Arquivo do mês: janeiro 2009

Depois dos amadores, Andrew Keen investe contra o Google

Andrew Keen, uma das poucas vozes contrárias à colaboração, à inteligência coletiva e à livre troca de arquivos na Web, deu uma pista sobre seu novo livro.

O primeiro, “The Cult of the Amateur“, se transformou num clássico da contracorrente (e também do mau humor), criticado até as últimas consequências pelos entusiastas do livre conhecimento.

Agora, se levar adiante o que propôs (que pode, logicamente, ser uma grande brincadeira ou jamais vingar), Keen vai tocar numa ferida tão grande quanto: depois da produção da Internet, seu maior expoente, o Google.

Sua tese é “quanto mais o Google mata a indústria editorial tradicional com o conteúdo gratuito que vem de sua máquina de busca, mais livros serão escritos sobre o papel central do Google em nossa nova economia digital”.

Diz ele que ideia surgir após dois recentes lançamentos que têm o gigante da Web como protagonista. “What Would Google Do?“, de Jeff Jarvis, considera a empresa a única que mostrou competência para sobreviver na era digital _e tenta transportar seu modelo de negócios para todas as atividades profissionais.´

Elsewhere USA“, de Dalton Conley, mostra uma imagem quase religiosa do Google, um lugar onde os funcionários “comem, dormem, se socializam e se divertem”.

Agora, diz Keen, só falta achar um editor que o pague para escrever um obituário de 65 mil caracteres sobre o próprio negócio deles…

Navegando pelos primórdios dos blogs

Scripting News, um dos blogs mais antigos de que se tem noticia, e sua aparência em 1997

Scripting News, um dos blogs mais antigos de que se tem notícia, e sua aparência em 1997

Hoje resolvi fazer a lição de casa e, finalmente, visitei (graças à máquina do tempo da Web) dois dos blogs mais antigos do mundo.

Consta nos autos que Dave Winer e Jorn Barger começaram a blogar em 1997, com diferença de meses. Há relatos de blogueiros ainda mais antigos (como Justin Hall, que foi visto na rede fazendo algo parecido ao ato de colecionar links legais a partir de 1994).

Outra coincidência entre eles é que todos eram, em todas as acepções da palavra, geeks (que no meu tempo eram chamados de nerds, tanto faz). Trabalhavam com programação de computadores e desenvolvimento de softwares. Barger teria sido, ainda, o criador do termo weblog, cuja corruptela se transformaria numa coqueluche a ponto de ser totalmente deturpada _ainda que haja quem, com propriedade, desconstrua as pistas básicas sobre como identificar a plataforma.

Ainda que nossa viagem no tempo favoreça Barger _a impressão mais longínqua de sua página é de 1999, dois anos à frente da de Winer_, nota-se claramente que ambos faziam a mesma coisa: vasculhavam a Internet e publicavam os links que consideravam mais interessantes.

A veia noticiosa do Robot Wisdom (tocado por Barger) se explica: 1999 marcou o auge dos newsjunkies e do consumo por esse tipo de produto. Não por acaso 2000 foi o ano mais auspicioso a história da rede, com a criação em série de portais e produtos, vários deles com ênfase no noticiário do dia-a-dia. Essa fase terminou em tragédia.

Já o Scripting News original, de Winer, era naturalmente focado em tecnologia (característica que resiste até hoje num número expressivo de páginas pessoais).

Entretanto, os dois mostram conhecimento sobre usabilidade e design. Descontados os anos, já eram modernos o minimalismo (expresso no fundo branco, uma contraposição ao carnaval de cores e gifs que dominava a Internet daquela época) e a disposição dos hiperlinks _note quantos, o que envergonharia os blogueiros de meia pataca de hoje que fazem, na verdade, colunas impressas em versão eletrônica.

É engraçado se referir a todas estas coisas tão recentes como “antigas”, mas o timing on-line é assim, inclemente.

Minha inspiração veio da leitura de Blogs.com, uma compilação indispensável para entender do que é que aqueles caras estavam falando há 15 anos.

A divergência de mídias venceu?

Em tempos de convergência, surpreende a decisão do diário gratuito espanhol 20 Minutos, que decidiu separar suas redações on-line e papel após dois anos de experiência conjunta.

Joan Domene, diretor do jornal, admitiu que usou a fórmula para bombar o site do diário, que está entre os mais lidos e de maior circulação na Espanha. “Tínhamos um site modesto e um jornal em papel potente”, afirmou.

Na verdade, Domene tem mais com o que se preocupar: os gratuitos, cujo modelo de negócios ainda é uma incógnita apesar da inegável receptividade do leitor _basta dizer que, por causa deles, a circulação global de jornais em 2007 cresceu quase 5%_, foram atingidos em cheio pela crise econômica mundial.

Tanto que o Metro, um dos mais bem-sucedidos projetos na área dos gratuitos, anunciou hoje que encerrou suas operações na Espanha.

O problema a superar agora nem diz respeito à convergência, mas à sobrevivência.

Via @tarushijio  e Blog do Gjol.

Ser jornalista hoje

Perguntinhas básicas e respostas idem de uma minipesquisa que acabo de participar, solicitado por uma universidade de São Paulo. Para diálogo e reflexão.

O que é ser jornalista hoje?
Ser jornalista hoje é participar de uma conversação com o público, antigamente apenas leitor, agora coparticipante efetivo de práticas antes restritas apenas ao jornalista profissional, como a apuração/difusão de notícias. É estar preparado para um contato direto e imediato com o receptor de seu trabalho, disposto a receber reparos, correções e, especialmente, sugestões de boas pautas e de assuntos que palpitam nas conversações mediadas por computador. É monitorar a rede em busca de boas histórias e de assuntos que possam complementar as características básicas da profissão, que não se perderam, como o fator observação, o contar boas historias.

Qual é a função do jornalista?
Diante do caos informativo e do excesso de opções, é filtrar, editar e hierarquizar o noticiário, apresentando ao público uma sequência lógica dos acontecimentos. É, também, priorizar a análise e a contextualização dos fatos (isso inclui pensar o jornalismo como um conjunto de processos que hoje englobam vídeos, áudios, artes em flash, galerias de fotos etc).

Qual é a missão do jornalista?
Dialogar com seu público. Estabelecer comunidades virtuais em torno de temas de seu interesse, usar todas as ferramentas interativas disponíveis são um bom caminho para obter sucesso nesta conversação.

Qual perfil deve ter um jornalista?
Uma pessoa multitarefa, presente em todas as instâncias da Web, com noções claras sobre as potencialidades da Internet e de que forma elas podem complementar o seu trabalho no dia-a-dia.

Breaking News On: do microblog para o mundo

Nascido no Twitter, o site de microblog com mais usuários no mundo, o Breaking News On é ao mesmo tempo uma grande experiência de jornalismo financiado e a demonstração de que é possível criar produtos produtos jornalísticos originais mesmo dentro da severa forma de 140 caracteres que a plataforma obriga.

O serviço, fundado em maio de 2007 e que possui hoje mais de 22 mil “assinantes”, é mantido por seu próprio público, por meio de doações. Mas agora quer alçar voo na Web com o lançamento de um site que mantenha a vocação que o tornou famoso _distribuir notícias o quanto antes.

O sucesso do BNO consiste em monitorar, 24 horas por dia e sete dias por semana, listas de notícias de agências, jornais e blogs. Mais: perscrutar, por meio de buscas com palavras-chave específicas, o que as pessoas estão falando em sites de postagem instantânea como, justamente, o Twitter, ou em redes sociais.

Foi assim que o canal “furou” o corpo de bombeiros de Nova York ao checar um choque entre dois ônibus no Bronx e, durante a ligação (na qual o atendente dizia desconhecer qualquer colisão), escutar sirenes e um aviso que naquele momento tinham acabado de receber um chamado sobre a batida.

O uso das postagens públicas é um ingrediente importante do BNO (foi assim também nos atentados terroristas de Mumbai). Ir ao encontro do jornalismo cidadão, esse fenômeno ainda não compreendido pelas grandes redações, não é exatamente norma hoje em dia. Mas o serviço mostrou que, em boa medida, essa colaboração pro-am está no cerne de um presente/futuro crível e auspicioso para o jornalismo e seus antigos usuários, agora coparticipantes.

O avanço do BNO ao negócio site expõe outro aspecto inegável do microblog: sua incapacidade atual de monetização. É pensando nisso, também, que a empresa (de origem holandesa e que conta com alguns editores/selecionadores espalhados por EUA e Europa, além de turbinados feeds, claro) dá o passo adiante.

Promete, porém, continuar fiel ao público que a notabilizou e, em muitos casos, bancou sua existência até agora. Como? Permanecendo prestando serviço gratuito no Twitter.

ATUALIZAÇÃO:  Michael van Poppel, criador do BNO News, se comunica comigo por e-mail solicitando uma correção: seu serviço noticioso no Twitter não utiliza atualizações dos usuários, a não ser que seja contatado diretamente e, mesmo assim, apenas depois de checada a informação.

Conversa nos tempos do microblog

Vejam o nível de conversação que o microblog, caótico por natureza, está produzindo diante de nossos olhos.

Esse caos sobre o que trata a conversa evidencia a importância que hierarquização, filtragem e edição de conteúdo terão para as pessoas _inclusive a ex-audiência_ poderem se compreender e sobreviver nessa “selva”.

Ao contrário do que se imagina, o exercício da profissão de jornalista tem um futuro belíssimo pela frente.

Uma coisa é difundir uma informação, e só. A outra, contextualizá-la e analisá-la.

Para mais informações sobre o tema, procure a hashtag #journchatbr.

A ignorância sobre o que é a Internet

A ignorância sobre as potencialidades da Web _e, mais do que isso, sobre sua própria cultura e liturgia específicos_ não tem limite.

Nos Estados Unidos, como bem observou António Granado, o Boston Globe está sendo processado porque, meu deus, está linkando matérias hiperlocais de sites da Gatehouse Media, que por causa disso foi aos tribunais.

A reportagem do Read Write Web sobre o assunto está bem completa e ainda coloca o professor da Universidade de Nova York Jeff Jarvis no meio da discussão.

Ora, há tempo temos brigado contra essa coisa anacrônica de não levar o usuário a outros sites. Os portais, especialmente, têm medo de que o cliente saia e jamais volte, sendo que é exatamente este tipo de serviço (de encontrar coisas bacanas e direcioná-lo) um dos motivos que o fazem retornar várias vezes ao dia.

Como disse Jarvis, a Gatehouse Media deveria estar agradecendo ao Globe (de propriedade do New York Times), e não o processando. Certamente seus sites estão recebendo mais tráfego porque tiveram matérias indicada pelo jornalão.

E é assim que deve funcionar na Internet, mesmo que eu tenha de apontar para o site do meu concorrente. Sim, é verdade. Se você acha muito estranho, então prepare-se para isso. Já está chegando o tempo que será absolutamente impossível fazer jornalismo na rede sem linkagem externa.

Scott Karp costuma escrever com muita propriedade sobre o tema.

Quem não tem link é papel.

ATUALIZAÇÃO: Epic fail. Um post que discorria sobre as benesses da linkagem no jornalismo foi ao ar sem nenhum link (sendo que eles foram postos, via dispositivo móvel). Só agora, 13 horas depois, percebo o fracasso. Lamentável. E desculpas a todos.

Leitura de final de semana

Não passou batido, mas esqueci de comentar aqui o lançamento do livro (disponibilizado apenas on-line) Blogs.com, organizado por Raquel Recuero, Adriana Amaral e Sandra Montardo.

Recém imprimi, então as impressões ficam para depois.

Só uma, que dá para dizer de cara: sinto falta da versão em livro. A Web é muito legal, mas há coisas que merecem uma encadernação para serem consultadas a posteriori _e, porque não, off-line.

Governo da França tira 600 milhões de euros do bolso para salvar jornais impressos

O presidente da França, Nicolas Sarkozy, anunciou hoje um pacote que prevê a liberação de 600 milhões de euros (quase R$ 2 bilhões), durante três anos, para salvar a imprensa do país _notadamente a impressa, que possui uma dívida conjunta hoje incalculável.

Na Inglaterra, o governo também já estuda uma forma de salvar a imprensa regional da desaparição.

A ideia francesa é reduzir entre 30% e 40% os custos de impressão dos veículos (a dobradinha impressão/logística responde hoje por quase 50% dos gastos de um jornal impresso).

Entre as medidas estão o adiamento do aumento das tarifas postais (o Estado pagará a conta) e também menos encargos trabalhistas sobre os salários.

O dinheiro (220 milhões de euros por ano) servirá basicamente para a modernização das gráficas.

Primeiro, parece anacrônico para mim investir em gráficas. Há outras demandas mais preementes no processo jornalístico. Aliás, jornais como Guardian e New York Times já tinham até anunciado que não comprarão mais rotativas.

Outra coisa: Sarkozy já mostrou, no ano passado, que desconhece os rumos do jornalismo na era da publicação pessoal. “A gratuidade é a morte da imprensa”, disse ele, acrescentando que aposta no jornalismo pago por acreditar no valor da informação “checada, analisada e hierarquizada”.

Enquanto isso, na Web, o valor-notícia despenca e, ao mesmo tempo, nas ruas, os diários distribuídos de graça são uma realidade metropolitana.

ATUALIZAÇÃO: Talvez o detalhe mais bacana e diferente das medidas de Sarkozy é o governo francês pagar assinaturas de jornais para os jovens ao completarem 18 anos.

As fotos certas na ordem certa

Já me perguntaram algumas vezes o que é mais difícil, editar um bom texto (e seu conjunto, incluindo o título) ou escolher uma boa foto. Minha resposta padrão costuma ser “editar um bom texto vendido com um ótimo título e aliado a uma boa foto”.

Os jornalistas que trabalham no fechamento sabem bem do que estou falando. Os prazos para a conclusão das edições, cada vez menores, não dão muita chance para diagramar as páginas com as fotos já na mão _compatíveis, portanto, com a mensagem noticiosa e, melhor, passíveis de serem trabalhadas de forma harmoniosa na composição do design.

Nas editorias de esportes, em que se fecha via de regra 15 minutos após o encerramento das partidas, a escolha de fotos é quase aleatória. Entra a que couber no corte (às vezes entram mesmo as que não cabem) por um imposição insolúvel da etapa industrial (impressão + distribuição) que ainda fazem do jornal em papel o mais lento e atrasado produto de mídia.

Quando se consegue a combinação perfeita entre o que se diz no texto e o que se vê na imagem, sua tarefa de editor foi bem-sucedida. É o que aconteceu na edição de anteontem do espanhol El Periodico.

Há, claro, um truque genial de edição: na capa, um Obama que entra. Na contracapa, um Bush que sai. Ambas as imagens acompanhadas de um minieditorial sobre o governo que começa e o que terminou.

uma aula de edição

Contracapa e capa do espanhol El Periodico: uma aula de edição

Nada como ter agilidade e, também, tempo para refletir melhor sobre o que mostrar ao público, e de que forma. Ainda é uma vantagem de jornalismo impresso sobre qualquer outro.