Arquivo do mês: junho 2008

Automações que envergonham o jornalismo

A automação de vários procedimentos, mesmo no jornalismo, é muitíssimo bem-vinda no ambiente on-line. Agora, a edição de notícias e produtos jornalísticos precisa, necessariamente, de seres humanos para não se transformar numa catástrofe.

Vejamos o caso do canal de notícias da American Family Association, uma espécie de TFP deles. Cheio de filtros que substituem automaticamente palavras, trocou o nome do velocista norte-americano Tyson Gay para Tyson “Homossexual”.

O atleta está provocando furor nas seletivas dos EUA para a Olimpíada de Pequim ao correr os 100 m em 9s68, melhor marca de todos os tempos, não homologada depois que se constatou que a velocidade do vento era superior à permitida.

Por aqui, basta olharmos a capa do Google Notícias, onde gente não mete a mão, para capturar vários absurdos de edição _como a presença em destaque, na home page, de um texto sobre a política externa da China absolutamente inchamável em quaisquer circunstâncias.

O jornalismo exige tutano. Mecanismos que funcionam em outras áreas, certamente, não funcionam com a gente, não. E, pior, nos expõem ao ridículo.

Há 50 anos somos campeões

Dia de curtir a cria: o especial “Há 50 anos somos campeões” (para assinantes UOL ou Folha), sobre a conquista brasileira na Copa do Mundo da Suécia, em 58.

E a reportagem que envolveu pesquisa e muito tempo: “O herói mora ao lado” (leia na íntegra), sobre o contador uruguaio Lorenzo J. Vilizio. Ele trabalhou na comissão organizadora daquele mundial e evitou que o time brasileiro fosse desclassificado ao numerar, aleatoriamente, nossos jogadores. Sem querer, ele “inventou” a camisa 10 de Pelé…

Ah, dá para ouvir na Folha Online trechos das divertidas marchinhas do disco “Brasil Campeão do Mundo”, lançado no país no dia seguinte ao título. Outro saboroso detalhe multimídia: a rede pública de TV sueca SVT disponibilizou, teoricamente na íntegra, sua transmissão daquela partida, com narração e comentários no idioma original. 

Bom domingo.

Ao vencedor, a credencial

Uma das poucas barreiras que ainda separam o jornalista cidadão (portanto, amador) do profissional do mainstream é a legitimação, o direito de, por exemplo, ter acesso aos jogadores após uma partida de futebol ou ficar próximo ao governador num ato público.

Pois o MySpace (rede social on-line vice-líder em usuários no mundo) organiza um concurso cujo prêmio é uma credencial para cobrir as convenções dos partidos Democrata (entre 25 e 28 de agosto) e Republicano (de 1º a 4 de setembro) que oficializarão as candidaturas de John McCain e Barack Obama à presidência dos Estados Unidos.

Inscrições terminam em julho.

Jornal bom é jornal na banca

Dois meses de muitos ácaros, bolor e poeira depois, finalmente vai às bancas domingo, na Folha de S.Paulo, o caderno especial “Há 50 anos somos campeões”, que tive o prazer de planejar, coordenar, pautar, pesquisar, escrever e até mesmo matar a saudade dos tempos de repórter.

Foi um trabalho de fôlego também dos colegas Rodrigo Bueno e Toni Assis que, tenho certeza, atingiu todos os objetivos: sair do óbvio e descobrir histórias escondidas na inesquecível conquista da Copa do Mundo da Suécia, a primeira da seleção brasileira.

A logística do produto envolveu horas enfiado nos arquivos de Folha, A Gazeta Esportiva e El Pais (48 horas, ou dois dias, para ser mais preciso) e outras tantas lendo conteúdo de outros jornais em CDs. Fora viagens a Suécia, Uruguai e cidades brasileiras. Mais dezenas de entrevistas.

Outro mérito do caderno: descobrimos que existiam íntegras em vídeo de dois jogos daquela seleção (a semifinal, contra a França, e a final, diante da Suécia). As fitas foram analisadas pelo Datafolha, que tradicionalmente faz os scouts de jogos de futebol, e também por Tostão, colunista do jornal e que escreveu um texto tocante.

Daí você me pergunta: e o que o estádio Centenário (foto acima) tem a ver com a Copa do Mundo de 1958? Surpresa…

Estamos todos deprimidos

Nós, jornalistas, estamos todos chocados. Deprimidos, para dizer a verdade.

Nem tanto com o passaralho no Grupo Estado, que, fantasiado de PDV (Plano de Demissão Voluntária), ceifou vagas dos colegas com pelo menos 15 anos de serviços prestados àquela empresa.

Bem mais com os rumores, aparentemente verdadeiros, da venda de toda a empresa às Organizações Globo. Uma catástrofe.

A notícia mais atual dá conta de uma reunião de acionistas, com a presença de Ricardo Gandour, diretor de Redação do jornal, em que reiteradas vezes teria sido negada qualquer negociação. Tomara.

Por ora, só o colunista Giba Um cravou a transação (momento nostalgia: convivi com ele entre 1990 e 1992, na redação da “Folha da Tarde”, atual “Agora SP” _figuraça, tinha até uma espécie de mordomo à disposição).

O Estadão é mais do que um patrimônio do jornalismo brasileiro, faz parte da história do próprio país. Só o fato de se cogitar sua venda já nos deixa, a todos os jornalistas, consternados.

Que esse estranho negócio não prospere.

O Correio do Estudante está no ar!

Quase um ano depois de produzido, e por iniciativa de um aluno, está disponível on-line o “Correio do Estudante“, jornal-laboratório produzido pelos alunos do Unifai.

Antes tarde do que nunca.

Idéias tão simples que parecem geniais

Na Internet, idéias bastante simples costumam dar ótimos resultados.

Vejam o exemplo do fotolog “The Big Picture“, tocado por um webmaster do “Boston Globe“, um dos primeiros jornais do mundo a ter uma versão eletrônica (acima, uma imagem do planeta Marte que o cara inseriu).

O que ele (Alan Taylor) fez foi nada mais nada menos que mesclar os recursos da boa e velha galeria de fotos, presente em qualquer portal noticioso que se preze, com a praticidade do fotolog.

Sua iniciativa está sendo saudada como uma “grande idéia”, especialmente por ter vindo de alguém que não é jornalista, mas que se preocupou com o noticiário ao sugerir alguma novidade para seu veículo.

O Knight Center amplia a discussão e pergunta: como atrair bons “programadores” para o jornalismo, sendo o salário pago na redação é pífio perto das ofertas que estes profissionais encontram, por exemplo, em empresas de tecnologia?

Eu, mais modesto, questiono a falta que boas idéias fazem ao exercício da profissão. Tanto é assim que Taylor, por mais mérito que tenha, não criou nada. E já foi saudado como uma grande cabeça pensante do jornalismo on-line.

Iniciativa é, de fato, tudo.

O jornalista acusado de cobrir os próprios crimes está morto

Estou desatualizadíssimo: Vlado Taneski, o jornalista acusado de matar três mulheres (suas reportagens sobre os casos tinham tantos detalhes que chamaram a atenção da polícia da Macedônia), morreu na cadeia. Aparentemente, dizem os policiais, foi suicídio.

Com ele, morre também a principal reportagem sobre o caso.

O jornalista-assassino

Sensacional: a polícia da Macedônia prendeu um jornalista sob a acusação de ter assassinado três mulheres.

A pista: suas reportagens sobre os crimes incluíam detalhes que, na opinião da polícia, só mesmo o assassino poderia conhecer.

Vlado Taneski, 56 anos, trabalhava para o “Utrinski Vesnik“. Seu editor, Ljupco Popovski, se disse chocado com o andamento das investigações, lembrando que o repórter, na década de 80, conquistou diversos prêmios jornalísticos.

As mortes ocorreram em 2005, 2007 e 2008. Todas as vítimas foram encontradas estranguladas, nuas e amarradas com fios telefônicos.

Como disse a Ana Estela, por favor, não use esse método de apuração.

O jornalista pode, o cidadão não

O jornalista segue com aquele problema congênito em aceitar que outras pessoas (no caso, o cidadão comum) façam o seu trabalho. Ainda mais quando a “plebe” recorre a artifícios que só nós, jornalistas espertos, podemos usá-los.

Se você não entendeu, escute: hoje qualquer um pode ser jornalista, perdemos o monopólio sobre a filtragem do noticiário, é uma situação irreversível e, portanto, acostume-se a ela.

O ombudsman da Folha, Carlos Eduardo Lins da Silva, toca diretamente no assunto ao lembrar o caso Mayhill Fowler, uma senhora de 61 anos que, travestida de funcionária de campanha, ouviu frases sensacionais de Barack Obama a correligionários e, depois, conversou reservadamente com o presidente Bill Clinton durante um ato público de sua mulher.

Em ambos, colheu depoimentos constrangedores e que tiveram repercussão entre os eleitores (Fowler escreve para o Off the Bus, do blog Huffington Post, um dos pioneiros na adoção de trabalho de não-jornalistas). O “Off the Bus“, por sinal, tem por trás o dedo do professor Jay Rosen, que teorizou a participação da “ex-audiência” no jornalismo atual.

Pois bem: assim como o Observatório da Imprensa, Lins da Silva entende que de alguma forma Fowler avançou o sinal ao não se identificar como jornalista diante de seus “entrevistados”.

“Ela fez um serviço público? Praticou bom jornalismo? Revelou à sociedade o que os políticos realmente pensam, mas não dizem em público? Ou foi antiética, desonesta, agiu sob a lógica de fins justificando meios? Faz sentido discutir ética jornalística nesse ambiente?”, fala ele, para logo concluir: “Se todos os valores humanos estão em xeque neste ambiente de múltiplas realidades, por que os do jornalismo sobreviveriam?” _o texto abre avaliando experiências jornalísticas virtuais no Second Life.

O que eu quero saber é o seguinte: e a febre da câmera escondida em programas como “Jornal Nacional” ou “Fantástico”? Neste caso tudo bem, não há conflito moral ou ético? Não se trata da mesma coisa?

Claro que sim. Mas o jornalista profissional pode tudo, inclusive omitir sua condição. Quando alguém faz exatamente igual, aí sim _só aí_ é um problema.