Arquivo do mês: abril 2008

Jornalista e cidadão em pé de igualdade

Roy Greenslade, colunista do Sydney Morning Herald _e há 44 anos fazendo jornais de papel_ teoriza sobre o óbvio: que os jornalistas terão de dividir o seu território. Ele mal fala dos cidadãos (ou do conteúdo produzido pelo usuário), mas das exigências cada vez mais multimidiáticas impostas à profissão.

Isso já está acontecendo no mundo todo (em menor escala, é verdade, no Brasil).

Mas que os processos tecnológicos que levaram à Web 2.0 (que o professor Francisco Madureira não nos ouça) tiraram das mãos dos jornalistas profissionais a exclusividade sobre a apuração e filtragem do noticiário, ah, tiraram.

Restou aos “profissionais da comunicação” apenas legitimação e proteção que estão por trás dos grupos do mainstream.

Legitimação porque, diferentemente do cidadão “comum”, um repórter oficialmente constituído (digamos assim) tem permissão para abordar o governador ou conversar com atletas no vestiário após um evento esportivo, apenas para dar dois exemplos pobres.

E, quando sofre processos de fontes que questionam informações publicadas, têm respaldo jurídico da empresa que representa, tornando-se um pouco mais forte.

É só isso que restou. No mais, profissional e amador são exatamente a mesma coisa e têm acesso às mesmas ferramentas.

A vigília da morte dos jornais

Agora é a Advertisig Age que, na primeira reportagem de uma série especial, analisa a gradual perda de dinheiro, leitores e importância dos jornais impressos.

A análise se restringe aos Estados Unidos, seus 1.437 diários (desde 1940, 441 fecharam) e um cenário com gigantescas quedas de faturamento publicitário.

No Brasil, a realidade é outra: em boa parte por causa do aquecimento de lançamentos imobiliários, a receita dos jornais subiu (é por isso que aos sábados e domingos você recebe cadernos extras, como “Cotidiano 1” e “Cotidiano 2” ou “Internacional 1” e “Internacional 2”, forrados de anúncios: simplesmente não há páginas suficientes para abrigá-los).

A estrada rumo à irrelevância, porém, parece sem volta, tanto cá como lá.

“Quando um leitor offline morre, ele não é mais substituído”, diz Jeffrey Cole, do Center for the Digital Future da Universidade da Carolina do Sul, citado pela Ad Age.

Cole é mais um a se aventurar no perigoso terreno das previsões, como já fizeram o acadêmico Philip Meyer e até o Fórum Econômico Mundial. “Quanto tempo os jornais ainda resistirão? Uns 20 ou 25 anos”, decreta.

A matéria relata iniciativas interessantes de periódicos que tentam prolongar sua sobrevida. Como o pool de oito jornais de Ohio que, para reduzir custos, intercambiam reportagens. Ou a medida desesperada do Lakewood Observer, que restringiu sua publicação em papel para edições quinzenais, mas é atualizado diariamente on-line.

A opinião mais severa é de Lauren Rich Fine, ex-analista de mídia da Merryl Linch. “Eu não acredito mais nessa indústria como algo lucrativo”.

A ver.

Terra usa link patrocinado para vender notícias

Até que ponto que um veículo deve usar recursos on-line para promover seu conteúdo editorial?

Usuários do Google que buscaram nesta terça-feira informações sobre o caso Isabela Nardoni encontraram, no topo da página de resultados, um link patrocinado do Terra Notícias chamando para a sua cobertura sobre a morte da garota _que fez exatamente um mês.

Com a estratégia, o Terra pôs seu produto no topo das buscas do site que realiza 98% das pesquisas mundiais na Internet.

É certo que sites (ou blogs) jornalísticos, se quiserem caminhar dentro dos limites da ética, devem evitar o uso de links patrocinados ou do tipo adsense em seu material noticioso.

O motivo? Bem, eles ludibriam o usuário escolhendo palavras equivocadas e os encaminhando a sites que muitas vezes nada têm a ver com a notícia em si. Mais: são aleatórios, e não se edita um produto jornalístico sem saber o que vai acompanhá-lo. Mais ainda: possui, entre seus clientes, picaretagens como o Total Shape (aquele que promete um abdôme tanquinho em apenas 15 minutos diários de papo pro ar), além de pornografia e outras ilegalidades.

Agora, o inverso (usar o link patrocinado para anunciar) me parece natural e nada constrangedor, como indagou o Leopoldo Godoy, que notou a propaganda ao fazer uma busca. Não difere em nada da propaganda comum que vemos, por exemplo, em revistas, jornais ou TV.

Jornalismo 2.0, a resenha

O livro Jornalismo 2.0, de Mark Briggs (sugestão de leitura que dei no início do bimestre) ganhou uma bela resenha da Natalie Consani.

Quem avisa é a Ana Estela, que comanda o blog (de verdade) Novo em Folha.

Vale a pena ler. E o livro (na verdade um manual sobre como se virar com câmeras digitais, filmadoras e outras bossas tecnológicas), relembrando, está disponível para download gratuito.

Ao mestre, com carinho

Você conhece o cara que inventou a Internet e que te permitiu estar agora, por exemplo, escaneando com os olhos essas mal-ajambradas linhas?

Ele é Tim Berners-Lee, 52 anos, a pessoa que vislumbrou o hyperlink, criou o navegador, desenhou as primeiras páginas da história da Web e, hoje, ganha a vida como profeta (seu livro é a Bíblia do assunto).

Saiba que desde sempre ele enxergou a rede como um lugar para fazermos exatamente isso: correlacionar conceitos, ligar idéias e pessoas.

Semana passada, em Pequim, ele disse coisas legais.

Quem sabe faz, quem não sabe… aplaude?

Tim O’Reilly, Web 2.0 e o Twitter

Lembram que Tim O’Reilly (repito o mantra? Ok, o homem que cunhou o termo Web 2.0) foi questionado por que, durante uma entrevista que conduzia na sexta-feira em sua Web 2.0 Expo, pediu que a platéia mandasse perguntas via Twitter, mas não repassou nenhuma para o entrevistado (Jonathan Schwartz, presidente da Sun Microsystems)?

Houve quem notasse, repercutisse e ironizasse. Também, a justificativa do cara era pífia: “percebi que configurei meu Twitter para receber mensagens apenas das pessoas que eu acompanho”, esclareceu em dois tempos o constrangido Tim, horas depois do vacilo, na própria ferramenta de microblogging.

Daniel Terdiman, que pescou a rateada e a divulgou, insiste que O’Reilly não checou seu telefone em momento algum no transcorrer da conversa com Schwartz. O papa da web semântica, porém, assegura que sua falta de destreza, não de consideração, foi a responsável pelo incidente.

Num pedido de desculpas em seu blog, Tim ouviu de novo Schwartz e postou perguntas e respostas com as indagações feitas pela platéia no evento de sexta-feira.

A dúvida que ficou: será que O’Reilly já sabe manipular seu celular 3G e as ferramentas de microblog?

A Wikipedia, quem diria, será impressa

Repito: a Wikipedia, quem diria, será impressa.

O projeto que popularizou a plataforma wiki ganhará, na Alemanha, uma versão em papel. Quem está por trás disso é a gigante Bertelsmann (dona, por exemplo, da gravadora Sony BMG).

Problema número um: os 740 mil artigos que hoje a Wikipedia alemã abriga caberiam não em uma, mas em centenas de versões em papel. “Não seria um projeto adequado levando-se em conta o mercado do livro na Alemanha”, reconheceu Beate Varnhorn, editora-chefe da Bertelsmann.

A opção foi por uma espécie de “livro do ano” com os 50 mil verbetes mais acessados on-line _mesmo assim, consumiu 992 páginas.

Problema número dois: isso significou a inclusão de termos como “Carla Bruni” e “Nintendo Wii“, entre outras irrelevâncias (por sorte, num limite de 10 linhas).

Todo mundo sabe que Jimmy Wales toca sua Wikipedia com base em crowdsourcing e doações, muito mais o primeiro. O acordo com a editora alemã lhe renderá US$ 1,59 por cópia vendida (a US$ 31,80 cada).

Problemas número três, quatro, cinco, seis…: ao ser congelada numa edição em papel, a Wikipedia deixa de ser wiki. Wiki é mais do que o produto de Wales, é um conceito de colaboração cuja plataforma permite a edição constante de textos, e por várias pessoas, e por todo o sempre.

Sim, existem termos congelados já na web, mas são casos específicos como os de George W. Bush (note o cadeado no canto superior direito), vítima preferencial de ativistas, vândalos ou desocupados _já incluíram em seu verbete na enciclopédia on-line até uma foto do Cramulhão.

Andrew Keen, o defensor-mor das grandes corporações (“da excelência das grandes corporações”, certamente me corrigiria ele), viu vantagens no acordo: entregaram um produto amador _em breve falarei sobre episódios de analfabetismo, censura e privilégios perpetrados pelos voluntários que administram as Wikipedia pelo mundo_ nas mãos de profissionais.

Sim, os verbetes escritos pela “ex-audiência“, por mais desimportantes que sejam, passarão pelo crivo de editores da Bertelsmann (vernáculo e veracidade das informações são checados e corrigidos).

Daí que a participação da “ex-audiência” será lembrada apenas como responsável por ter colocado Carla Bruni numa enciclopédia em papel.

Washington Post: um case de divergência de mídias

Um rio separa duas redações em Washington. O inusitado é que falamos de um mesmo jornal: o Washington Post. Para ele, a convergência passou longe. Não está nem sequer nos planos da empresa, ao menos a médio prazo, unificar as equipes impressa e on-line.

Não que a distância física _no caso, são alguns quilômetros, com o rio Potomac como divisor simbólico_ seja impedimento para o trabalho integrado entre as plataformas. Apesar de tendência mundial, não é a regra no Brasil, por exemplo.

Agora, o que está acontecendo no Washington Post, conforme relato imperdível do jornal semanal Washington City Paper, é surreal.

A matéria começa com um exemplo emblemático: em fevereiro, duas repórteres da versão impressa trabalhavam numa história de maus tratos e descalabro administrativo num hospital militar da cidade que tratava de soldados feridos no Iraque e no Afeganistão.

O jornal publicou a primeira reportagem sobre o caso (viraria uma série especial) em 18 de fevereiro. Pois bem: na noite da véspera, um vídeo em que Dana Priest (uma das repórteres) narrava como ratos e baratas tinham feito do hospital seu hábitat foi ao ar na Internet. Não no Post, mas no site da rede de TV NBC, para quem a jornalista também colabora.

O caso revolve um rancor freqüente: muitos jornalistas de papel ainda vêem os sites de seus veículos como concorrentes. Termos como “eles”, para se referir aos profissionais do on-line da mesma casa, são freqüentes, lá e cá.

Para o Post (não só, por sinal), o abismo entre suas equipes significa custos extras que, em tempos de orçamento apertado, são injustificáveis. Traduzindo: é comum o jornal ter dois repórteres numa mesma pauta. Exatamente como ocorre no Brasil.

Casos como o do Post não são uma argumentação definitiva pró unificação _deve haver coisas boas na separação, tanto que o jornal de Washington é um dos mais inovadores e criativos da web.

Mas servem pra fazer a gente pensar.

Faça o que eu digo, não o que eu faço

Tim O’Reilly, o cara que cunhou o termo web 2.0 e alardeou ao mundo as benesses da nova tecnologia para a comunicação interpessoal, foi pego com a boca na botija durante entrevista que realizou com Jonathan Schwartz, presidente da Microsystems.

Entusiasta do poder de convergência das ferramentas on-line, convidou a platéia a fazer perguntas ao entrevistado via Twitter _plataforma de microblogging mais usada no mundo.

Pois bem: Daniel Terdman nos conta que O’Reilly não checou seu celular (por onde entrariam as atualizações via Twitter) NENHUMA vez durante a entrevista. Logo, não fez nenhuma pergunta sugerida pela audiência.

Bem depois, Tim apareceu no Twitter com uma história que, se verdadeira, prova que ele nem sequer sabe usar o microblogging.

A saia-justa ocorreu no evento capitaneado anualmente por O’Reilly, a Web 2.0 Expo.

Sobre o profeta da web semântica e o Twitter quem tem coisas boas a dizer é o Francisco Madureira, do Clico, Logo Existo. Primeiro, que o termo web 2.0 é uma balela.

E segundo: que é para eu me acalmar com relação ao Twitter, a quem me derreti em elogios no episódio do abalo sísmico em São Paulo na terça-feira.

O debate, como sempre, engrandece.

Cidadão emplaca primeira página em “O Globo”

 

A ressaca que atingiu o litoral do Rio na quinta-feira por pouco não provocou o naufrágio de um catamarã que fazia a travessia Niterói-Rio (17 pessoas acabaram ficando feridas após a embarcação ter sido invadida por uma gigantesca onda).

A quase-tragédia, porém, serviu para alçar o cidadão comum Alexandre Caldas à primeira página do jornal “O Globo”. 

Ele estava dentro do barco, fotografou os momentos de tensão e enviou imagens para o Eu Repórter, o canal participativo do Globo Online.

Como sugeri, há um mês, que vocês fizessem.

Enquanto isso, vejo no site de jornalismo cidadão Ohmynews um texto sobre a vitória de Danica Patrick no GP do Japão da F-Indy. Publicada quatro dias após a prova e com aspas “chupadas” do site da ESPN International.

É assim que se oferece um caminho alternativo à mídia tradicional?