Arquivo do mês: agosto 2008

Falta um gerenciador de discussão

Praticamente seis meses depois que constatamos o despreparo (e o desinteresse) dos sites jornalísticos brasileiros em abrigar a opinião de seus usuários, a discussão sobre os comentários segue viva no jornalismo on-line.

Desta vez foi o jornal argentino La Capital, de Rosario, que decidiu suprimir a caixa de comentários que tinha sido disponibilizada em todas as notícias. O motivo, segundo nota publicada no próprio site, é que “amparados no anonimato, [usuários] utilizaram esta valiosa ferramenta de participação para a ofensa gratuita, o insulto e a falta de respeito”.

Ou seja, o jornal jogou o sofá fora.

No Brasil, vimos que não há a opção de comentar toda e qualquer matéria porque os portais simplesmente não têm gente suficiente para moderar as opiniões de seu público e excluir os insultos que tanto incomodaram o periódico argentino. Neste caso, optaram por interditar o sofá: ele está lá, mas nunca 100% disponível.

Não precisamos ir muito longe para decretar que, pelo que se vê nos sites de todo o mundo, a palavra do leitor está longe de ser uma “valiosa ferramenta de participação”. Sheila McClear chegou a defender abertamente, no Gawker, que os jornais não devem permitir interferência dos leitores. “Jornal não é blog”, decreta ela, para quem o produto não é lugar de conversação.

Polêmico, para não dizer anacrônico.

A argumentação gira em torno de bobagens que leitores perpetraram jornais afora e toca num ponto em que é difícil discordar: em sua maioria, as pessoas simplesmente não têm o que dizer (isso vai ao encontro do que prega o enfant terrible Andrew Keen em seu Cult of the Amateur).

“Moderar comentários não é uma solução, é perda de tempo”, afirma Sheila.

Minimalista, Mike Masnich dá aquela que eu considero a palavra definitiva sobre o tema num brevíssimo post do Techdirt: “Não existe nenhum indicativo de que alguém, nor jornais, lê os comentários. Os próprios autores dos textos raramente, se o fazem, respondem aos leitores. Não há engajamento algum nas discussões”.

Talvez o ponto seguinte, diante desse impasse, é pensar a figura do moderador no jornalismo on-line não apenas como um filtro para deletar imbecilidades, mas como um gerenciador de discussão, mobilizando a conversa para um, para outro ou para todos os lados.

A função eliminaria essa incômoda sensação de que a opinião do público não é levada em consideração, além de, efetivamente, estabelecer o diálogo tão necessário entre veículo e seu leitor.

Projeto em Jornalismo Impresso – Aula três

Caros,

Na aula desta sexta-feira (29/8) vamos tratar dos hábitos de leitura do ser humano contemporâneo, destacando (é claro) o interesse pelo jornal.

Atualizaremos dados que constam no livro “O Destino do Jornal”, de Lourival Sant’Anna, dando conta da leve recuperação global de circulação e faturamento dos periódicos em papel e analisaremos alguns projetos bem-sucedidos.

Falaremos sobre as verdades a respeito desta mídia (a mais clara delas: que jornal não é mais mídia de massa) e de seu posicionamento no mercado.

Em tempo: diferentemente do informado, o Correio da Bahia não adotou o formato 3030, mas o tradicional Berliner. Vamos comparar.

Os slides desta aula já estão on-line.

Uma nova embalagem para um velho produto

Uma matéria de personagens, histórias humanas, com gente que salta na última estação do Metrô. Não é original: meu pai foi personagem de pauta semelhante do Jornal da Tarde em 1977 _não era a última parada, mas o último Metrô, à 0h.

Agora, que é uma aula de jornalismo multimídia o gráfico apresentado pelo The New York Times para contar essa surrada história, isso é. É por aí que o “jornalismo do futuro” vai trafegar.

A dica é do Contra a Clicagem Burra.

Colaboração ganha revista digital

Num ano em que pelo menos três livros importantes abordaram o assunto (os autores, Charlie Leadbeater, Clay Shirky e Jeff Howe), a colaboração na Web ganha agora também uma revista digital, a We. E consolida-se como “o tema” a ser tratado nos próximos meses.

O assunto da publicação é o mesmo em que as três obras giram em torno: o poder mobilizador que as novas tecnologias deram ao cidadão comum, e o que pode acontecer daqui para frente.

Aplicado ao jornalismo, o “crowdsourcing” tem todas as condições de mudar radicalmente o exercício da profissão. Por ora, temos apenas espasmos aqui e ali _e nada no Brasil, claro. Aqui tudo chega depois.

No primeiro número da We, cujo manifesto de apresentação embarca em conceitos surrados como “inteligência coletiva”, destaca-se uma entrevista (em vídeo) de Dan Gillmor, que ajudou a conceituar o jornalismo cidadão com o livro-referência “We the midia”.

O detalhe: na vida off-line, Gillmor colecionou fracassos e não conseguiu levar adiante nenhuma proposta de jornalimo colaborativo que iniciou _foram algumas. Como pensador, como prova a entrevista, segue na ponta dos cascos.

A We é uma dica do solerte Luis Orihuela e de seu e-Cuaderno.

Projeto testa jornalismo financiado nos EUA

Uma escola ao lado da sua casa conturba o trânsito, cometendo ilegalidades como fechar a rua com cones ou permitir fila dupla. Você já procurou as autoridades municipais responsáveis pela fiscalização, mas nada foi feito. Qual a solução? Contratar jornalistas para apurar o fato e confrontar as autoridades, exigindo uma providência.

David Cohn, 26, acreditamente piamente nisso, a que deu o nome de jornalismo financiado pela comunidade (ou simplesmente “crowdfunding journalism”, na língua original). Cohn está torrando uma bolsa de US$ 340 mil no Spot Us, a sua resposta para a crise do jornalismo tradicional.

A idéia não deixa de beber um pouco no jornalismo representativo preconizado por Leonard Witt, e já abordado neste Webmanário. Tão pouco é inédita: ao lado de Jay Rosen, respeitável professor da Universidade de Nova York e um dos maiores pensadores do novo jornalismo, Cohn tocou, no ano passado, o Assigment Zero, projeto com o mesmo conceito que não decolou _a prova é seu site, ainda no ar, que apresenta um cenário de terra arrasada que evidencia a ausência de pessoas dispostas a bancar reportagens.

Desta vez, Cohn _bolsista da Knight Foundation_ conta com o “modelo Obama” para fazer sua idéia acontecer. Explico: ele se espelha nas milhares de pequenas contribuições que o candidato do Partido Democrata à sucessão de Bush amealhou no decorrer da campanha. “Eu não sou Bill Gates, mas posso doar US$ 10”, disse ele ao New York Times.

Algumas questões importantes se colocam de antemão: estaria o público disposto a pagar por jornalismo? Alguns estudiosos (e experiências anteriores) já sentenciaram que não. Fosse no Brasil, eu assinaria embaixo a petição dos pessimistas, mas o cenário norte-americano (que inclui uma crise bem mais severa dos meios tradicionais, em especial do jornal impresso) é único e, positivamente, se há um lugar onde esse projeto tem chance de vingar é lá.

Outro aspecto que me preocupa com relação aos planos do hiperativo Cohn: suas reportagens serão publicadas aonde? Inicialmente, apenas em seu próprio site. Um alcance, convenhamos, minúsculo se o que se pretende é mobilizar autoridades e conseguir mudanças efetivas no status quo do cotidiano.

Cohn diz que está buscando parcerias com outros veículos para dar maior dimensão ao material produzido por sua equipe de jornalistas. Mesmo que não consiga, e sendo otimista, é crível pensar que a exposição num único site na Web seja capaz de, dependendo da profundidade do tema, sensibilizar a quem de direito.

O problema mais grave do jornalismo financiado é a possibilidade de o poder econômico estabelecer uma agenda própria de investigação jornalística. Contra isso, Cohn diz que seu Spot Us limita a contribuição individual a 20% do custo de uma investigação, além de escolha rigorosa das pautas a serem seguidas. Nada que não possa ser burlado por uma coisa chamada dinheiro.

A idéia, porém, é interessante e merece ser acompanhada.

Jornais de férias?

Essa eu perdi na origem, mas não posso deixar o desfecho passar: nada menos do que cinco jornais gratuitos franceses simplesmente entraram em férias no dia 11 de julho e voltam a circular só agora, nesta segunda, 25 de agosto.

Inacreditáveis 46 dias sem dar as caras.

Os jornais que descansaram são Direct Soir, Direct Matin, Plus, Metro e 20minutes.

É conhecido o movimento de fuga das grandes cidades neste período _Paris costuma ficar bem menos atribulada_, mas daí a simplesmente não produzir um jornal… parece coisa de preguiçoso, francamente.

Os recordes da Olimpíada

Notícias de Pequim (a de lá, não a de cá): a ONG Repórteres sem Fronteira divulgou nesta sexta um balanço sobre o trabalho dos jornalistas nos Jogos Olímpicos. E as constatações não poderiam ser piores: a China, que prometeu “total liberdade” para os profissionais durante o evento esportivo, não cumpriu a promessa.

A RSF diz que pelo menos 22 repórteres estrangeiros foram agredidos pela polícia chinesa no exercício de suas funções. Além disso, 50 ativistas dos direitos humanos ficaram em prisão domiciliar durante a disputa dos Jogos, 15 cidadãos chineses foram presos ao pedir permissão para realizar protestos e 47 militantes pró-Tibete foram detidos e deportados.

Com relação à liberdade de imprensa, mais problemas. No episódio do assassinato de um turista norte-americano, no primeiro dia da Olimpíada, houve cerceamento ao trabalho de jornalistas que tentavam registrar o fato _no total, foram  12 as intervenções de forças públicas que prejudicaram coberturas jornalísticas.

A ONG mostrou ainda um memorando distribuído pelo governo nas delegacias de Pequim solicitando que em hipótese alguma houvesse empecilhos ao trabalho de reportagem. Ao mesmo tempo, o documento solicitava que os policiais “investigassem e interrogassem” os chineses que eventualmente dessem entrevistas à imprensa internacional.

Esse serviço de espionagem pressupõe, diz a RSF, “fortes represálias” a partir da semana que vem, quando os mais de 20 mil jornalistas credenciados para a Olimpíada começarão a deixar a China. Ou seja: são os chineses sendo treinados à força a não dar mais entrevistas.

Depois de tanta desgraça, o momento “fofo” da cobertura: Mateo Savland, 8 anos, foi o repórter mais jovem a trabalhar no evento. Ele é filho de uma mexicana e de um norueguês e comandou uma atração infantil na rede espanhola Televisa.

Projeto em Jornalismo Impresso I – Aula dois

Nesta sexta (22/8), a partir das 8h, damos seqüência ao curso de Projeto em Jornalismo Impresso I debatendo conceituação e nuances do projeto gráfico. Os slides já podem ser consultados on-line.

O que é o projeto gráfico? Em resumo, é o plano inicial cujo conjunto de elementos forma e dá caracteristica a um meio de informação. É o aproveitamento de todos os recursos gráficos, dentro de uma proposta editorial jornalística.

O projeto gráfico determina, entre outras coisas, o formato (tamanho do produto), a tipologia (família de fontes) e a apresentação (design), sempre dentro do conceito “notícias para ver”.

Um bom projeto gráfico está a serviço do editorial, ou seja, utiliza os recursos disponíveis para melhor explicar uma pauta ao leitor. Abusa de imagens e textos curtos, mimetiza a linguagem da Web, usa infográficos, interfere na qualidade da leitura, trata de exibir melhor o conteúdo textual.

Veremos ainda a composição dos elementos morfológicos principais (texto, título e imagem), assim como discutiremos o formato 3030, vendido como sendo o do jornal do futuro _na verdade, é do presente (o futuro pressupõe a supressão do papel).

Textos complementares

Para auxiliar na discussão, separei duas pequenas matérias que relatam conversas de editores de arte com alunos do Curso Abril. Em ambas, há dicas importantes e ótimos exemplos de como conceber um projeto gráfico bem-sucedido.

Além disso, deixo como sugestão mais três textos acadêmicos que abordam de forma simples e direta o assunto: “Notícias para ver“, de Norah Vela; “Técnicas gráficas de jornalismo“, de Artur Araújo; e “O diálogo gráfico/editorial: projeto gráfico e hipóteses de trabalho“, assinado por Michaella Pivetti.

O material de apoio é complementar à matéria dada em aula _portanto, fundamental para a compreensão e contextualização do tema.

Na segunda parte do nosso encontro, e usando o Newseum, vamos comparar (por meios das primeiras páginas) os três principais jornais brasileiros (O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e O Globo), objeto da pesquisa de Lourival Sant’Anna em “O Destino de Jornal” _livro de leitura obrigatória que já será discutido na próxima semana.

Até lá!

Uma seleção de blogs fotográficos e olímpicos

A maratona está terminando, em breve este espaço voltará à normalidade (assim espero). Enquanto isso, mais notícias da minha Pequim _igualmente poluída, igualmente repressora.

Gustavo Roth, editor-adjunto de fotografia da Folha de S.Paulo, fez uma belíssima seleção de blogs fotográficos que, em suas palavras, “comentam e ilustram a grande aventura, ou maratona, que é cobrir os Jogos”.

Não há o que acrescentar: clique e viaje.
REUTERS Photographers – What makes a great picture?
 
Newsweek, por Vincent Laforet

Newsweek, por Mike Powell
 
Newsweek, por Donald Miralle
 
THE STAR – TORONTO, CANADA – Olympic Photo Blog – Por Steve Russell, Lucas Oleniuk e Richard Lautens 
 
WASHINGTON POST, EUA – The Games, Framed – Post photographer Jonathan Newton’s photoblog from the Beijing Olympics

SEATTLE TIMES, EUA- Best Seat in the House – Photography, sports and life as seen through the lens of Seattle Times photographer Rod Mar.

CARBORIAN, ESPANHA – ‘Pekin 2008, un Caborian en los Juegos Olímpicos’

POP PHOTO, EUA – Behind the Lens at the Beijing Olympics – Zach Honig presents a photographer’s guide to the 2008 Beijing Olympics, including everything you need to know to cover the games or watch from home

UOL – Fotoblog do Florido – Flávio Florido é editor de fotografia e enviado especial a Pequim do UOL Esporte. Aqui você vai ver fotos diferentes e curiosas do país sede dos Jogos Olímpicos de 2008
 
ZERO HORA – Direto de Pequim, o repórter fotográfico Ricardo Duarte mostra os bastidores das Olimpíadas através de suas lentes

Ninguém é forçado a falar bobagem

Assim como a Copa do Mundo de futebol, a Olimpíada suscita, no jornalismo, uma incontrolável vontade de dar opinião. Mesmo quem não precisa se expor, caso de todos os profissionais que não militam no esporte, acaba sendo contagiado pela overdose e _é irresistível_ dá os seus pitacos.

Não bastassem as bobagens nossas de cada dia do jornalismo esportivo, me deparei com dois ótimos exemplos de opinionismo que não fazem o menor sentido _e que não precisariam ser expressados, já que eles foram publicados no site Comunique-se, especializado precisamente nas coisas da nossa profissão.

Uma matéria na página, com ares de denúncia, “informava” aos leitores que a imprensa americana, diante da avassaladora vantagem de ouros da China no quadro de medalhas, tinha “decidido mudar” a disposição dos países, adotando como critério o número total de comendas ganhas.

Em outra, o (bom) colunista de novas mídias Bruno Rodrigues lamenta a falta de interesse de portais brasileiros e globais em transmitir a cerimônia dos Jogos Olímpicos (ocorrida na sexta retrasada) ao vivo.

Ambos pisaram mais na bola do que a seleção de Dunga diante da Argentina.

Os fatos: desde 1896, quando foram disputados os primeiros Jogos Olímpicos da era Moderna, a imprensa americana utiliza como regra a quantidade de medalhas para ordenar os países no quadro dos Jogos. Não foi uma decisão tomada agora em virtude do ataque especulativo chinês.

No Brasil, assim como na Europa, o que prevalece é o total de ouros _lembrando que o Comitê Olímpico Internacional não conta medalhas nem divulga rankings dos Jogos.

Portanto, não há um critério que possa ser definido como certo ou errado. Mas muito menos uma “manipulação”, como denuncia o Comunique-se.

No caso de transmissões pela Internet, pela primeira vez o comitê aceitou vender os direitos, mas seguindo a mesma lógica da TV. Ou seja, só quem adquiriu a condição de divulgar imagens do evento esportivo na Web (no caso do Brasil, o portal Terra) pode fazê-lo, e mesmo assim apenas dentro de seu próprio país _o bloqueio, por meio do IP, é simples e infalível.

Por isso Bruno, que não se lembrou de acessar o Terra, protestou por não encontrar cenas da abertura em outros portais brasileiros ou estrangeiros _porque elas simplesmente estão bloqueadas para quem não mora lá.

Outra informação antiga e sabida de antemão (a compra dos direitos de transmissão dos Jogos foi fechada pelos interessados há três anos).

Sim, o grande evento incentiva todo mundo a tirar uma casquinha. Mas deixe isso para o boteco. No jornalismo, sempre que não nos mobilizarmos em torno de um assunto que desconhecemos, nossa chance de não ser surpreendido é maior.