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Caiu a ficha?

Demorou, mas a ficha do jornalismo profissional começa a cair: o avanço tecnológico tirou da imprensa a condição de filtro universal e único mediador. Isso é ótimo, mas tem gente que acha muito ruim.

O exemplo é o da administração Obama, que usa as ferramentas da web para falar diretamente aos cidadãos, sem a necessidade de contar, para isso, com a mediação da imprensa.

Daí que exista quem veja manipulação, como mostrou artigo do brilhante site Politico. Abaixo, reproduzo um parágrafo.

“President Barack Obama is a master at limiting, shaping and manipulating media coverage of himself and his White House. Not for the reason that conservatives suspect: namely, that a liberal press willingly and eagerly allows itself to get manipulated. Instead, the mastery mostly flows from a White House that has taken old tricks for shaping coverage (staged leaks, friendly interviews) and put them on steroids using new ones (social media, content creation, precision targeting). And it’s an equal opportunity strategy: Media across the ideological spectrum are left scrambling for access.”

Bom ou ruim, é inexorável.

A confiança da imprensa formal em xeque

O que pode acontecer quando perdemos a confiança na mediação histórica da imprensa?

Muniz Sodré explica num texto bem bacana.

Jornalismo cidadão atira para todo lado

A participação da “ex-audiência” no jornalismo (o principal assunto sobre a profissão agora e pelas próximas duas décadas) ainda é heterogênea e sem critérios.

Uma análise detalhada do site coreano Ohmynews, bastante citado como a experiência mais bem sucedida de jornalismo colaborativo, evidencia claramente que não há rumo. Às vezes, valoriza-se o diferencial para escancarar a alardeada ruptura com a grande imprensa (que doravante quero chamar de mainstream, posso?). Noutras, concorre-se pobremente com ela.

Projetos participativos em português, então, são ainda mais inanimados. O Wikinotícias, com média de oito textos (ou notas?) publicados por dia e administrado por cães de guarda de sua própria comunidade, ainda é inqualificável.

Estruturado de forma diferente (há a mediação profissional sobre o trabalho do amador), o Brasilwiki aparenta ter mais solidez. Porém sofre do mesmo mal do site asiático, sua confessa fonte de inspiração.

Ao anunciar, em sua fundação, que “cada cidadão é um repórter” e que sua plataforma era claramente uma oposição ao mainstream, o Ohmynews explicitou que manchetes como a desta madrugada são seu business.

No caso, um texto pessoal impressionista, com incômodo nariz de cera, mas um ótimo diferencial do noticiário da grande mídia: um cara contando que a cidade inglesa em que viveu, Dewsbury, tem o inacreditável poder de atrair tragédias. Foram vários os casos Isabella Nardoni no município. O mais recente (nem tão fresco assim, é do início de fevereiro…) é citado en passant pelo autor no oitavo parágrafo.

No dia em que as autoridades do Banco Mundial previram que a incontrolável alta dos preços dos alimentos vai provocar guerra e fome no mundo (NOTA: eram as manchetes de CNN e BBC por toda tarde/noite/madrugada deste domingo para segunda), não havia uma única notícia relacionada ao tema na trincheira do Ohmynews.

Tudo bem, se a missão da experiência é deixar de lado o hard news e incentivar sides ou análises.

Mas um passeio aleatório a outro setor do site, o canal de esportes, faz a incongruência saltar os olhos. É o caso do texto que conta as vitórias de Serena Williams e Nikolay Davidenko no Masters de Miami _ainda por cima publicado três dias após o fim do torneio.

Ou o relato da partida Colo Colo x Boca Juniors, com direito a descrição de lances e ficha técnica, tal qual centenas de outros produzidos pela grande mídia no mesmo dia.

Peralá: mas a colaboração é ou não é de hard news? É o que o usuário quiser, então? Cadê a mediação?

Aos experimentos pro-am de jornalismo colaborativo falta uma figura indispensável à tarefa profissional de coletar/filtrar/divulgar dados: a pauta, o roteiro de temas de interesse premente.

Um projeto que contemple a seleção de temas semanais/diários a serem abraçados pelos colaboradores, dentro de suas possibilidades, é factível. Quem não puder se comprometer a fazer, que não manifeste o desejo de desenvolver um texto. Agindo antes, os mediadores poderão obter resultados melhores.

De cara, isso é a solução para a vontade incontrolável de vestir um cachecol ao abrir sites como Ohmynews ou Brasilwiki, quase sempre dissociados do dia-a-dia em suas manchetes (mas, em suas listas de notícias, reféns dele).

E o papo ainda nem chegou à catastrófica colaboração oferecida pelos portais noticiosos.