Arquivo do mês: novembro 2010

O jornalismo chapa-branca na tomada do Alemão

Eu estou simplesmente impressionado com a cobertura, notadamente das Organizações Globo, Record e revista Veja, da ação policial que culminou com a ocupação do Complexo do Alemão, até então símbolo do narcotráfico e da ausência do Estado no Rio de Janeiro.

A Globo tem um motivo particular para tornar dela o discurso oficial e transformar os agentes que participaram da operação em heróis: foi no Alemão que um de seus profissionais, o jornalista Tim Lopes, acabou sequestrado, torturado e assassinado em 2002 quando produzia uma reportagem sobre a exploração sexual, por traficantes, de meninas do morro.

Mais de um apresentador do canal se disse “pessoalmente satisfeito” com a tomada do Alemão, citando diretamente Tim.

É, evidente, um motivo menor diante do alcance (e do simbolismo) da ação coordenada da polícia e das Forças Armadas.

Ainda assim, e mesmo com um lado “bom” tão evidente, ainda acho que jornalista não deve torcer.

Essa atitude, aliás, explica porque hoje vemos tanta gente a favor de que a polícia simplesmente chegue atirando e matando pessoas.

A obsessão pelo clique

A campanha interativa que o Santander acaba de estrear na internet contém um vício que se estende a boa parte das empresas/pessoas que usam a web para se comunicar com um público específico: a obsessão pelo clique. Falo “clique” no sentido físico, o de apertar botões.

Capitaneada por Marcelo Tas, que já deu uma contribuição importante ao jornalismo com reportagens experimentais nos anos 80 (um dia falo mais sobre isso), a ação do banco está baseada numa área de vídeo em que uma série de atalhos surgem pedindo para serem clicados.

O próprio apresentador, e o material promocional, repetem a palavra “clique” com frequência.

Não são só Santander e Tas: o entendimento brasileiro sobre interação ainda está relacionado à quantidade de vezes que o usuário aperta algum botão de mouse ou teclado.

“Claro”, diria você, “a web está estruturada num ambiente que exige o clique”. É uma meia verdade.

Inevitável lembrar do projeto Don’t Click, que além de ter como objetivo mapear essa obessão humana, mostra, com um design arejado, como tornar a navegação menos penosa e bem mais suave.

Não custa pensarmos em opções de navegação (o Ajax, por exemplo, já deu uma contribuição tremenda ao promover a atualização de conteúdo sem demanda, ou seja, automatizada) que ajudem a gente a nos livrar dessa amarra.

Não será por isso que a “websérie”, como o Santander intitula a campanha, fracassará. Pelo contrário, é uma iniciativa a se observar.

Leituras de domingo

Já conhece a Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo?

Fica a dica, muito material pertinente.

Bom domingo.

Ainda sobre a pobreza da participação do público no jornalismo formal

Cresce a manifestação da imprensa formal sobre a participação do público no noticiário, notadamente por meio de comentários (como observei outro dia).

E vai se estabelecendo o consenso de que ela (a participação do público) é muito ruim.

Agora foi a vez do decano Clóvis Rossi, repórter especial e colunista da Folha de S.Paulo, se referir ao “lado lixo da internet” em coluna publicada esta semana pela versão on-line do jornal.

A grande questão dos comentários é que eles não servem para absolutamente nada se não forem lidos e triados pela redação.

A opinião dos leitores não deveria apenas ajudar a melhorar as notícias escritas por profissionais, mas também trazer informações importantes sobre seus anseios e avaliação do material que o próprio veículo publica.

Para isso, seria necessário um pelotão. Só a Folha recebe 150 mil comentários mensais, número que saltou para 400 mil no período eleitoral.

É impossível e, na maioria dos casos, inútil tentar estabelecer qualquer diálogo.

Infelizmente.

Publicidade on-line discute novo tripé para o futuro

A publicidade (e especificamente aquela que se faz on-line) tem prestado atenção no tripé novos mercados, novos meios e novo cliente. É bem por aí a grande mudança _na qual, aliás, o Brasil ocupa espaço privilegiado.

O assunto foi tema de um debate na Espanha, e a conclusão clara a que se chegou é que as redes sociais (com o Facebook na linha de frente) são o melhor lugar para se conhecer os anseios dessa nova clientela.

Diários Secretos: uma saudação ao bom jornalismo convergente

Imperdoável não falar do Grande Prêmio da 55ª edição do Esso, lauréu que os jornalistas mais dão valor, merecidamente conquistado pelos colegas Katia Brembatti, Karlos Kohlbach, James Alberti e Gabriel Tabatcheik, da Gazeta do Povo, de Curitiba.

Por dois anos, e fora da pauta (ou seja, cuidando apenas disso), eles vasculharam o diário oficial da Assembleia do Paraná (um calhamaço de 724 volumes publicados entre 1998 e 2009), até então mantidos em sigilo _ainda há, registre-se, atos secretos que nem a reportagem conseguiu desvendar.

O trabalho, batizado de Diários Secretos, não só revelou um esquema de contratação de funcionários-fantasma e desvio de dinheiro estimado em R$ 100 milhões como foi o estopim de um movimento da sociedade civil, O Paraná que Queremos, que mobilizou milhares de pessoas em junho deste ano em 13 manifestações públicas nas principais cidades do Estado.

Não é só isso: além de o conteúdo dos diários estar disponível para consulta pública, o leitor pôde (ainda pode, na realidade) ajudar os repórteres dando pistas sobre o que sabiam.

Ótima convergência entre jornalismo em papel e a plataforma on-line, com pitada de crowdsourcing. Tudo bem moderno, e ao mesmo tempo, absolutamente antigo: jornalismo, hoje, se faz assim.

Uma nova geração de jornalistas

Lewis Dvorkin é um jornalista veterano com passagens, entre outras, pelas redações de NYT, Newsweek, AOL, The Wall Street Journal. Atualmente, ele chefia a produção on-line da Forbes.

Bem por isso suas palavras têm mais peso.

Ele disse fazer parte de uma nova geração de jornalistas, aqueles que criam e planejam conteúdo na era da internet.

Não é pouco, para quem conheceu o jornalismo antes da revolução tecnológica, admitir que prática e abordagem na profissão mudaram. É uma discussão que vamos manter bastante em 2011.

A confiança da imprensa formal em xeque

O que pode acontecer quando perdemos a confiança na mediação histórica da imprensa?

Muniz Sodré explica num texto bem bacana.

Documentário disseca vida de jornalista-guerrilheiro

Acaba de estrear um documentário sobre Jorge Ricardo Masetti, jornalista argentino que, em viagem a Cuba em plena revolução, decidiu abraçar a causa e, anos depois, voltou ao país a convite de Che Guevara para criar uma agência de notícias, a Prensa Latina _ainda ativa.

Muita história para contar, mas uma observação: Che sabia mesmo das coisas. Ao assumir o poder, tinha clara noção de que era necessário produzir noticiário que valorizasse os atos do novo governo. Gênio.

‘A internet é o penico do mundo’

Ao responder esta semana a comentários de seus espectadores num programa ao vivo, José Trajano, diretor de jornalismo dos canais ESPN (um dos primeiros veículos a entender e abraçar a necessidade do diálogo com o público), reclamou da intolerância diante do contraditório.

“As pessoas não sabem mais conviver com a opinião contrária”, afirmou.

Trajano (íntegro e relevante em nossa profissão, registre-se) falava de futebol, ambiente apaixonado que o remeteu à  campanha eleitoral recém encerrada, para ele “aquela guerra na internet, acusações desenfreadas”.

Concordo, mas o problema é anterior à vida em rede. Pessoas são precipitadas, não analisam o conjunto do discurso e, abrigadas numa trincheira tecnológica qualquer, se tornam ainda mais destemidas.

Há um desequilíbrio no diálogo público em que estamos metidos.

No mesmo programa Trajano também disse que “a internet é o penico do mundo”, como antes fizeram Fausto Silva e muitos outros colegas _a opinião é recorrente no meio, e quero deixar claro que a subscrevo.

Os jornalistas ainda achamos que a participação dos consumidores de notícias também precisa melhorar.