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Uma imprensa para cada um

Mais de uma vez já escrevi aqui que se no meu tempo houvesse o acesso à tecnologia que vivenciamos hoje, talvez nunca teria trabalhado numa redação _faria jornalismo cidadão com meu celular ou netbook, numa boa, publicando tudo num blog ou coisa que o valha.

É sério. Com as armas que todos dispomos agora, quase idênticas às do jornalismo profissional, não faz muito sentido se acotovelar numa redação em busca de um lugar ao sol.

Ao jornalista de carreira, é verdade, há o privilégio da legitimação. Um exemplo bobo, mas prático: após o jogo de futebol, ele tem acesso a treinadores e jogadores, coisa que um cara que faz jornalismo como hobby tem de sofrer para, talvez, conseguir _sim, a internet permite conquistar legitimação (e os vários casos de jornalistas independentes com acesso aos personagens do noticiário prova isso).

O jornalista profissional tem ainda, à frente de si, a relevância e a credibilidade do veículo que representa. Não é pouco e abre portas.

Uma iniciativa individual pode atingir esse patamar, mas é uma trilha bem mais cansativa. Possível, mas desgastante.

A foto lá de cima, o equipamento individual de um freelancer, não pode intimidar. Com muito menos (e eu sou testemunha disso) dá para fazer bom jornalismo.

Mas, sinal dos tempos: é frequente ver outsiders muito melhor equipados _e sintonizados com a agilidade que nossos tempos pedem_ do que repórteres do mainstream.

Castells e o jornalismo: ‘ser uma gota a mais num oceano de informação não faz muita diferença’

“As redes na internet abrem o jogo das ideias para todo tipo de ideia. Desta forma, a sociedade se expressa mais abertamente”, disse o sociólogo espanhol Manuel Castells, 68 anos e um dos principais pesquisadores sobre o comportamento humano na rede, em conversa que tivemos na semana passada (e sobre a qual você já leu um pedaço aqui).

A frase introduziu a parte em que falamos sobre jornalismo e a avalanche de informação _a trajetória de mídias de massa a massas de mídia, como bem define Ramón Salaverría. Castells acredita, como a gente, que o jornalismo se beneficiou da conversação e da abundância de informação na web.

“Os jornalistas recebem mais informação e, se enfrentam alguma restrição de seus chefes para publicar, podem sempre recorrer ao argumento de que se não publicarem, alguém o fará. Então a internet também ampliou a liberdade para os jornalistas, que sempre, ou quase sempre, lutaram pela liberdade de informação mas também eram prisioneiros de interesses políticos e comerciais em suas empresas”, diz o sociólogo, lembrando a era da publicação pessoal e a possibilidade de difundir informação sem permissão de ninguém.

A outra observação de Castells vai ao encontro do que dizemos há tempos: que a credibilidade restou como o último bastião da mídia profissional desde que o cidadão tem acesso às mesmas armas tecnológicas que ela.

“A única vantagem que têm os meios de comunicação estabelecidos é a credibilidade, o profissionalismo. Nunca se sabe se uma informação na internet é correta, há milhões de informações. Para ter credibilidade, é preciso transmitir a informação correta. A política de meios de comunicação mais exitosa é aquela que afirma o profissionalismo e a independência. Senão, para ser uma gota a mais num oceano de informação, não faz muita diferença.”

O trabalho mais auditado do mundo

É mesmo surpreendente e curiosa a visão que as torcidas têm do trabalho jornalístico formal _ao mesmo tempo em que martelam na tecla de sua gradual irrelevância, o que, sob a luz da era da publicação pessoal, caminha para uma definição conceitual.

Carlos Fernández Liria, escritor e professor de Filosofia da Universidade Complutense de Madrid, mostra-se totalmente descido do muro ao comentar como a imprensa espanhola se comporta ao cobrir o movimento bolivariano, comandado por Hugo Chávez nas Américas.

“Na Europa há muita censura, a mídia só contrata jornalistas que digam o que lhes interessa”, afirma Fernández.

Claro exagero, mas que passa aquele recado: a internet ampliou a vigilância do público, e o trabalho jornalístico, provavelmente, é o mais auditado do mundo.

Merece até uma quantificação.

Governo dispensa mediação do jornalismo profissional

Mais uma indicação de que a imprensa como filtro universal dos acontecimentos está em baixa: autoridades do governo de Cristina Kirchner, em eterna guerra com os maiores grupos de mídia do pais, correram à internet em busca de canais personalizados de publicação.

A presidente já reuniu mais de 50 mil seguidores no Twitter, enquanto vários ministros ganharam blogs _onde passam o dia respondendo aos jornalistas, oos quais raramente dão declarações oficiais.

O jornalismo debatido e construído com os leitores

“A audiência também produz conteúdo e o distribui de forma muito mais eficaz e influente que qualquer outro jornalista”.

Quem fala isso é um jornalista, Jean-Francois Fogel, pioneiro do jornalão francês Le Monde na internet.

Pra gente parar de achar que é uma “bobagem” o diálogo redação-leitor via redes sociais _principalmente, mas carta e telefone ainda são válidos, apesar de mais demorados.

Felizmente estou na linha de frente de ótimos experimentos práticos neste campo (em breve, notícias aqui). E posso atestar, dia após a dia, a importância dessa relação.

Fogel lembra que o “conteúdo referenciado”, ou seja, o recomendado de amigo para amigo, tem hoje fatia importante como drive de audiência dos sites jornalísticos.

Você não sabe o que está perdendo ao ignorar esse público.

As seis dicas do Google para quem faz jornalismo usando vídeo

Dono do YouTube, o Google tem incentivado produtores de notícias (isso engloba do cidadão a organizações jornalísticas) a disponibilizar vídeos não apenas na rede social, mas também em seu serviço News, que já conta com a adesão das grandes agências de notícias.

É um tabu no Brasil. Via de regra, os donos do conteúdo pensam mil vezes antes de oferecê-lo a um servidor externo. Não se reconhece o caráter agregador de audiência destes produtos, apenas a suposta usurpação que fazem do material alheio.

Bem, o Google dá seis dicas para quem faz jornalismo usando vídeo. Na verdade, uma aula de indexação _afinal de contas, a maneira mais rápida de sermos encontrados na rede.

A lição serve também para uso interno, ou seja, na organização do nosso acervo. Classificar e etiquetar adequadamente conteúdo virou um trabalho precioso na era da publicação pessoal.

Reiventando o jornalismo, por Ethevaldo Siqueira

Texto de Ethevaldo Siqueira publicado há um par de dias de no Estadão é obrigatório para quem trabalha profissionalmente com informação. Intitulado ‘Reiventando o jornalismo’, fala sobre as mudanças pelas quais a profissão passou com o avanço tecnológico e a era de uma imprensa para cada um _mantras bem conhecidos de quem lê o Webmanario.

Duas coisas que merecem destaque: “Um exemplo de herança antiga que sobrevive é a atitude imperial de alguns colunistas e editorialistas, que ainda se comportam como donos da verdade e parecem ignorar solenemente a opinião dos leitores.”

Isso realmente é uó.

Como é uó o patrulhamento, a grosseria e ausência de noção de ridículo de quem comenta ou quer participar exibindo intolerância e ausência de recurso argumentativo e vernacular.

Tá tudo lá no texto do Ethevaldo.

Finalmente uma guerra que vale a pena

Finalmente o exército dos Estados Unidos entrou numa guerra que vale a pena: a guerra contra o uso indiscriminado de apresentações de Power Point.

Transposta para a nossa realidade (compreensão do futuro do jornalismo e o que fazer com ele na era da publicação pessoal), é uma briga bastante boa de se comprar. Também em nossa área há uma disseminação de diagramas que, muitas vezes, nada significam.

Tudo começou com o slide acima, que gerou comentário hilário de um general (“Quando nós entendermos esse slide, vamos ganhar a guerra”).

A verdade é que o general está certo. Os problemas do exército dos EUA, assim como as questões que nós jornalistas enfrentamos diariamente no desafio de desbravar uma profissão moldada pelo avanço tecnológico, não são todos explicáveis por meio de apresentações.

Lá, em algumas unidades o exército já barrou o uso desse recurso, considerando que eles nos torna “mais estúpidos”.

A refletir.

Os sites estão menos importantes?

À provocação de Sérgio Lüdtke eu respondo de cara: não, os sites não estão menos importantes. Mas o que está ocorrendo nas redes sociais é tão relevante que, merecidamente, invade o espaço onde estávamos habituados a ver meramente chamadas para o próprio umbigo.

A revolução das pessoas, fruto da capacidade de publicar instantaneamente e com as mesmas armas da mídia formal (ou quase, tirando a legitimação), fez voltar definitivamente a atenção do mainstream para a mobilização pública em sites como Facebook e Twitter.

Exatamente como Lüdtke aponta: a Associated Press manda uma notícia do Twitter para o Facebook, sem passar por suas páginas. O Estadão chama da home para o microblog, longe de seus domínios, sem pudores.

Será que começamos a entender para que serve a internet?

Quem é o quarto poder: a imprensa ou o cidadão?

Em entrevista recente à revista Época Negócios, Ruy Mesquita, que aos 85 anos segue na ativa como diretor de opinião de O Estado de S. Paulo, ressuscitou o termo “quarto poder” para se referir à imprensa e seu papel de fiscalização dos outros três, esses sim claramente constituídos.

“O chamado Quarto Poder continuará sendo necessário porque é o mais distante do universo do poder político onde estão instalados os outros três e o mais próximo da cidadania”, afirmou. Será?

Imediatamente me recordo do sociólogo espanhol Manuel Castells e seu livro “Comunicación y Poder”, que analisa justamente as mudanças que o avanço tecnológico provocou na relação entre governos e governados. “O Estado invade a privacidade das pessoas, sempre fez isso. Se o Estado quer, o Estado nos vigia. Todos os governos do mundo fazem isso, têm condições de fazer. A novidade é que agora podemos vigiá-los”, diz.

Daí, a divagação: não seria o cidadão, agora dotado de ferramentas a que nunca antes teve acesso, o verdadeiro quarto poder do século 21? Na era da publicação pessoal, creio, a mídia formal assume o papel de concretizar, nos canais de divulgação antes restritos a ela, muito do que as pessoas estão detectando, comentando e repassando entre si?

Se não assumiu esse papel ainda (e temos vários exemplos de mídias tradicionais simplesmente cegas, surdas e mudas ao grito mais importante dos cidadãos _não ao último hype da TV que foi parar no microblog, também importante, mas bem menos indicador de relevância_, temos um grave problema a administrar.