Arquivo do mês: março 2010

El Pais desiste da separação de corpos e funde papel e on-line

O jornal espanhol El Pais (muito relevante globalmente, ainda mais considerando-se sua idade _faz 34 anos em 4 de maio) decidiu fazer aquilo que tinha descartado: unir suas redações em papel e on-line, ainda que numa integração física forçada, bastante comum hoje.

Claro, a integração física é a mais fácil de se fazer. Basta quebrar paredes e acomodar as pessoas perto umas das outras. Debater o que cada uma vai fazer (e com qual prioridade, eis o mais importante)… ah, deixa pra lá.

“Agora o El Pais é um só”, garante Gumersindo Lafuente, diretor adjunto do jornal com clara missão de fundir e tornar complementar os conteúdos dos dois suportes.

A fórmula inicial é batida: o “mesão”, uma central nervosa da redação, com editores e repórteres experientes alimentando o site e, ao mesmo tempo, discutindo o desdobramento que os assuntos devem merecer nas páginas do dia seguinte. É um formato que, via de regra, descamba para o burocrático (e para o inevitável burro encostado na sombra).

A favor de Lafuente conta o passado no Soitu.es, meio nativo digital que agitou o jornalismo espanhol por 22 meses, entre 2007 e 2009, e fechou as portas por falta de capitalização. O jornalista levou consigo para o El Pais outros 11 colegas que desfrutaram daquela aventura na web _ressalte-se que a crise no jornalismo, impresso ou eletrônico, é muito mais evidente em países que já se desenvolveram, caso da Espanha.

Quando dirigia outro importante periódico espanhol, o El Mundo, Lafuente era um ferrenho defensor da separação de corpos: on-line pra cá, papel pra lá. Tudo em nome da defesa da “identidade” de cada plataforma.

Ramón Salaverría e Samuel Negredo falam muito sobre isso no livro “Periodismo Integrado“, no qual analisam oito casos de integração de redações (poucos levaram à convergência, o orgasmo da fusão de suportes no jornalismo).

Mas é certo qe não existe fórmula pronta: depende da quantidade de entusiastas da internet e de características e aspectos culturais de cada empresa. Uma coisa, porém, é certa: precisa querer fazer.

Você quer?

Jornalismo cidadão, colaborativo e participativo são diferentes?

Qual a diferença entre os jornalismos ditos cidadão, colaborativo e participativo?

Há tempos a tendência é jogá-los todos numa mesma cumbuca, como se fossem sinônimos. Ainda que, em 2005, Axel Bruns já tenha ensaiado uma diferenciação em seu instigante Gatewatching.

Numa classificação própria dos termos _que, em breve, será ampliada num trabalho em formato acadêmico (como se as ideias não bastassem…) _, modestamente sugiro debater o assunto.

O que é a participação ou a colaboração senão a inserção num processo já existente? Bem por isso considero que o jornalismo participativo e o jornalismo colaborativo são, realmente, sinônimos.

É quando o público, seja numa ação independente de crowdsourcing ou num site do mainstream que solicita envio de material específico, interfere claramente num processo que está de pé, atualizado e editado sob as regras da edição jornalística, não importa de onde venha o conteúdo, para construir uma narrativa lógica a descrever ou analisar um acontecimento.

O jornalismo cidadão não tem essa ordenação: caótico, representa o que pessoas publicam, seja em que instância on-line for (blog, Flickr, Twitter, Facebook etc), num movimento absolutamente disperso e dissociado pela rede, sem a preocupação de cooperar com uma cobertura formal _ainda que ela se aproveite desse despojamento.

A ideia é essa, em resumo.

Gostaria de debater mais sobre o tema com vocês.

Três análises sobre comentários em notícias on-line

Coincidência ou não, saíram quase juntos do forno três análises bacanas sobre o comportamento de jornalistas e consumidores de jornalismo diante da possibilidade de comentar e administrar comentários de notícias on-line.

O mais importante, o do professor Jeff Jarvis, que exorta os jornalistas a definitivamente dividirem com o público anseios e insights, inserindo as pessoas no processo antes e durante a confecção de uma reportagem, e não depois, como costuma acontecer.

Da Espanha vem um estudo com conclusões interessantes: não há diálogo entre os internautas, pelo menos aqueles que comentam notícias nas versões on-line dos jornais impressos. É pequeno o número de usuários que intervêm mais de uma vez, assim como os que corroboram os argumentos dos outros. A presença de insultos é pequena (isso difere da realidade brasileira), mas a desqualificação _de outros leitores, do autor da notícia, dos protagonistas do fato ou do próprio meio de comunicação_ é altíssima.

Por fim, Robert Niles e uma máxima: “se você não consegue administrar os comentários, simplesmente não os ofereça”.

Quem é o quarto poder: a imprensa ou o cidadão?

Em entrevista recente à revista Época Negócios, Ruy Mesquita, que aos 85 anos segue na ativa como diretor de opinião de O Estado de S. Paulo, ressuscitou o termo “quarto poder” para se referir à imprensa e seu papel de fiscalização dos outros três, esses sim claramente constituídos.

“O chamado Quarto Poder continuará sendo necessário porque é o mais distante do universo do poder político onde estão instalados os outros três e o mais próximo da cidadania”, afirmou. Será?

Imediatamente me recordo do sociólogo espanhol Manuel Castells e seu livro “Comunicación y Poder”, que analisa justamente as mudanças que o avanço tecnológico provocou na relação entre governos e governados. “O Estado invade a privacidade das pessoas, sempre fez isso. Se o Estado quer, o Estado nos vigia. Todos os governos do mundo fazem isso, têm condições de fazer. A novidade é que agora podemos vigiá-los”, diz.

Daí, a divagação: não seria o cidadão, agora dotado de ferramentas a que nunca antes teve acesso, o verdadeiro quarto poder do século 21? Na era da publicação pessoal, creio, a mídia formal assume o papel de concretizar, nos canais de divulgação antes restritos a ela, muito do que as pessoas estão detectando, comentando e repassando entre si?

Se não assumiu esse papel ainda (e temos vários exemplos de mídias tradicionais simplesmente cegas, surdas e mudas ao grito mais importante dos cidadãos _não ao último hype da TV que foi parar no microblog, também importante, mas bem menos indicador de relevância_, temos um grave problema a administrar.

Porque os jornais não usam a tecnologia para deter o plágio?

O episódio de plágio revelado esta semana pelo Painel do Leitor da Folha de S.Paulo _o presidente do PTB, Roberto Jefferson, republicou como se fosse seu um artigo do filósofo Olavo de Carvalho_ casa perfeitamente com texto recente de Craig Silverman que tenta entender o porquê de os jornais caírem tanto nessa trapaça.

“As redações estão mais interessadas em identificar quem está roubando seu conteúdo do que assegurar que o que estão publicando é original”.

É exatamente isso.

Silverman discorre sobre alguns serviços de detecção de plágio _vários deles não passaram pelo crivo de uma pesquisadora alemã, que apontou uma alarmante incidência de “falsos positivos”_ que seriam muito melhores se os clientes (ou seja, os jornais) complementassem a base de dados com seu próprio conteúdo.

Copyscape e SafeAssign são alguns destes serviços, e muitas vezes custam centavos por operação. Mas gastar não está na ordem do día da velha mídia. Melhor, talvez, seja comprometer sua credibilidade.

Assim como ocorreu com texto de colaborador eventual, acontece todos os dias no noticiário. É triste, mas é a realidade (e global).

Uma bela pauta diante dos nosso olhos

Muito boa ideia do La Información, o jornal nativo digital da Espanha _e a execução, com integração multimídia, é ao mesmo tempo simples e bacanuda.

A pauta: entrevistar correspondentes estrangeiros no país. São ele que oferecem, afinal de contas, a imagem que o mainstream lá de fora vai refletir de sua terra.

Conhecer os assuntos nacionais que mais suscitam interesse globalmente não serve apenas de leitura saborosa, mas podem orientar projetos editorais e comerciais.

É algo que pede para ser copiado…

Enfim, modernizaram o ‘Elementos do Estilo Tipográfico’

“Elementos do Estilo Tipográfico”, de Robert Bringhurst, é um clássico como “Edição e Design”, de Jan White, o livro que normalmente recomendo quando o assunto é desenho de notícias _é importante o jornalista pensar nisso, em como seu trabalho vai ser mostrado. Se for um fiasco gráfico, muito menos gente lê.

Agora o colega Marcelo Pliger avisa que a obra de Bringhurst foi atualizada para a web. Num momento em que, graças a resoluções maiores e dispositivos melhores, a fonte serifada foi reabilitada, há outros mitos a serem derrubados na composição e apresentação de textos on-line.

É tudo muito técnico, para gente experimentada. Mas se não for o seu caso, é legal tomar conhecimento do que essa gente está falando.

Bons exemplos de jornalismo visual e newsgame

A intrépida Mindy McAdams selecionou 21 exemplos (aquela coisa americana de números irregulares) de infografias interativas em flash, algumas bem simples, mas todas detentoras de algo muito importante: o foco na informação, sem espetacularização da notícia.

Amei o caça-níquel do Las Vegas Sun (jornalismo hiperlocal é isso!) que mostra quais as suas chances de perder (a longo prazo você sempre vai perder) brincando numa das maquininhas que o Brasil discute se deve reabilitar _o projeto da volta dos bingos e videojogos está nas mãos da Câmara.

Jornalismo serve exatamente para isso, muito embora o uso do flash, em vários momentos (o newsgame ainda é um incompreendido), sugira entretenimento.

Também pode ser. Mas aí deixa de ser jornalismo.

O poder arrasador de uma boa charge

“E se tudo isso for um grande boato e a gente criar um mundo melhor por nada?”

É por trabalhos como o acima, de Joel Pett, que a charge, esse gênero jornalístico às vezes esquecido como tal, precisa ser mais valorizado _se você boiou, saiba mais sobre o climagate.