Arquivo do mês: dezembro 2018

A mudança é para nós mesmos

Por que ano após ano aguardamos um momento específico para diagnosticar e propor mudanças que muitas vezes terão forte impacto em nossa vida pessoal e profissional? Por que não mudar constantemente em vez de esperar o estourar de champanhes – será que é porque ele parece nos fazer acordar de nossa letargia?

Do alto de 49 anos novos bem vividos posso lhe garantir que amanhã será exatamente igual a hoje se você não tomar providências. A troca do calendário, portanto, não pode fazer nem fará nada por você. Tudo continuará como sempre foi depois de você vestir branco, pular sete ondas e beber como se não houvesse amanhã.

Simbolismos são importantes, mas não promovem transformações. Pelo contrário, muitas vezes se constituem em amarras porque adoramos símbolos – e anunciar mudanças em meio a eles ajuda a conferir credibilidade às decisões. Está aí um dos grandes problemas desse modelo: as mudanças são para nós mesmos, não para os outros. Não precisam de discurso ou anúncio oficial, mas de ação.

Uma boa resolução de Ano Novo para 2019 é não ter mais resoluções de Ano Novo, mas resoluções contínuas para a vida cotidiana. Se um processo não está legal no trabalho, porque não meter o dedo na ferida e tentar resolvê-lo? Se um hábito pessoal te incomoda, que mal há em se mobilizar o quanto antes para mitigá-lo?

Cheguei até aqui também graças a uma série de reinvenções – por sinal, 2018 assistiu a mais um par delas sem que pra isso precisasse tocar a musiquinha de “hoje é um novo tempo” na TV.

Mas não, adoramos símbolos, e o da mudança de calendário tem um força tá grande que é capaz de adiar transformações importantes até a Corrida de São Silvestre e a contagem regressiva. Pior, transmite a sensação de mudança ainda que nada mude.

Você não precisa de um Réveillon para tomar decisões, e isso é um alívio: temos todo o ano para rever caminhos e propor novas abordagens. Mas se a gente não mudar, de pouco importa o calendário fazê-lo.

Precisamos falar de propósito

Pra minha geração propósito profissional certamente passava pela construção de uma carreira longa e estável (no setor privado ou público) com o objetivo de deixar o quanto antes a casa dos pais e acumular riqueza para garantir o futuro – por futuro leia-se uma combinação dos termos “poupança”, “fundo de garantia” e “casa própria”.

Isso certamente significava concordar com uma série de códigos que, vistos pela perspectiva de hoje, seriam gatilhos fáceis de evasão no mundo corporativo. Hoje as pessoas falam não e recusam imposições no ambiente de trabalho com muito mais facilidade do que fazíamos – e você não sabe como fico feliz com isso.

É preciso contextualizar: sou de 1969, nascido dois dias após a internet – a primeira conexão entre computadores, lado a lado, é de 29 de outubro daquele ano. Fora o telefone, os únicos comunicadores a distância que conhecia ao iniciar minha aventura no mundo do trabalho eram as ondas curtas (a internet do meu tempo) e o walkietalkie (esse com um alcance bem limitado, a metros).

Compreensível, portanto, o zelo do patronato da época com o presenteísmo, aquele fenômeno que exige sua presença física ainda que as tarefas possam ser desenvolvidas com mais eficiência em outras circunstâncias – nunca é demais lembrar da cultura da interrupção e seu efeito devastador para a produtividade humana.

Mas não é só isso. Propósito profissional, diferentemente do entendimento de quando tive de construir essa estrada, agora está diretamente associado ao propósito pessoal. Essa foi a principal transformação. Houve atalhos, é verdade – agradeça à globalização, que diminuiu as distâncias do mundo e nos deu acesso a oportunidades de migração e empregos locais antes inimagináveis.

Para contextualizar de novo, ir para o exterior não era uma opção – ou melhor, era, mas só pra gente muito abastada. Ou então pros meus colegas religiosos do Batista Brasileiro, fundado por americanos e com ligações muito fortes com aquele país. Eu não era batista e sei como temporadas fora do Brasil transformaram culturalmente esses colegas.

Com nobres exceções, minha geração também não entendia muito bem o conceito de doação. Principalmente a de tempo, hoje uma das moedas mais importantes para as corporações quando estão recrutando profissionais. Doar era um ato, não uma atitude. E ainda por cima reservado a missionários.

Do ponto de vista de RH, não havia outra via possível: éramos todos tratados de forma homogênea, sem personalidade. Demonstrar a personalidade era um incômodo, queria-se gerenciar iguais. E aceitávamos bovinamente. Desculpe, não fiz por mal.

O conceito atual de propósito permite fazer uma provocação que, na minha máquina do tempo, não faria qualquer sentido: ganhar mais significa ter mais dinheiro no bolso?

Propósito não é sobre dinheiro. É sobre você.

A democracia dos stickers

A comunicação digital é tão dinâmica que nem bem saímos das fraldas dos emojis e já somos atropelados pelos stickers, a última palavra em interação visual dentro de plataformas fechadas de mensagens eletrônicas – que, em bom português, significa WhatsApp.

Assim como o emoji, não é demais imaginar que a cultura do sticker – recurso liberado pela ferramenta em princípios de novembro e que já se transformou numa epidemia entre seus usários – transborde para todas as outras instâncias de comunicação digital.

O passo seguinte, é claro, é sua adoção pelo mundo off-line, aquele em que as “velhas mídias” emulam suas parentes mais descoladas e recorrem a seus recursos em anúncios de revista ou TV, por exemplo.

Mais do que a surpreendentemente veloz adoção, os stickers têm um caráter democrático que o emoji não foi capaz de trazer. Afinal de contas, há um longo processo para a aprovação e disponibilização de um emoji que passa principalmente pela avaliação de uma terceira parte.

O sticker, por outro lado, já nasceu com o DNA do DYU (faça você mesmo). Estão pipocando soluções para sua personalização, o que jogou muito a favor dessa popularização em tão pouco tempo. Não há dúvida de que hoje já se constituem em peças indispensáveis a um bom enxoval de comunicação.

Até a próxima novidade…

A privacidade vai sair do armário

Faço parte do grupo (ainda) restrito de pessoas que creem no retorno da privacidade à moda. Não estamos falando aqui, é claro, dos padrões que nós os quarentões estávamos acostumados antes da explosão da tecnologia.

Há um aspecto irreversível dessa revolução, que é a coleta de nossas informações, o tempo todo e em todos os dispositivos, que em boa medida ainda é a moeda de troca para uma série serviços digitais que pagamos assim, oferecendo dados.

Isso, para o bem e para o mal, não só irá continuar como incrementar. Não tem pra onde fugir: sua TV, seu celular e outros equipamentos domésticos ou públicos (como seu fogão ou o painel de voos do aeroporto) irão te espionar por toda a eternidade tentando decifrar padrões de comportamento (a famosa jornada do consumidor) que signifiquem, posteriormente, oportunidades de negócios e de relacionamento para marcas e pessoas.

Não tenho dúvida, porém, de que a era da superexposição – o turning point que, em algum momento no princípio dos anos 2000 transformou a internet de uma plataforma anônima para outra em que nome e sobrenome passaram a ser obrigatórios – está com os dias contados. Em outras palavras, sair por aí exibindo-se em redes sociais será considerado cafona e pretensioso. Aposto com você.

Por isso falei sobre a privacidade voltar à moda. O termo é exatamente esse: algo que ficou pra trás mas, nada como o tempo, renasce não das cinzas, mas do bolor. A própria moda tem inúmeros exemplos dessa eterna reinvenção de “grandes” novidades. A tecnologia também possui, em menor escala, indicações de que alguns caminhos têm volta – a predileção pelo uso do WhatsApp, uma rede fechada, por exemplo, sinaliza na direção da busca por ambientes menos vigiados.

A questão sobre ausência de privacidade que mais me atormenta em nosso tempo é a qualidade que temos de, voluntariamente, fornecer uma série de informações sem que elas tenham sido solicitadas. Do lugar onde estamos almoçando ao destino de férias, esses dados podem ser tão os mais nocivos quanto os furtos em massa de dados a que todas as semanas tomamos conhecimento.

A privacidade, tenha certeza, vai sair do armário e voltar pras ruas. Essa não é uma tendência para 2019, mas fique de olho.