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O paypal do jornalismo

O Google tinha prometido ajudar os jornais a sair da pindaíba. Para isso, criou um produto, o One Pass.

O serviço é basicamente agregar conteúdo pago selecionado pelo usuário. Tem uma vantagem: não se restringe à web (tudo o que é comprado ali pode ser lido em todas as plataformas).

Yahoo e Apple já tinham anunciado iniciativas semelhantes na semana passada.

AP estima faturamento de agregadores em US$ 500 milhões

A informação de que os agregadores de notícias movimentam cerca de US$ 500 milhões, estimativa que a agência Associated Press informou em reportagem publicada ontem pela Folha de S.Paulo (só para assinantes), é tão surpreendente quanto difícil de confirmar.

Infelizmente a matéria não esclarece qual o período de apuração desse valor (semanal, mensal, anual?) e, estando a AP na linha de frente do combate aos sites que adicionam (e promovem, diga-se) conteúdo alheio, não dá para acreditar em tudo o que ela diz sobre este tema.

A fonte do texto é Srinandan Kasi, vice-presidente da AP, que está empenhada na criação de um formato parecido ao pagamento de direitos autorais, como ocorre na música, por exemplo, para os criadores de conteúdo linkados por agregadores _a priori, estas páginas não possuem publicidade, daí a dificuldade em entender de onde sairia tanto dinheiro.

Vamos ver onde isso vai dar. A tendência é que em lugar nenhum.

Demitidos, jornalistas se organizam para ‘discutir a relação’ com o jornal

Cerca de 60 coleguinhas demitidos num passaralho no The Baltimore Sun se reuniram agora num site para contar suas histórias _basicamente, sua relação com o diário (alguns tinham longa ficha de serviços prestados à publicação).

Não deixa de ser uma lembrança, para a gente, de que a crise do jornalismo impresso nos Estados Unidos está muito distante da nossa realidade nos países emergentes, onde pessoas recentemente começaram a comer de forma decente.

Temos alguns anos pela frente antes de nos lembrarmos com nostalgia dos dias de glória do impresso, como retrata o romance The Imperfectionists, de Tom Rachman, recém-lançado.

El Pais desiste da separação de corpos e funde papel e on-line

O jornal espanhol El Pais (muito relevante globalmente, ainda mais considerando-se sua idade _faz 34 anos em 4 de maio) decidiu fazer aquilo que tinha descartado: unir suas redações em papel e on-line, ainda que numa integração física forçada, bastante comum hoje.

Claro, a integração física é a mais fácil de se fazer. Basta quebrar paredes e acomodar as pessoas perto umas das outras. Debater o que cada uma vai fazer (e com qual prioridade, eis o mais importante)… ah, deixa pra lá.

“Agora o El Pais é um só”, garante Gumersindo Lafuente, diretor adjunto do jornal com clara missão de fundir e tornar complementar os conteúdos dos dois suportes.

A fórmula inicial é batida: o “mesão”, uma central nervosa da redação, com editores e repórteres experientes alimentando o site e, ao mesmo tempo, discutindo o desdobramento que os assuntos devem merecer nas páginas do dia seguinte. É um formato que, via de regra, descamba para o burocrático (e para o inevitável burro encostado na sombra).

A favor de Lafuente conta o passado no Soitu.es, meio nativo digital que agitou o jornalismo espanhol por 22 meses, entre 2007 e 2009, e fechou as portas por falta de capitalização. O jornalista levou consigo para o El Pais outros 11 colegas que desfrutaram daquela aventura na web _ressalte-se que a crise no jornalismo, impresso ou eletrônico, é muito mais evidente em países que já se desenvolveram, caso da Espanha.

Quando dirigia outro importante periódico espanhol, o El Mundo, Lafuente era um ferrenho defensor da separação de corpos: on-line pra cá, papel pra lá. Tudo em nome da defesa da “identidade” de cada plataforma.

Ramón Salaverría e Samuel Negredo falam muito sobre isso no livro “Periodismo Integrado“, no qual analisam oito casos de integração de redações (poucos levaram à convergência, o orgasmo da fusão de suportes no jornalismo).

Mas é certo qe não existe fórmula pronta: depende da quantidade de entusiastas da internet e de características e aspectos culturais de cada empresa. Uma coisa, porém, é certa: precisa querer fazer.

Você quer?

Mais um obituário do jornalismo impresso

Quando as pessoas falam sobre determinada coisa com viés choroso e nostálgico, está claro que aquilo está fadado a desaparecer.

É o que fez o escritor espanhol Gustavo Martín Gazo, em artigo publicado esta semana pelo jornal El Pais. Ele falava sobre o jornal impresso.

“É difícil imaginar como seria nossa vida sem jornais impressos. Como teriam sido, por exemplo, as épocas obscuras de nossa história recente sem a ajuda a imprensa escrita. Sem o auxílio, acima de tudo, dos que mantiveram a crença em sua razão, na liberdade pessoal e nos valores democráticos. Pois exatamente isso devem ser os jornais: companheiros leais, discretos e sensatos a quem recorrer a cada manhã não apenas para encontrar justificativa para nossas ideias ou alimentar nossos rancores”, escreve Gazo num artigo, digamos, mimoso.

“Falar com as fontes, os rios e os animais. E assim brotar essas chamas que nos consolam de nossos pecados, nos acompanhem e nos ajudem a viver”, prossegue ele, que faz uma interessante relação entre a capacidade de narrar (inclusive com texto “literário”) e o apelo que os periódicos exercem hoje .

Um artigo que é quase um obituário do jornal impresso, um ode, um lamento em formato de chorumela. Vale a pena ler.

Por uma vida digna, seja um ex-jornalista

Criaram, na Espanha, uma espécie de CVV do jornalismo. A mensagem da ONG Salvar un Periodista é clara: por uma vida digna, seja um ex-jornalista.

Segundo seu site, a entidade “trabalha na reinserção social dos jornalistas” e, “graças a uma ampla equipe de profissionais e voluntários”, detecta jornalistas em situação de risco (“físico e psicológico”) e os orienta rumo à luz do fim do túnel do inferno laboral.

“Nossos grupos de apoio o ajudarão a identificar quais são seus problemas e, na medida do possível, transformá-lo em ex-jornalista e te dar uma vida melhor”.

Uma evidente sátira (muitíssimo bem sacada) ao sucateamento da profissão. O videodepoimento de Julián Cepeda (com destaque para a trilha sonora) é antológico.

Porém, por via das dúvidas, anota o e-mail da galera aí: salvarunperiodista@gmail.com …

(A dica é do Francisco Madureira)

Jornais brasileiros que mais crescem não têm versão na internet

Só seis entre os 20 maiores jornais diários brasileiros terminaram 2009 com tiragem maior do que no ano anterior. Curiosamente, os que lideram a lista do azul, Daqui, de Goiânia (que cresceu 31%), e Expresso da Informação, do Rio (15,7%) não possuem edição on-line. Completam a relação Lance (10%), Correio Braziliense (6,7%), Agora São Paulo (4,8%) e Zero Hora (2%) _todos, com exceção do Agora, com robusta presença na web.

Fiquei matutando se poderia se estabelecer alguma relação entre não ter presença na internet e vender mais jornal impresso. Neste caso, é difícil: ambos (Daqui e Expresso) apostam na mesma fórmula popular (crime, mulher, futebol e serviço, ao preço de R$ 0,50), atendendo às novas camadas das classes C e D, muitos recém-saídos da miséria. E é exatamente esse nicho, nos países emergentes, que impede um desastre no resultado geral dos impressos.

Mesmo assim, os dados do IVC mostram queda geral de 6,9% da tiragem dos jornais brasileiros no ano passado. Dos 20 principais jornais, 11 reduziram sua presença na rua: O Dia (-31,7%), Meia Hora (- 19,8%), Diário de S.Paulo (-18,6%), Jornal da Tarde (-17,6%), Extra (-13,7%), O Estado de S. Paulo (- 13,5%), Diário Gaúcho (-12%), O Globo (-8,6%), Folha de S. Paulo (-5%), Super Notícia (-4,5%) e Estado de Minas (-2%).

Segundo o mesmo IVC, os dez jornais mais lidos do país em 2009 foram Folha de S.Paulo (média diária de 295 mil exemplares), Super Notícia (289 mil), O Globo (257 mil), Extra (248 mil), O Estado de S. Paulo (213 mil), Meia Hora (186 mil), Zero Hora (183 mil), Correio do Povo (155 mil), Diário Gaúcho (147 mil) e Lance (125 mil).

Mas confesso que não me sai da cabeça os jornais que viraram as costas para a web, mesmo sabendo que seu público (muito por conta do fenômeno lan-house de periferia), também chegou com força à rede.

Particularidades de um mercado estranho e em eterna mutação.

Briefing do Google em Davos: um pouco de tudo

Passei batido pelo briefing que o Google fez na semana passada em Davos, durante o Fórum Econômico Mundial, com alguns poucos que cobrem mídia e tecnologia. Jeff Jarvis, professor da Universidade de Nova York e que escreveu um livro sobre a empresa, estava lá.

Pela companhia, foram o CEO, Eric Schmidt, o presidente de vendas, Nikesh Arora, a gerente de busca, Marissa Mayer, o fundador do YouTube Chad Hurley e o consultor David Drummond.

Eles revelaram coisas bacanas sobre os planos da empresa para dar maior transparência ao AdSense, China (nada assertivo, mas indicativo de que caminha-se para o fim da operação local), reputação, inovação, dispostivos móveis e a economia (“A recessão já ficou bem para trás”, disse Schmidt).

Isso você lê lá no relato do Jarvis (ou no de Alan Rusbridger, do Guardian).

Eu fiquei especialmente interessado no trecho da conversa que tratou da relação com os jornais. E o Google verdadeiramente parece muito disposto a ajudá-los a sobreviver na crise e ganhar dinheiro, mas com uma condição: “Nós dependemos de conteúdo de alta qualidade”, disse o CEO.

A ideia é meio óbvia: aumentar o interesse por notícias e, com mais gente mais tempo on-line, ampliar os ingressos de publicidade. Para isso, os publishers “precisam levar as notícias à soleira digital da porta da casa dos usuários”, nas palavras de Marissa.

Com muitos jornais ainda enxergando o Google como um predador, esses planos parecem utopia.

‘O negócio de mídia é um negócio de identidade. Você tem que ter algo a dizer, e com estilo único’

Paco Sánchez é um das poucas pessoas que realmente dá para chamar de mestre. E não apenas porque ele é professor de jornalismo (tive o prazer de ser seu aluno no Master em Jornalismo Digital Multimídia, no ano passado _sua disciplina, Planejamento de Conteúdos, valeria um semestre inteiro).

Paco também é diretor editorial do jornal espanhol La Voz de Galicia e tem bastante a dizer sobre a espécie de “crise de conteúdos” que estamos assistindo no jornalismo, em geral, e no on-line, especificamente, num momento em que todos os sites se parecem bastante entre si.

O diagnóstico de Paco é preciso. “O negócio de mídia é um negócio de identidade. Você tem que ser alguém com algo a dizer, e dizê-lo com um estilo único”. E como encontrar esse estilo? Leia a conversa que tivemos recentemente.

Paco, você defende que os portais de internet tiveram uma má influência sobre o menu dos sites jornalísticos em geral. Explicando isso melhor: você acredita que a competição por audiência leva sites menores ou “independentes” a, em alguma medida, apenas replicar o conteúdo alheio para não parecer desatualizado?
Eu acho que alguns jornais perderam, na internet, a identidade que têm no papel. Isto é grave. Claro que afeta principalmente os jornais com menos recursos, mas também alguns grandes. Se você se guiar apenas pelas páginas mais vistas, por estratégias de SEO, pode cometer erros absurdos. Por exemplo, é possível que as dez matérias mais acessadas de um jornal sejam superficiais, frequentemente frívolas, replicadas de agências internacionais ou capturadas em outro lugar.

Se quem gerencia o conteúdo se deixa levar por esses resultados e programa mais matérias parecidas, está cometendo dois erros simultâneos de percepção: seu público não chegou ao jornal por causa daquele conteúdo e o usa apenas como passagem (“vejo o noticiário do time de futebol local e aproveito para clicar nessa matéria da Britney Spears”). O que atrai o leitor é informação diferenciada. Se seu objetivo era ler sobre Britney Spears, provavelmente ele entraria em outro site, mais específico, com o qual não poderíamos competir. Se, apesar de tudo, o objetivo do usuário era Britney Spears, provavelmente caiu em nosso site através de um motor de busca. É, portanto, um leitor puramente aleatório, com o qual dificilmente podemos construir uma audiência estável. Então,se nós seguirmos este tipo de estratégia, só conseguiremos visitas hoje, e fome amanhã. E o pior: alguns periódicos de papel começaram a permitir que os resultados de acesso de sua edição on-line passassem a influenciar a agenda de conteúdos na edição impressa. A última gota.

Outro de seus mantras é que nós, jornalistas, não devemos procurar a audiência, mas ao contrário: pela qualidade e originalidade de nossos conteúdos, as pessoas virão até nós. Primeiro que eu adoraria tê-lo como chefe (risos). Sério, como se equilibra isso? Eu não posso manter um site que ninguém acessa. Isso significa que é importante saber o que os usuários querem, certo? Ou não, o jornalismo profissional deve saber quais são as notícias mais relevantes e não pode viver ao sabor da preferência do público?
Estava me referindo mais ao meio, como corporação, dos que aos jornalistas individualmente, ainda que de certa forma seja possível aplicar o conceito também. Em geral, a grande mídia nasceu de uma pessoa ou um grupo de pessoas que tinham algo a dizer e ecoou em uma audiência grande ou importante. Se o processo for ao contrário, raramente funciona.

Sempre lembro que Roberto Civita dizia que, primeiro, imaginava a revista que queria fazer, a que agradava a ele, e só depois começava a fazer pesquisas. O negócio de mídia é um negócio de identidade. Você tem que ser alguém com algo a dizer, e dizê-lo com um estilo único. O sucesso da The Economist é muito bem explicado a partir dessa perspectiva.

Há também exemplos no sentido oposto: no final do ano passado, houve alguma celeuma entre o público do jornal diário espanhol El Pais porque o diário criticou fortemente o governo socialista. Não era o que esperavam muitos leitores, embora o veículo estivesse certo, e alguns até mesmo chegaram a expressar o descontentamento emmento

público de uma forma muito significativa: “Este não é o meu ‘País'”. Com a identidade não se brinca.

Se estamos aguardando apenas o parecer volúvel que nos chega através de pesquisas de marketing, o destino mais provável é uma identidade confusa ou diluída e os termos se invertem: já não somos alguém que tem algo a dizer, e a audiência deixa de precisar da gente. A crise de tantas revistas noticiosas tradicionais tem a ver, em parte, com um processo dessa natureza.

Palavras suas: um jornal impresso tem valor por cerca de quatro horas. O que pode ser feito nas outras 20h para manter o público interessado? Você se lembra de exemplos de jornais que estão otimizando suas operações em grande parte através de intervenções nas suas edições digitais (editorial e produto)?
Com essas palavras o que eu quis dizer é que quase 100% dos exemplares diários impressos são vendidos quatro horas depois de publicados. O resto da venda é marginal. Isso não significa que as informações contidas no jornal expirem. Na verdade, minha proposta é encontrar maneiras de continuar lucrando com todo o volume de informação que continua a ser válida e útil em sua grande maioria.

A indústria do audiovisual entendeu isso muito bem desde o início, com alguma frequência amortiza investimento ou até mesmo começa a gerar lucros quando o filme estreia nos cinemas, mas ela passará anos tirando partido do produto, seja na TV paga, na TV aberta, no pay-per-view, no mercado de DVD etc.

Já existem muitos veículos que utilizam seu conteúdo impresso, aparentemente defasado, para agregar valor à edição eletrônica ou revendê-lo de outras maneiras: não só o The New York Times ou CNN, mas também meios pequenos já são capazes, por exemplo, de converter seu cartunista em uma marca ou vender as fotos do dia.

Um ano sem jornal impresso, isso é que é reality show

O consultor em relações públicas Adam Vicenzini está conduzindo um autoexperimento interessantíssimo. O desafio é passar um ano (este 2010) sem ver, ler ou comprar jornais impressos.

Ele, que se apresenta como consumidor voraz de notícias, quer testar o quanto isso terá impacto sobre sua personalidade e seu trabalho, ao mesmo tempo em que pretende explorar novos meios (on-line e móveis) de se informar.

Já há histórias engraçadíssimas nesse começo de empreitada, como a tarefa hercúlea de evitar olhar um jornal (são os gratuitos, claro) no metrô de Londres.

Uma aventura a se acompanhar, e cujo desfecho já é conhecido: muito provavelmente ele não vai perder nada. Os jornais fornecem boa parte da matéria prima que dá o start de cada dia na internet “noticiosa”. Se ele for um leitor atento dos on-lines, não perderá o melhor dos impressos.

Mas vamos acompanhar.

PS – Quem achou essa história foi o Journalism.co.uk, outro que merece ser acompanhado.