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Quem é o quarto poder: a imprensa ou o cidadão?

Em entrevista recente à revista Época Negócios, Ruy Mesquita, que aos 85 anos segue na ativa como diretor de opinião de O Estado de S. Paulo, ressuscitou o termo “quarto poder” para se referir à imprensa e seu papel de fiscalização dos outros três, esses sim claramente constituídos.

“O chamado Quarto Poder continuará sendo necessário porque é o mais distante do universo do poder político onde estão instalados os outros três e o mais próximo da cidadania”, afirmou. Será?

Imediatamente me recordo do sociólogo espanhol Manuel Castells e seu livro “Comunicación y Poder”, que analisa justamente as mudanças que o avanço tecnológico provocou na relação entre governos e governados. “O Estado invade a privacidade das pessoas, sempre fez isso. Se o Estado quer, o Estado nos vigia. Todos os governos do mundo fazem isso, têm condições de fazer. A novidade é que agora podemos vigiá-los”, diz.

Daí, a divagação: não seria o cidadão, agora dotado de ferramentas a que nunca antes teve acesso, o verdadeiro quarto poder do século 21? Na era da publicação pessoal, creio, a mídia formal assume o papel de concretizar, nos canais de divulgação antes restritos a ela, muito do que as pessoas estão detectando, comentando e repassando entre si?

Se não assumiu esse papel ainda (e temos vários exemplos de mídias tradicionais simplesmente cegas, surdas e mudas ao grito mais importante dos cidadãos _não ao último hype da TV que foi parar no microblog, também importante, mas bem menos indicador de relevância_, temos um grave problema a administrar.

A derrota do cidadão (e o triunfo do jornalismo profissional) revisitados

O texto em que eu detectava a derrota do cidadão para o jornalista profissional na cobertura do terremoto no Haiti suscitou polêmica e debate. Ainda bem, pois exatamente para isso que foi concebido.

A colega Ana Brambilla percebeu algumas coisas como eu: que faltou conteúdo produzido ou atualizado pelo cidadão, especialmente no primeiro momento, e que nunca a mídia formal desesperou-se tanto por contribuição do público sem, entretanto, obter resposta.

Ela cita o trabalho de reportagem de Carel Pedre, a grande referência na cobertura da tragédia (ao lado do canadense Pierre Côté, este reportando de seu país, mas entrevistando, via webcam, muita gente que estava in loco). Ambos são jornalistas _Pedre é um dos mais populares radialistas do Haiti e ainda comanda programas na TV, enquanto Côté há tempos faz transmissões experimentais na web e vive de doações de sua audiência.

Yuri Almeida, aliás Herdeiro do Caos, corrobora minha sensação de que a exclusão digital pode ter sido determinante para explicar o vazio da cobertura cidadã. E cita o poder do rádio como provável canalizador de interesses comuns no cenário da tragédia. Isso só corrobora a tese de que, desta vez, a cobertura foi profissional.

Não estou assumindo a defesa liminar do jornalismo profissional, como fui advertido por quem lembrou do blog de estudantes da Unicamp que estão visitando o Haiti. O blog não foi citado no texto original porque tinha atualização muito deficiente nas horas que seguiram à tragédia, justo quando mais se precisava dele.

Depois de alguns dias, o grupo passou a escrever mais e postou até algumas fotos _uma possível demonstração de que o senso de agilidade, vital ao bom funcionamento do jornalismo, pode ser bastante distinto quando se compara amadores e profissionais.

Quem chegou eventualmente ao Webmanario por obra da busca “Haiti” + “terremoto” pensou estar diante do último bastião de defesa do mainstream. Nada mais equivocado. Os que conhecem o repertório deste site sabem que sou um dos maiores entusiastas da autocomunicação de massas _como tão bem definiu o sociólogo Manuel Castells ao se referir à era da publicação pessoal em seu livro “Comunicación y Poder“, recém-lançado.

O cidadão perdeu para o jornalista na cobertura do terremoto do Haiti, é fato. Que merece ser estudado para entendermos em que circunstâncias isso pode ocorrer de novo, desmontando ou ao menos limitando o mito da testemunha ocular onipresente habilitada a publicar na web algum pedaço da história que testemunhou.