente mais cheias. Coisa de 38% a mais em Columbia, 20% em Stanford e 6% na NYU.

Lá como cá, por que tanta gente quer ser jornalista, como questionou Kotscho outro dia?

Ainda mais nos EUA, onde apenas em 2009 foram quase 9 mil demissões em redações.

Vai entender.

Consultor de notícias, uma nova função no jornalismo

David Cohn fez muito bem em retomar dois assuntos sobre os quais tratou recentemente.

Um dá conta de uma possível nova função no jornalismo: consultor de notícias. Consiste em percorrer sob demanda a rede colhendo informação para demandas específicas de um cliente.

Eu acrescentaria ainda a possibilidade de a função ser útil também ao jornalismo diário, com a preocupação de reunir links úteis para a compreensão do noticiário e hierarquizá-los, usando para isso todas as mídias sociais disponíveis (blog, microblog, sites de compartilhamento de conteúdo, redes sociais etc).

A outra de Cohn é  uma experiência que já ocorre no jornal alemão Taz, é bastante interessante. Lá, no térreo do prédio da redação funciona um café público onde, inevitalmente, os jornalistas da casa fazem seus pit stops.

O jornal incentiva os leitores a frequentar o espaço e trocar impressões com os membros do estafe. Essa relação pessoal reforça o aspecto “marca” de cada integrante da equipe, além de criar laços que eventualmente poderão ser convertidos em grandes reportagens.

A gente que fala tanto na necessidade de desbravar o mundo on-line que muitas vezes se esquece da conversa olho no olho, né? Ela é boa também para conhecer quem nos lê também.

Falta reportagem, não repórteres

Costuma-se falar muito sobre o papel do repórter num jornal. Claro, é o cara que está na linha de frente da notícia. Sente-se muito a falta do repórter, especialmente em produtos on-line. Mas peralá, esse é o único cara da redação que está na rua? Eu também estou, oras. Só ele fala com pessoas e detecta coisas? Afe…

A questão, quando analisamos a crise do jornalismo mundial (financeira e de credibilidade), provavelmente passa pela falta de reportagem, não necessariamente de repórteres. Em jornalismo, assim como todo mundo edita, todos têm de sentir o pulso das ruas, nem que seja na esquina da própria casa, no supermercado, no trânsito.

Imagine um jornal produzido e fechado integralmente por repórteres. Ele jamais iria às bancas. O repórter tem, por definição (e com as devidas exceções), uma visão limitada e centrada em seu foco de atuação (é a tal da setorização, tão boa e, ao mesmo tempo, tão ruim).

Quem amarra os assuntos e liga os pontos é a turma do fechamento, do ar-condicionado. É o editor e seus fechadores (sejam redatores, assistentes ou o que seja). Bem diz minha colega Ana Estela que a tarefa de quem liga os pontos é tão nobre quanto. Porém relegada ao último plano, porque seu nome quase não aparece.

Dane-se meu nome.

Sem ovos não há omelete, eu sei. Mas os caras da “bunda na cadeira” podem perfeitamente apurar, aparar arestas, propor sinapses. O repórter também, claro. Mas normalmente ele está sendo cozido numa caldeira que contém todo o caldo informativo.

O trabalho de acabamento, a ourivesaria, como bem diz meu editor José Henrique Mariante, é da turma de cá.

Eu exijo mais reconhecimento ao povo do fechamento. Juan Luis Cebrián, uma das cabeças pensantes do El Pais (um diário que há décadas tenta fugir do hard news e oferecer conteúdo diferenciado), fala, como a Ana, da importância de quem burila o material a ser publicado a partir do bruto apurado pelo repórter.

Sintam falta de reportagem, não de repórteres. Todo jornalista tem a obrigação de apurar. Faz parte do metiê. Se falta apuração no produto jornalístico que você lê, a culpa é de todo mundo.

O conteúdo pago e o mal que ele faz

Até mesmo a informação econômica, a única pela qual as pessoas estão dispostas a pagar sem compartilhar, está na berlinda.

Esse ex-leitor do The Wall Street Journal conta os motivos.

E ainda há quem enxergue na cobrança on-line uma saída para o jornalismo formal.

Pode tirar o cavalo da chuva.

Ainda lemos jornais 3

Bhaktapur, Nepal: o gentil senhor que lê as notícias e ainda paga o chá (Foto: Flickr/Water Bowl)

Bhaktapur, Nepal: o gentil senhor que lê as notícias e ainda paga o chá (Foto: Flickr/Water Bowl)

“Você é um convidado que visita o meu país. Eu pago o chá, é barato”. É o Nepal.

“A sociedade deveria dar incentivos e benesses para o jornalismo”

A turma do Jornalistas & Companhia, que acompanha sempre de perto o noticiário que envolve o bastidor da mídia brasileira, fez uma ótima entrevista com Ricardo Gandour, o homem que comanda o conteúdo dos veículos do Grupo Estado _entre eles o mais nobre, o jornal O Estado de S.Paulo, um dos maiores do país.

No papo, Gandour falou sobre praticamente tudo.

Mostrou, como tem sido praxe entre os executivos dos maiores jornais brasileiros, otimismo com o atual momento econômico de sua empresa (“A situação financeira é boa. Esperava-se que fosse tragicamente menor”).

Comentou sobre o Jornal da Tarde, o patinho feio da empresa (mas com uma imensa ficha de bons serviços prestados ao jornalismo) e passeou um pouco pelo o avanço tecnológico e sua influência nas redações, prometendo uma pauta que já nasça multimídia _ou seja, pensar conteúdo para diversas plataformas, que é a verdadeira definição de convergência.

Mas o que achei mais interessante: Gandour cobrou, da sociedade, mais envolvimento na hercúlea tarefa de repensar o papel do jornalismo impresso e, assim, garantir sua sobrevivência. Para ele, a sociedade “deveria dar incentivos e benesses porque a atividade jornalística é de interesse público”.

Faz sentido, mas será que ela está disposta?

Às vezes, é melhor não publicar nada

Em alguns casos, é melhor não publicar

Em alguns casos, é melhor não publicar

Eu, que pego tanto no pé dos títulos de esportes, não poderia (por questão moral) deixar passar o perpetrado pela geral do portal do Estadão há algumas horas. É o que você vê aí acima, no microblog e também no próprio site do grupo.

Entendo que deve haver uma exigência de informar sobre o trânsito de tempo em tempo _a conta no Twitter do Estadão, por exemplo, se especializou nisso, o que tem tudo a ver com a origem da ferramenta (o acesso via telefone celular).

Mas não por acaso se fala tanto que todo jornalista edita, o tempo todo. Editar é escolher. Especialmente palavras.

“São Paulo tem trânsito bom na madrugada”, positivamente, não traz informação que atraia o leitor. Parece óbvio ou, no mínimo, esperado.

Quando não há notícia, o ideal é sempre não publicar. Mas e se for “obrigatório” (sim, há burocracias no jornalismo)?

Sei lá, eu não me arrisco a refazer esse título não. Eu simplesmente não publicaria nada.

Finado em papel, jornal morre também na internet

Lembram do Rocky Mountain News, o jornal cujo fim acompanhamos praticamente ao vivo aqui, em 26 de fevereiro?

Pois ele morreu uma segunda vez, agora na web.

É assim: um grupo de 30 ex-funcionários do diário da cidade norte-americana de Denver se reuniu em torno de veículo on-line criado para manter vivo o espírito do jornal, que ontem completou 150 anos.

A proposta do InDenverTimes era cobrar US$ 5 mensais de uma carteira de clientes estimada em 50 mil pessoas para tornar o negócio viável.

Como todo mundo que aposta em conteúdo noticioso generalista pago na internet, o InDenverTimes fracassou: reuniu só 3 mil assinantes, número insuficiente para bancar parte do espólio funcional do finado Rocky em papel.

Mais considerações sobre o diploma

Uma questão tem passado despercebida na discussão sobre a obrigatoriedade de um diploma em jornalismo para exercer a profissão: o fato de que as principais empresas jornalísticas do país (cito as Organizações Globo e os veículos do Grupo Estado, entre os quais o jornal O Estado de S.Paulo) exigem o pedaço de papel para contratar seus profissionais de redação.

Assim como não houve qualquer sinalização de mudança nessa postura, não haverá (garantem minhas fontes) alteração dessa exigência mesmo que o STF, seja lá quando for, pregue o caixão deste entulho autoritário que erroneamente é defendido como se fosse uma conquista _quando, na verdade, é uma prisão, uma masmorra.

Sim, para efeito do empregador, existir ou não obrigatoriedade é um mero detalhe. As empresas continuarão com o direito de exigir a formação que seja de seus jornalistas. Até mesmo de jornalismo, um curso (hoje, mas isso é passível de mudança) com bem menos profundidade intelectual do que vários outros.

Mesmo nas companhias menores, onde (dizem) se contrata a torto e a direito sem registro como jornalista (como se nos grandes portais de internet não ocorresse a mesma coisa).

Vou repetir que essa discussão deixou de ser importante a partir do momento em que a tecnologia deu uma imprensa pessoal para cada um. Quem quiser, faz jornalismo, não precisa nem ter ligação com a mídia dita formal.

Para encerrar com humor, então, uno-me à campanha do André Forastieri, que ironicamente pede a exigência de diploma de jornalista profissional para blogueiros. Aliás, o sindicato de jornalistas do Rio Grande do Sul já tinha levado essa proposta, como se fosse séria, a público.

Meu deus, que vergonha desses meus “colegas” de diploma…

ATUALIZAÇÃO: Ana Estela, no Novo em Folha, discorre claramente sobre a importância da formação do candidato a jornalista, não do tipo de papel que ele porta ao se apresentar numa redação.

Desde quando jornalista pode torcer?

Hoje ouvi o jogo do Palmeiras (contra o LDU, pela Libertadores) na rádio Bandeirantes. Há anos não escutava José Silvério, a maior voz do rádio esportivo, Milton Neves (chato porém competente comandante de jornadas esportivas) e Mauro Beting, o responsável por minha introdução no jornalismo ao me convidar para trabalhar na Folha da Tarde em 1990.

Durante a transmissão, por várias vezes eles e outros membros da equipe fizeram referência ao time pelo qual torciam _o que não deve ser mais nenhuma novidade para quem ouve a rádio com frequência. Mas daí me lembrei que estava devendo um texto justamente sobre isso. Um jornalista pode torcer?

Antes de mais nada, e no caso específico de jornalismo esportivo, seriam bom que estudantes e profissionais fossem mais jornalistas e menos esportivos. Só isso já seria capaz de melhorar consideravelmente a qualidade do que é praticado hoje no Brasil _para dizer a verdade, abaixo da crítica.

É aquela coisa que repito tanto: se você gosta de esportes, não de jornalismo, é melhor não prosseguir. É por causa desse tipo de pessoa (as redações estão forradas delas) que a crônica esportiva vive uma crise técnica que parece interminável.

Dito isso, agora vamos à torcida em si. Um jornalista de política pode torcer? Neste caso, ter preferências políticas pessoais? E um editor de primeira página? O repórter da cidades que, no fundo da alma, faz oposição ao prefeito do município, é capaz de cumprir com eficiência o seu trabalho?

A resposta para essas perguntas é, evidentemente, sim, embora o jornalista devesse desenvolver uma espécie de proteção emocional que o impedisse de se envolver pessoalmente nos assuntos que cobre. O bom e velho distanciamento (emocional, repita-se) sempre foi uma das chaves para o bom desenvolvimento das tarefas jornalísticas.

Eu gostaria que não fosse assim, mas o clima nas editorias de esportes é o mesmo de uma cooperativa de motoboys ou coisa que o valha: gozações, piadas, muita torcida (mais contra do que a favor, claro). O pior, no caso do jornalismo, é que esse passionalismo transborda para o trabalho.

É o caso de repórteres que só sugerem pautas favoráveis ao seu clube (ou destrutivas aos adversários) e editores que “carregam nas tintas” quando de um triunfo de suas cores (ou um insucesso dos times rivais).

Este assunto é delicado porque exige uma pesquisa bem ampla para se afirmar com convicção que torcer prejudica o fazer jornalístico. As coisas que disse são fruto de 20 anos de observação em redações.

E aqui fala um cara que não tem um, mas dois times (Corinthians e Grêmio).