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A morte de José Alencar e alguns segredos do jornalismo

Para quem é de fora do jornalismo, é difícil entender a previdência de certas medidas que tomamos para garantir uma vida com o mínimo possível de sobressaltos. Uma delas, e que mais choca, é o hábito de deixar pronto o obituário de personalidades relevantes do noticiário.

Neste quesito, José Alencar merece uma citação à parte. Nunca um obituário esteve tão pronto. Foram várias as oportunidades em que ele esteve a ponto de ser publicado _nem só on-line: numa noite de novembro do ano passado, pessoas foram chamadas de volta à Redação porque havia o rumor da morte do mineiro. Foi assim por várias vezes.

E os plantões? Quantas vezes fomos ao trabalho sob o risco de a morte acontecer _e modificar todos os planos da edição do dia? O temor acabou não se justificando (a morte, no final das contas, ocorreu numa terça-feira, e bem cedo para os padrões jornalísticos).

Outra crueldade oculta do jornalismo é a avaliação de quanto tempo e espaço dedicar a um morto. Para nós, é evidente que José Alencar valia muito mais como vice-presidente. Ao deixar o poder, paulatinamente foi perdendo a relevância.

São, enfim, pequenos segredos do jornalismo.

Fogos e balões coloridos para a morte de Nestor Kirchner

Depois reclamam quando eu falo sobre os contrangimentos que a publicidade provoca ao jornalismo: na Argentina, a morte do ex-presidente Nestor Kirchner foi saudada com balões coloridos e fogos de artifício no maior veículo do país, o Clarín.

Era “apenas” um anúncio intrusivo do Carrefour, que festeja seu aniversário de chegada ao país.

Lamentável. E já tinha acontecido antes, quando do assassinato do militante político Mariano Ferreyra.

Anúncio surpreende e constrange a CNN


Agora aconteceu com a CNN: um anúncio de uma companhia de seguros alusivo à morte apareceu bem ao lado da notícia de uma morte real, a do ator Dennis Hopper.

Isso só reforça aquela minha cruzada contra automações em produtos jornalísticos. Claro, nesse caso houve uma infeliz coincidência _ao contrário daquela outra vez, o caso do link patrocinado.

Não dá: tudo tem que ser editado por jornalistas. Senão cenas constrangedoras como essas continuarão se repetindo.

O Brainstorm9 foi quem viu primeiro.

Mídia social, patrulhamento ideológico, visão de futuro e infografia animada: a semana no Webmanario

1. Três perguntas para Ana Brambilla: ‘Quem ignora o que o público diz em mídias sociais não pode ser jornalista’

2. Confecom, uma aberração

3. Visionário, Leo Bogart discorre sobre o presente em artigo de 1984

4. Um gráfico animado impressionante: a evolução da audiência do The New York Times no dia em Michael Jackson morreu

A evolução da audiência do NYT no dia em que MJ morreu

25 de junho de 2009 entrou para a história da web, assim como 11 de setembro de 2001. É certamente um dos dias de maior acesso global à rede. Pudera: Michael Jackson morreu.

Um vídeo impressionante registra a evolução da audiência do The New York Times a partir do momento em que a notícia foi confirmada. Loucura.

Só faltaram os números da audiência, né? Podiam ser um counter como o que contava as horas…

Mas no conjunto da obra representa bem o que podemos fazer na web, e com simplicidade.

Um dia de Michael Jackson

Michael Jackson morreu. Isso sim é notícia. É seguramente o morto mais ilustre (no sentido de alcance global) da minha existência como jornalista, iniciada em 1990. Gênio e louco, teve uma relevância incrível.

E foi uma morte, apesar de inesperada, lenta. Começou com a notícia da internação às pressas, após o cantor ser socorrido “sem respirar” por paramédicos. Às 18h06 já havia matérias sobre o assunto, que bombou na web nos minutos seguintes.

Leia notícias sobre a morte de Michael Jackson

Às 19h20, o site norte-americano TMZ, que cobre celebridades, cravou o passamento (é o pior eufemismo possível para morte). O Twitter, essa máquina de rumores que espalha o mal e o bem, tornou celébre o desconhecido TMZ _propriedade da Warner Bros., um cachorro grande do entretenimento.

Eu diria que foi chute, mas tecnicamente tem de ser considerado furo. E coube ao TMZ a primícia. O site, criticado por incentivar o trabalho de paparazzi mas que possui no currículo outros furos, foi quem noticiou primeiro a tragédia.

Em 17 minutos, o Los Angeles Times, em post publicado num blog de música do jornal, dava a mesma informação. O LA Times ainda tentou, numa sacanagem clássica da internet, se apropriar do furo, atualizando a matéria que falava da internação _publicada uma hora e catorze minutos antes (repare no link da URL, que traz o título original e entrega o truque).

Depois, como ficou feio, o jornal colocou um “update” logo após o título (modificado) que sentenciava a morte do astro do pop.

Só quando o LA Times deu, a CNN virou seu título na tela, citando o jornal e falando em morte (até então, o máximo que se tinha chegado era “coma”). Eram 19h43.

Mas faltava a confirmação oficial. Não, não a de médicos ou legistas, num comunicado oficial. Faltava a chancela da imprensa formal. Ela veio apenas às 20h22, quando a CNN confirmou o óbito com fontes próprias e, enfim, assumiu a informação.

O Jornal Nacional já estava no ar, com os apresentadores fazendo o possível para manter em voo um Boeing sem combustível. Só às 20h29, um minuto antes de entrar no ar o programa gratuito do PSDB (escancarando a vocação do partido em ser figurante), William Bonner, citando a CNN, deu a notícia da morte de Jackson.

A parada do telejornal se mostrou providencial. Às 21h01, entrou no ar último bloco do programa, editado de forma bem satisfatória. Repare no final: Fátima Bernardes errou, dizendo que a emissora daria novas informações “a qualquer momento ou no Jornal Nacional”, no que foi socorrida pelo marido, “no Jornal da Globo”, disse Bonner, que foi além: “Estamos todos abalados com a notícia de última hora”.

Pano rápido.

Hoje é o dia de ver como os jornais impressos vão se sair. Minha única certeza é que quem não manchetou com o assunto cometeu um erro grotesco. Dois jornalões não tinham feito isso até a hora que vi… E outro, ainda aguardo confirmação porque só acredito vendo, teria perpetrado “Peter Pan morreu”.

Se você leu essa manchete em algum lugar, me avise com urgência.

A morte de Silvio Santos e a vulnerabilidade da web

A notícia bombástica numa sexta à noite: fake

A notícia bombástica numa sexta à noite: fake

Não há meio mais eficiente para se espalhar um rumor, hoje, do que a internet. Ainda que tenha menos usuários do que a televisão, possui uma capacidade _a do compartilhamento_ que seu decano e passivo concorrente ainda está a anos-luz de oferecer.

Quem fica sabendo pela TV repercute, a priori, com o povo da casa, no máximo com o vizinho. Se der uns telefonemas, amplia esse leque, mas limitadamente. Se for à web, porém, suas chances de atingir mais gente aumentam exponencialmente.

Uma vez já foi o rádio, quando a encenação não anunciada de “A Guerra dos Mundos”, sob a batuta de Orson Welles, causou pânico e sandice numa cidade dos Estados Unidos em 1948.

Nem o jornal está livre, que o diga o 1,5 milhão de falsos exemplares do The New York Times mandados fazer por um ONG e distribuídos gratuitamente no metrô de Nova York no ano passado. Apesar de todas as pistas (a principal, “o NYT de graça?”), houve quem acreditasse que era verdade.

Sexta-feira foi uma noite agitada nas redações. Naturalmente agitada, ao menos nos jornais, quando um exército de abnegados vira a noite escrevinhando a edição de domingo _sim, é por isso que você consegue comprar, na tarde de sábado, o seu jornal do dia seguinte. Por causa de idiotas como eu.

Anteontem um site que cobre celebridades, o Fuxico, anunciou a morte de Silvio Santos. É a reprodução que você no começo deste post. O texto da notícia era o que vai abaixo.

O texto criado pelo hacker: esquisito, mas erros de português redações cometem o tempo todo

O texto criado pelo hacker: esquisito, mas erros de português redações cometem o tempo todo

Não era o Fuxico, mas uma invasão hacker. Gravíssimo, porque penetrou-se num dos servidores supostamente mais protegidos do país, o do portal Terra. E evidenciou-se que há manipulações possíveis nos ambientes menos esperados.

A clonagem de notícias é corriqueira, mas geralmente adota outro modus operandi: o programador copia uma página interna de um site e monta sua história, usando o e-mail (e, portanto, spam) para espalhar a palavra.

Nestes casos também é bem frequente a inclusão de links que conduzem a scripts maliciosos, vírus e spywares.

Não foi o que ocorreu no caso Silvio Santos: a notícia foi realmente publicada na web, e em seu endereço verídico. Durante o ataque, só a home page de O Fuxico ficou fora do ar _todos os menus e demais links funcionavam normalmente, e a notícia da morte do apresentador figurava na lista de últimas do site.

Como sempre, havia pistas para detectar a fraude (não, o português ruim não vale, até mesmo o “falece” costuma ser perpetrado redações afora). O fato de a home page estar fora do ar era o mais palpável. E só ele, para dizer a verdade.

O bom jornalismo fez o que devia, procurou a assessoria do apresentador, soube que ele estava nos Estados Unidos _e bem. Daí, justificadamente, a matéria passou a ser a falsa notícia sobre seu passamento.

Até o próximo ruído.