Arquivo do mês: junho 2009

Wikipedia protege jornalista

O jornalista norte-americano David Rohde, repórter do New York Times, contou com uma autêntica força-tarefa capitaneada por seu jornal para evitar que notícias sobre seu sequestro pela milícia Talebã chegassem à internet (o jornal português Público explica a lógica por trás disso).

Nos jornais, já é quase uma praxe: há um espírito de corpo que evita, nesses casos, noticiar sequestros de jornalistas _o mesmo cuidado, como já se cansou de ver (embora tenha sido ampliado drasticamente nos últimos anos), não vale quando se trata de um cidadão “comum”, digamos.

Mas hoje não existe apenas a imprensa formal. Mais, a informal tem mais força e penetração. Daí o NYT precisou falar com Jimmy Wales (o criador da Wikipedia) em pessoa para censurar e bloquear o verbete de Rohde na enciclopédia colaborativa on-line.

Deu certo: reverteram várias vezes menções sobre o sequestro até que Rohde fugiu do cativeiro _e agora pode contar sua própria história.

Para benefício também da Wikipedia, que liberou a adição de trechos sobre o assunto.

A mentira publicada

Dois estudantes franceses faturaram 5 mil euros e um espaço de quatro páginas na prestigiosa revista francesa Paris-Match. Ganharam um concurso da revista para focas com uma fotoreportagem sobre a vida de universitários em Strasbourg.

Nas imagens e legendas, relatam uma vida oca e sem esperança, que inclui até prostituição nas horas vagas para pagar os estudos.

Tudo mentira. Ao receber o prêmio, eles revelaram a farsa. “Pensamos que seria uma boa oportunidade de revelar os mecanismos de um tipo de imprensa que não checa as informações e privilegia o sensacionalismo”, discursaram.

Os personagens da matéria eram todos amigos e representaram papéis.

A Paris-Match pagou o mico, mas cancelou o prêmio.

Poderia ter acontecido com qualquer um. O mundo avança e a tecnologia dota o jornalismo de capacidades que ele nunca teve. Mas detectar uma mentira desse tipo ainda é muito difícil. Pior quando ela feita em nível profissional (lembrei-me de Jayson Blair agora…).

(via António Granado).

A notícia sou eu

O episódio da demissão de Vanderlei Luxemburgo do Palmeiras mais uma vez exibiu um aspecto importante do avanço tecnológico que provocou mudanças profundas no exercício do jornalismo.

É, talvez, a principal consequência da era da conversação e da publicação pessoal: cada cidadão possui, agora, sua própria imprensa. E pode se dirigir ao público sem a necessidade de utilizar a imprensa como filtro dos acontecimentos.

Foi assim com o ex-treinador do Palmeiras: à 0h44 de sexta para sábado, ele decidiu tornar a dispensa pública num canal pessoal (no caso, seu blog) _pouco depois, recorreu também ao microblog para dar a mesma informação.

A partir daí, foi a imprensa, vendida, quem saiu correndo atrás da bombástica informação.

Só para se lembrar que hoje não possui mais o monopólio sobre a notícia.

Com que capa eu vou?

Detalhe da primeira página do Extra, do Rio de Janeiro, publicado em 26 de junho de 2009

Detalhe da primeira página do Extra, do Rio de Janeiro, publicado em 26 de junho de 2009

Um blog coletivo de fotógrafos escolheu a capa do Extra, do Rio de Janeiro, como a melhor publicada no mundo em 26 de junho de 2009 entre as que elegeram destacar a morte de Michael Jackson na primeira página.

Quem discorda que me apresente outra.

Destacar é diferente de manchetar. A amiga Cristina Moreno de Castro colecionou manchetes e não manchetes sobre o crepúsculo do popstar. Não manchetar com uma notícia dessas é o cúmulo do autismo. É viver num mundo paralelo e totalmente fora de timing.

Estadão e O Globo, por exemplo, deram espaço nobre na capa para o inesperado óbito. Mas não era a manchete _isso tecnicamente, só para lembrar, porque academicamente há a discussão se o assunto que aparece com mais destaque na primeira página de um jornal é a verdadeira manchete, independentemente de convenções gráficas.

Em vários momentos de pasmaceira do noticiário os jornais não souberam oferecer investigação própria e material exclusivo. Quando irrompe uma notícia do tamanho de um Godzilla dentro da redação, a reação é manter o plano original de publicar uma sequência de matérias sobre a crise no Senado?

A colega Luciana Moherdaui desceu a lenha na empre (adoro chamar a imprensa escrita de empre), eu não li toda a produção dos impressos, mas vi muita coisa e concordo com ela. A questão, para além disso, é o que oferecer.

É sério, o que fazer numa hora dessas? Forrar o jornal de artigos, análises e cronologias “bem sacadas”? E o que mais? É difícil, senhores. A informação em tempo real exaure as chances de publicar exclusividades.

Mas veja a importância do rótulo: não li a cobertura do Extra, mas vendo aquela capa eu não tenho dúvida que valeu a pena. Mesmo que tenha sido só pela capa.

PS – Demorou, mas um leitor achou o jornal que destacou (diga-se, sem ser manchete) a morte do astro com o singelo título “Peter Pan morreu”. Nessas horas eu tenho vontade de sumir.

Detalhe da primeira página do Jornal de Jundiaí publicado em 26 de junho de 2009

Detalhe da primeira página do Jornal de Jundiaí publicado em 26 de junho de 2009

ATUALIZAÇÃO: A Veja que circula neste sábado emulou a capa do Extra. Válido?

Capa da revista Veja que circulou em 27 de junho de 2009

Capa da revista Veja que circulou em 27 de junho de 2009

O leitor Vagner chama a atenção ainda para o Meia Hora, do RJ, que transformou uma das primeiras piadas infames sobre a morte do astro em linha fina de uma manchete anódina (“Nasceu negro, ficou branco e vai virar cinza“).

Também vale destacar a manchete do Diário de S.Paulo (o eterno Dipo, pra quem é velho de guerra na profissão), que tentou sair do hard news e manchetou “Michael Jackson deixa dívida de US$ 400 milhões. Foi massacrado. É a tal história: se o jornal diz que o homem morreu, não apresentou novidade alguma. Se parte pra voo solo, corre o risco de se esborrachar.

Venham fazer jornal impresso no nosso lugar, então.

Um dia de Michael Jackson

Michael Jackson morreu. Isso sim é notícia. É seguramente o morto mais ilustre (no sentido de alcance global) da minha existência como jornalista, iniciada em 1990. Gênio e louco, teve uma relevância incrível.

E foi uma morte, apesar de inesperada, lenta. Começou com a notícia da internação às pressas, após o cantor ser socorrido “sem respirar” por paramédicos. Às 18h06 já havia matérias sobre o assunto, que bombou na web nos minutos seguintes.

Leia notícias sobre a morte de Michael Jackson

Às 19h20, o site norte-americano TMZ, que cobre celebridades, cravou o passamento (é o pior eufemismo possível para morte). O Twitter, essa máquina de rumores que espalha o mal e o bem, tornou celébre o desconhecido TMZ _propriedade da Warner Bros., um cachorro grande do entretenimento.

Eu diria que foi chute, mas tecnicamente tem de ser considerado furo. E coube ao TMZ a primícia. O site, criticado por incentivar o trabalho de paparazzi mas que possui no currículo outros furos, foi quem noticiou primeiro a tragédia.

Em 17 minutos, o Los Angeles Times, em post publicado num blog de música do jornal, dava a mesma informação. O LA Times ainda tentou, numa sacanagem clássica da internet, se apropriar do furo, atualizando a matéria que falava da internação _publicada uma hora e catorze minutos antes (repare no link da URL, que traz o título original e entrega o truque).

Depois, como ficou feio, o jornal colocou um “update” logo após o título (modificado) que sentenciava a morte do astro do pop.

Só quando o LA Times deu, a CNN virou seu título na tela, citando o jornal e falando em morte (até então, o máximo que se tinha chegado era “coma”). Eram 19h43.

Mas faltava a confirmação oficial. Não, não a de médicos ou legistas, num comunicado oficial. Faltava a chancela da imprensa formal. Ela veio apenas às 20h22, quando a CNN confirmou o óbito com fontes próprias e, enfim, assumiu a informação.

O Jornal Nacional já estava no ar, com os apresentadores fazendo o possível para manter em voo um Boeing sem combustível. Só às 20h29, um minuto antes de entrar no ar o programa gratuito do PSDB (escancarando a vocação do partido em ser figurante), William Bonner, citando a CNN, deu a notícia da morte de Jackson.

A parada do telejornal se mostrou providencial. Às 21h01, entrou no ar último bloco do programa, editado de forma bem satisfatória. Repare no final: Fátima Bernardes errou, dizendo que a emissora daria novas informações “a qualquer momento ou no Jornal Nacional”, no que foi socorrida pelo marido, “no Jornal da Globo”, disse Bonner, que foi além: “Estamos todos abalados com a notícia de última hora”.

Pano rápido.

Hoje é o dia de ver como os jornais impressos vão se sair. Minha única certeza é que quem não manchetou com o assunto cometeu um erro grotesco. Dois jornalões não tinham feito isso até a hora que vi… E outro, ainda aguardo confirmação porque só acredito vendo, teria perpetrado “Peter Pan morreu”.

Se você leu essa manchete em algum lugar, me avise com urgência.

Um mito do fotojornalismo desaparece

Capa memorável da revista National Geographic em 1985. A foto, de autoria Steve McCurry, foi feita com um Kodachrome

Capa memorável da revista National Geographic em 1985. A foto, de autoria Steve McCurry, foi feita com um Kodachrome

Quem é das antigas no fotojornalismo certamente vai ficar um pouco chocado ao saber que o Kodachrome, que acabou se tornando uma espécie de ícone do jornalismo visual, deixará de existir.

O filme cromo era o mais antigo produto fabricado pela Kodak, que anunciou nesta semana o fim da linha. Afinal, o Kodachrome respondia por apenas 1% do faturamento da empresa, hoje calcado (evidentemente) no mercado digital, que lhe fornece 70% de sua arrecadação.

“A preservação do Kodachrome é seu maior legado. Tenhos cromos tirados por meu avô nos anos 40 que estão perfeitos. Da maneira como o filme era processado, era praticamente um original eterno, que nunca desbota”, me disse Gustavo Roth, editor-adjunto de Fotografia da Folha de S.Paulo.

Lembrando que o cromo, ao contrário do filme, não permite correções durante a ampliação/revelação. Se errou na hora de fazer o clique, já era. É por isso que  acabou identificado com alguns dos maiores fotógrafos da história _particularmente, tive a oportunidade de manusear cromos no Diário do Grande ABC, que no início da década de 90 usava o processo.

Engraçado que trabalhos feitos com o filme são tema de exposição cuja abertura é hoje, em Washington.

Para os saudosistas, a Kodak conta, em seu blog corporativo, um pouco da história da película, com depoimentos, por exemplo, de Steve McCurry (autor da foto acima que compôs uma das maiores capas de revista de todos os tempos, ajudando a tornar o Kodachrome um mito).

A arte de enganar os outros

Engraçado _e absolutamente correto_ como o jornalismo caga e anda para esse mundinho da publicidade.

Brasileiros ganharam o Leão de Ouro em Cannes, como sempre (e são vários desde que me conheço por gente), e não se nota nos jornalões uma cobertura consistente da atividade de dourar a pílula _sim, publicidade é o oposto do que eu sempre quis fazer, e creio hoje fazer.

Pra mim, publicidade é tudo aquilo que aparece pra roubar espaço e tempo, utilizando mentiras e estratégias de enganação mil.

Impossível não lembrar do filme  “A Primeira Página“, quando o experiente repórter casa com a filha do dono da bem-sucedida agência de publicidade e muda de lado. “Vai lá fazer poeminhas pra lingerie e sabonete, seu maricas”, provocam os colegas na redação.

Quando ganhamos um Leão de Ouro, significa que fomos melhores na arte de engabelar alguém.

Já que há de engabelar (seria ridículo discursar contra a publicidade e seus métodos), ninguém segura esse país.

ATUALIZAÇÃO: Sérgio Lüdtke, no Interatores, analisa publicidade e jornalismo por outro ângulo, bem menos severo do que o meu. Muito interessante.

Jornal fechado, jornalistas presos. E tudo sob a égide da lei

A charge da discórdia: trabalho de Muharraqi mostra o governo tentando impedir o trabalho da imprensa independente que teria sido o pretexto para o súbito fechamento do jornal

A charge da discórdia: trabalho de Muharraqi mostra o governo tentando impedir o trabalho da imprensa independente que teria sido o pretexto para o súbito fechamento do jornal

O Bahrein fechou, sem justificativa plausível, o jornal Akhbar Al Khaleej _publicação combativa e ligada à oposição do país.

Justo quando a ebulição política no Irã já teve como consequência a prisão de pelo menos 24 jornalistas.

Os dois países, por sinal, têm lei de imprensa e exigência de diploma específico para o exercício da profissão.

Nem o ‘jornalismo erótico’ escapa da crise

Perguntei ontem se existe jornalismo humorístico, e me deparo agora com um texto que fala em “jornalismo erótico”. Uai, existe essa categoria?

É sobre a revista Playboy e a situação inédita que a publicação viverá a partir do mês quem vem, quando pela primeira vez desde fundada, em 1953, terá um editor-executivo que não é membro da família Hefner. E com a obrigação de tirar a companhia do buraco.

O veículo vendia 7 milhões de exemplares em 1972, mais do que o dobro de hoje (3 milhões).

É verdade que a Playboy, em suas várias edições pelo mundo (o Brasil não foi exceção), reuniu um timaço de jornalistas, escritores e colaboradores.

Paul Alonso, o autor da análise, cita a pornografia na internet (“onanista, sem narrativa ou estilo próprio”) como culpado relevante no processo de derrocada da revista.

Nem mulher pelada salva, é isso?

O jornalismo que não tem graça nenhuma

Existe “jornalismo humorístico”?

O professor José Luis Orihuela crê que sim. Tanto que há uma peça do gênero entre os trabalhos finais de seus alunos neste semestre em Navarra.

Nada contra o humor (aliás, o jornalismo precisa de doses dele), mas discordo. No máximo admito formatos humorísticos com linguagem jornalística _caso do bobagento CQC, várias vezes confundido com jornalismo.

Aliás, sobre o CQC: algumas vezes já me perguntaram se eu teria coragem de fazer as perguntas que alguns dos “repórteres” do programa perpetram. Claro que não, né gente, afinal de contas eu sou jornalista, não humorista. São funções bem diferentes. Se vivesse de piada, certamente eu seria ainda mais inconveniente.

Fazer graça com as notícias, via de regra, não tem a menor graça.

Olha o caso do The Onion, considerado o principal exemplo de esculhambação do noticiário: “Desastre da Air France foi causado por queda de avião“.

Nossa, estou rolando de tanto rir.