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Fake news e jornalismo colaborativo

De repente, o mundo descobriu que estamos todos em perigo de extinção por causa da disseminação de notícias falsas – apenas mais um dos efeitos colaterais do avanço tecnológico e da possibilidade de qualquer pessoa ser um publicador. Nossos filhos correm sério risco de vida e a própria democracia, como a conhecemos, será destruída.

Quer dizer então que nunca houve distribuição de informações inverídicas até o advento das redes sociais?

Faz-me rir. Isso aconteceu desde sempre, dos rabiscos nas cavernas à oralidade, chegando à imprensa propriamente dita (ofício aliás criado para defender interesses muitas vezes com base em argumentos tortuosos e pouco afeitos à verdade).

Seres humanos mentem o tempo todo, distorcendo a realidade de acordo com seuus interesses. No caso específico das fake news de nosso tempo, o chequinho em dólares por clique pago pelo Google basta – mas é óbvio que a manipulação pode atender a propósitos bem menos paroquiais e patrimonialistas. Como ocorreu desde sempre.

A notabilização desse furo no modelo ‘as notícias são para todos’, que provocou furor entre acadêmicos (entre eles, esse que vos fala) e popularizou o conceito de jornalismo colaborativo que Dan Gillmor e Jay Rosen tão bem descreveram há mais de dez anos, não significa que o jornalismo das pessoas está em xeque.

As noticias falsas surgiram muito antes, no âmbito do dito jornalismo profissional. Não é preciso percorrer muitos quilômetros, aliás, para encontrar expoentes dessa vertente em qualquer canto. O tal jornalismo profissional é bonito, mas infelizmente é para poucos.

A utopia do jornalismo colaborativo não se encerra com a epidemia de falsidades distribuídas via novas plataformas. Os seres humanos continuam tendo o direito de relatar/analisar/comentar/distribuir fatos, sejam jornalistas de ofício ou não. A questão é que estes, e já faz tempo, podem ter muito mais alcance do que os players do mercado – justamente os mesmos que, em seu momento, compartilharam suas próprias inverdades.

Aí mora uma outra questão interessante deste debate. Voltarei a ela.

Jornalismo ou defesa de interesses?

Os professores Jay Rosen e Jeff Jarvis (ambos da Universidade de Nova York) estabelecem um interessante diálogo em torno da função e da prática do jornalismo. Jarvis pergunta se, no final das contas, o jornalismo não é uma forma de engajamento ou defesa de interesses – o termo usado em inglês é ‘advocacy’.

Sabemos que o jornalismo nasceu assim, partidário, e depois experimentou a transformação pela objetividade em prol da indústria da mídia. Hoje, com essa indústria em cacos, estaríamos voltando a passos largos para as origens do ofício.

A colaboração segundo Jay Rosen

Jay Rosen, professor da Universidade de Nova York, é um dos primeiros caras a terem se tocado sobre o poder da mídia das pessoas – o avanço tecnológico dando às pessoas as mesmas condições que os jornalistas têm.

Ele relembra essa trajetória (com links preciosos) desde 1999 numa conversa que teve com o povo da Quartz, que vem transitando bem nesse novo ambiente da mídia.

Hashtag e controle do público

A publicidade e o jornalismo – ambos há muito tempo – compraram completamente a linguagem da hashtag. O “jogo da velha” está em todas as partes, da coluna de jornal à campanha institucional do banco. O Facebook já trabalha para incorporá-la também.

É uma admissão irrefutável de que o avanço tecnológico mudou o eixo da produção. Por mais que queiramos, o controle não é mais nosso, mas do público (a ex-audiência).

No caso específico da hashtag e seu triunfo como elemento agregador de conversação (e de comunicação, como mostram a reverência publicitária e jornalística ao elemento), nunca é demais lembrar que ela foi criada pelos próprios usuários do Twitter, sem obedecer a comandos ou chamamentos.

Positivamente, nosso mundo mudou.

Lições de quem entende o jornalismo como um diálogo

Arianna Huffington consegue reunir algumas das coisas que eu considero mais importantes quando tratamos de internet e jornalismo.

Em 2005, misturou blog e site para criar o seu Huffington Post, usando ainda o conceito de blogueiros convidados (e, mais importante, não jornalistas).

Ela foi ainda uma das entusiastas da participação do público no relato/análise de acontecimentos, tornando um case o projeto Off the Bus, que cobriu a eleição americana com cerca de 13 mil voluntários (e a supervisão de Jay Rosen, professor da Universidade de Nova York que conhece o assunto como poucos).

Em visita ao Brasil, Arianna falou com gente de internet e, na Folha, deu entrevista e se reuniu com a Redação.

Vale a pena ler tudo isso e refletir sobre esse momento da profissão. Afinal, 2011 está logo ali.

Livro analisa mudanças que a tecnologia impôs ao jornalismo

Numa era em que o avanço tecnológico deu uma imprensa particular para cada um, é impossível falar de jornalismo on-line sem abordar a participação do público.

O fim da fronteira entre mídia formal e a ex-plateia, como muito bem teorizou Jay Rosen (professor da Universidade de Nova York), é apenas um dos aspectos que a jornalista Magaly Prado aborda no livro “Webjornalismo”, lançado nesta semana pela Editora LTC.

Apesar de muitos jornalistas não terem percebido que seu trabalho mudou com a vida em rede, é óbvio que instâncias pessoais de manifestação (como os blogs) e a capacidade de vigilância e mobilização que a internet proporcionou às pessoas tornaram o fazer jornalístico um exercício de conversação.

Vivemos a época dos “‘produsers” _o termo é uma junção de produtor e usuário e foi cunhado em 2005 por Axel Bruns, autor de uma obra importantíssima para se compreender a transformação da profissão, “Gatewatching”, jamais traduzida para o português.

Com proposta didática e voltada para a sala de aula, Magaly discorre sobre essa nova e auspiciosa fase do jornalismo profissional, agora tocado a muitas mãos.

Mas é claro que a internet, onde a colaboração entre profissionais e amadores é muito mais evidente, também abriga práticas de jornalismo, digamos, tradicionais.

Com linguagem fácil e fragmentada (às vezes, fragmentada até demais), Magaly aponta boas práticas, mostra caminhos adotados no país e no exterior e, por meio de depoimentos de importantes profissionais da web brasileira (algumas vezes sem edição e publicados na íntegra), refaz a trajetória da plataforma desde 1995, quando desembarcou comercialmente por aqui.

Com cerca de 150 imagens, quase todas impressões de tela, o livro de Magaly também discorre sobre a chegada do iPad e sua influência na produção de conteúdo.

Ainda faltam, em português, obras que consigam abarcar toda a complexidade que a rede trouxe para o jornalismo. Mais difícil ainda é resumir, em papel, as vastas possibilidades do meio on-line nesta profissão tão antiga. O livro de Magaly é, nesse aspecto, uma boa tentativa.

WEBJORNALISMO
AUTORA Magaly Prado
EDITORA LTC
QUANTO R$ 40 (272 págs.)

(resenha que publiquei na edição de sábado da Folha de S.Paulo)

Um insight sobre o Wikileaks

Jeff Jarvis, professor da Universidade de Nova York (onde estão boas cabeças a refletir sobre as mudanças introduzidas pela tecnologia no jornalismo, como Jay Rosen e Clay Shirky) tem um insight sobre o fator Wikileaks, o projeto colaborativo na internet que tem como objetivo divulgar documentos confidenciais particulamente constrangedores ao governo americano.

“Quando os governos perceberem que os agora os cidadãos podem vigiá-los melhor do que são vigiados, veremos a transparência dissuadir atores ruins e ações condenáveis”.

Há uma revolução em curso, patrocinada pela tecnologia: o acesso de pessoas comuns às armas antes reservadas aos poderosos.

Difundir informação é uma das mais devastadores para efetivamente “mudar o sistema”, como se dizia no meu tempo.

A falsa mobilização da ex-plateia

O falso anúncio dos leitores no NYT

O falso anúncio dos leitores no NYT

O engajamento da audiência (ou melhor, da ex-plateia) definitivamente mudou o fazer jornalístico. Não só mudou como, em alguns casos, o influenciou diretamente, criando ruídos contestatórios e evidenciando que seu poder não é mais o mesmo.

Só que muitas vezes essa audiência serve a interesses, inclusive de governos que, nas sombras, agem bancando seus devaneios.

A ONG “For the Next Generation” voltou a fazer barulho ontem, ao publicar no New York Times um anúncio que repara um mapa publicado pelo jornal _a questão é toda política e envolve o nome de um quase golfo entre as Coreias, China e Rússia, além do país que lhe dá o nome mais usado.

O NYT escreveu Mar do Japão, o ONG briga pelo uso de Mar do Leste. Daí a provocação.

Não foi uma novidade: em 2005, a entidade publicou anúncio semelhante no The Wall Street Journal. É seu modus operandi.

No caso mais recente, ela diz que foram 94.966 doadores que bancaram o anúncio, cujo valor não foi revelado (mas gira em torno de US$ 60 mil), quase todos coreanos.

Aqui se trata de massa de manobra, não de uma manifestação espontânea da ex-plateia. Apenas para que os registros de uma conduta induzida e politizada não sejam confundidos com a legítima participação do público no jornalismo formal.

Blogueiro pioneiro entrevista ‘biógrafo’

Dave Winer, um dos primeiros blogueiros, entrevistou (em áudio) o professor Jay Rosen, um dos caras que ajudaram a identificar essa gente (a ex-plateia), como Winer, que ajudou a enterrar o monopólio da imprensa naquela tarefinha de apurar/interpretar/difundir notícias.

Ouça.

Público se mobiliza e obriga G1 a ‘se completar’

Alvo de protesto espontâneo dos leitores, site reage e, de quebra, ainda adiciona usuários

Alvo de protesto espontâneo dos leitores, site reage e, de quebra, ainda adiciona usuários

Não deixou de ser engraçado, numa semana em que falei bastante de Jay Rosen, Clay Shirky e do poder de mobilização da ex-plateia na Web, que um movimento de usuários de um site noticioso tenha conseguido resolver um problema irritante: as notícias incompletas que o site G1 entregava, frequentemente, em seu canal de microblog.

Como um protesto bem-humorado, o #completeog1, surgido no final de fevereiro, chegou a seu ápice na tarde de ontem _quando aliás o Webmanário teve a maior audiência de sua história justamente por ter divulgado o movimento.

O que era até então um protesto silencioso se transformou, com o repasse frenético de mensagens, numa corrente que obrigou o G1 a tomar providências. Sua página no Twitter, desgovernada pelo prosaico motivo da perda de uma senha, foi enfim adequada a um padrão mínimo de qualidade _o erro, diga-se de passagem, perdurou por mais de um ano.

Precisou, porém, ocorrer uma revolução para que o descalabro fosse resolvido. E foi rápido: passaram-se apenas algumas horas entre o hype do #completeog1 e a primeira mensagem notando que algo estava diferente: sim, o G1 começava a adicionar usuários, o que nunca antes ocorrera.

Depois, mais um sintoma: mudou a url curta que acompanha os miniposts e, melhor, os erros tinham sumido.

A revolução, proposta e executada pelos usuários, tinha chegado ao fim com o melhor resultado possível. Espera-se que agora, com pessoas e não robôs, o microblog do G1 dialogue e se aproxime mais do seu público.

Para quem não achava que as pessoas, mobilizadas e em rede, são mais fortes que qualquer corporação (a máxima de Shirky, por sinal), fica aí um exemplo maravilhoso.