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Uma imprensa para cada um

Mais de uma vez já escrevi aqui que se no meu tempo houvesse o acesso à tecnologia que vivenciamos hoje, talvez nunca teria trabalhado numa redação _faria jornalismo cidadão com meu celular ou netbook, numa boa, publicando tudo num blog ou coisa que o valha.

É sério. Com as armas que todos dispomos agora, quase idênticas às do jornalismo profissional, não faz muito sentido se acotovelar numa redação em busca de um lugar ao sol.

Ao jornalista de carreira, é verdade, há o privilégio da legitimação. Um exemplo bobo, mas prático: após o jogo de futebol, ele tem acesso a treinadores e jogadores, coisa que um cara que faz jornalismo como hobby tem de sofrer para, talvez, conseguir _sim, a internet permite conquistar legitimação (e os vários casos de jornalistas independentes com acesso aos personagens do noticiário prova isso).

O jornalista profissional tem ainda, à frente de si, a relevância e a credibilidade do veículo que representa. Não é pouco e abre portas.

Uma iniciativa individual pode atingir esse patamar, mas é uma trilha bem mais cansativa. Possível, mas desgastante.

A foto lá de cima, o equipamento individual de um freelancer, não pode intimidar. Com muito menos (e eu sou testemunha disso) dá para fazer bom jornalismo.

Mas, sinal dos tempos: é frequente ver outsiders muito melhor equipados _e sintonizados com a agilidade que nossos tempos pedem_ do que repórteres do mainstream.

Há vida fora da redação

Eu costumo dizer que se no meu tempo houvesse as armas tecnológicas de hoje, que nos deram uma capacidade de difusão de informação praticamente no mesmo patamar das corporações jornalísticas pré-estabelecidas, jamais teria ido parar numa redação.

Paul Bradshaw cristaliza isso ao sugerir que os novos jornalistas não devem esperar uma oportunidade, mas criar as suas.

Submeter-se a um grupo crítico e de confiança (seus nós numa rede social, por exemplo) colabora bastante com o progresso profissional.

Hoje a imprensa somos nós, qualquer um publica.

Mas somos o que opinamos e divulgamos.

Resumo: o conteúdo ainda é o que vale.

Dentro ou fora do mainstream.

‘Não quero uma nação de blogueiros’, diz Steve Jobs

Do evento de terça-feira promovido pelo The Wall Street Journal com Steve Jobs, ficou quase lateral a opinião do messias das novas mídias sobre critério editorial e fontes confiáveis na Internet.

“Não quero uma nação de blogueiros”, disse Jobs, ressaltando a importância de uma imprensa formal possante e democrática.

São palavras com evidente tino comercial: o criador da Apple colocou sua empresa à disposição do mainstream para pensar formas de cobrar por conteúdo na web.

A subversão da ordem cronológica reversa

Já faz muito tempo, mas eu esqueço de comentar: a versão eletrônica da coluna Radar, da revista Veja, vem subvertendo com frequência o conceito da ordem cronológica reversa, um dos aspectos que nos ajudam a definir operacionalmente um blog.

Explico, mas é só olhar a imagem acima para entender: notas que se complementam são publicadas invertidas, ou seja, primeiro é colocada no ar sua continuação para, invariavelmente no minuto seguinte, ser postada a abertura _que contextualiza a notícia, claro.

Esse aparente sem-pé-nem-cabeça-jornalístico serve a um único propósito: fazer com que, no ar, as notas se apresentem como se estivessem em sequência, num modus operandi absolutamente impresso _e que jamais deveria ser transposto a uma plataforma eletrônica com tal característica.

São as apropriações equivocadas de que eu tanto falo, mas para parecer de vanguarda, a grande mídia mete os pés pelas mãos.

Se a linguagem da coluna Radar _leitura semanal obrigatória para se acompanhar o panorama político e econômico do país_ exige, na web, notas continuadas como exibe em papel, não é num blog que esse processo vai se concretizar sem um ruído desagradável.

Se o que se quer é continuar tendo uma coluna, para que então criar um blog? E ainda por cima, caso da Radar, sem um único hiperlink?

Quem é o quarto poder: a imprensa ou o cidadão?

Em entrevista recente à revista Época Negócios, Ruy Mesquita, que aos 85 anos segue na ativa como diretor de opinião de O Estado de S. Paulo, ressuscitou o termo “quarto poder” para se referir à imprensa e seu papel de fiscalização dos outros três, esses sim claramente constituídos.

“O chamado Quarto Poder continuará sendo necessário porque é o mais distante do universo do poder político onde estão instalados os outros três e o mais próximo da cidadania”, afirmou. Será?

Imediatamente me recordo do sociólogo espanhol Manuel Castells e seu livro “Comunicación y Poder”, que analisa justamente as mudanças que o avanço tecnológico provocou na relação entre governos e governados. “O Estado invade a privacidade das pessoas, sempre fez isso. Se o Estado quer, o Estado nos vigia. Todos os governos do mundo fazem isso, têm condições de fazer. A novidade é que agora podemos vigiá-los”, diz.

Daí, a divagação: não seria o cidadão, agora dotado de ferramentas a que nunca antes teve acesso, o verdadeiro quarto poder do século 21? Na era da publicação pessoal, creio, a mídia formal assume o papel de concretizar, nos canais de divulgação antes restritos a ela, muito do que as pessoas estão detectando, comentando e repassando entre si?

Se não assumiu esse papel ainda (e temos vários exemplos de mídias tradicionais simplesmente cegas, surdas e mudas ao grito mais importante dos cidadãos _não ao último hype da TV que foi parar no microblog, também importante, mas bem menos indicador de relevância_, temos um grave problema a administrar.

Uma bela pauta diante dos nosso olhos

Muito boa ideia do La Información, o jornal nativo digital da Espanha _e a execução, com integração multimídia, é ao mesmo tempo simples e bacanuda.

A pauta: entrevistar correspondentes estrangeiros no país. São ele que oferecem, afinal de contas, a imagem que o mainstream lá de fora vai refletir de sua terra.

Conhecer os assuntos nacionais que mais suscitam interesse globalmente não serve apenas de leitura saborosa, mas podem orientar projetos editorais e comerciais.

É algo que pede para ser copiado…

Quando o furo é de um jornal pequeno não vale?

Tem uma situação bacana rolando nos Estados Unidos. O National Inquirer, um tabloide considerado (pela elite) de quinta categoria, deu o furo de 2009 mas foi excluído da seleção do prêmio Pulitzer (o mais importante do jornalismo) por uma questão técnica: a matéria foi publicada dois anos antes.

Publicação nunca levada a sério (pudera, tem um cabedal de capivaras por apuração malfeita), o Inquirer revelou, em 2007, que o babe face John Edwards, vice de John Kerry nas eleições presidenciais de 2004 e pré-candidato democrata quatro anos depois, teve um filho fora do casamento.

Só agora a história veio à tona _Edwards teve de fazer uma retratação pública depois que o assessor que escalou para se passar pelo pai da criança (inclusive vivendo sob o mesmo teto com a “família”) escreveu um livro revelando a farsa.

O “jornaleco” tinha razão, e deu A matéria de 2009. Seu pecado foi ter feito isso dois anos antes _condição que deveria garantir imediatamente o prêmio.

Agora há um debate se o tabloide merecia o Pulitzer, e os que repudiam a ideia lembram muito a controvérsia do Prêmio Esso de 2004, concedido a Renan Antunes de Oliveira e seu perfil de Felipe Klein, filho de ministro alcoólatra, que embarcou na onda da body modification e terminou estatelado numa lixeira de prédio ao cair do nono andar.

A reportagem foi publicada no jornal Já, de Porto Alegre. E a comenda (o nosso Pulitzer) desencadeou uma reação desproporcional do mainstream, que tentou desconstruir a reportagem.

Entendo perfeitamente o jogo (e labuta) por trás de reputação e credibilidade de um veículo jornalístico. Mas a plataforma não pode ser, jamais, o critério para se julgar uma boa matéria.

A derrota do cidadão (e o triunfo do jornalismo profissional) revisitados

O texto em que eu detectava a derrota do cidadão para o jornalista profissional na cobertura do terremoto no Haiti suscitou polêmica e debate. Ainda bem, pois exatamente para isso que foi concebido.

A colega Ana Brambilla percebeu algumas coisas como eu: que faltou conteúdo produzido ou atualizado pelo cidadão, especialmente no primeiro momento, e que nunca a mídia formal desesperou-se tanto por contribuição do público sem, entretanto, obter resposta.

Ela cita o trabalho de reportagem de Carel Pedre, a grande referência na cobertura da tragédia (ao lado do canadense Pierre Côté, este reportando de seu país, mas entrevistando, via webcam, muita gente que estava in loco). Ambos são jornalistas _Pedre é um dos mais populares radialistas do Haiti e ainda comanda programas na TV, enquanto Côté há tempos faz transmissões experimentais na web e vive de doações de sua audiência.

Yuri Almeida, aliás Herdeiro do Caos, corrobora minha sensação de que a exclusão digital pode ter sido determinante para explicar o vazio da cobertura cidadã. E cita o poder do rádio como provável canalizador de interesses comuns no cenário da tragédia. Isso só corrobora a tese de que, desta vez, a cobertura foi profissional.

Não estou assumindo a defesa liminar do jornalismo profissional, como fui advertido por quem lembrou do blog de estudantes da Unicamp que estão visitando o Haiti. O blog não foi citado no texto original porque tinha atualização muito deficiente nas horas que seguiram à tragédia, justo quando mais se precisava dele.

Depois de alguns dias, o grupo passou a escrever mais e postou até algumas fotos _uma possível demonstração de que o senso de agilidade, vital ao bom funcionamento do jornalismo, pode ser bastante distinto quando se compara amadores e profissionais.

Quem chegou eventualmente ao Webmanario por obra da busca “Haiti” + “terremoto” pensou estar diante do último bastião de defesa do mainstream. Nada mais equivocado. Os que conhecem o repertório deste site sabem que sou um dos maiores entusiastas da autocomunicação de massas _como tão bem definiu o sociólogo Manuel Castells ao se referir à era da publicação pessoal em seu livro “Comunicación y Poder“, recém-lançado.

O cidadão perdeu para o jornalista na cobertura do terremoto do Haiti, é fato. Que merece ser estudado para entendermos em que circunstâncias isso pode ocorrer de novo, desmontando ou ao menos limitando o mito da testemunha ocular onipresente habilitada a publicar na web algum pedaço da história que testemunhou.

Recapitulando: jornalismo e blog não são o mesmo

Muita coisa se discutiu no Congresso Internacional de Novo Jornalismo, que terminou ontem em Cáceres, na Espanha _só uma dúvida: o que é “novo jornalismo”? Não seria “nova sociedade”, na qual a profissão se insere e se obriga a mudar? Enfim…

Num dos painéis do evento, as comparações entre jornalista profissional e blogueiro foram inevitáveis. Outro adendo meu: blogueiro virou um termo quase como motoqueiro, não?: Apesar de eu não enxergar, quem o pratica costuma catalogar a palavra como “pejorativa”.

Como ainda não está claro que uma coisa não tem necessariamente a ver com a outra? Escrever não é igual a fazer jornalismo. Portanto, blog e jornalismo não são a mesma coisa. Inacreditável que parte da discussão em Cáceres tenha girado em torno disso (é tão velho e óbvio, não?).

A segunda constatação é que nós, brasileiros, estamos na cauda do cometa com relação às novas plataformas que o jornalismo pode (e deve) emprestar. Enquanto por lá, na Espanha, debate-se uma suposta rivalidade entre jornalismo profissional e blog (e a opinião de que ambos devem convergir e colaborar), aqui a gente assiste a uma movimentação ainda minúscula na blogosfera entre não jornalistas e pessoas ligadas a grandes veículos de imprensa.

A verdade é que, jornalisticamente, ainda não há blogosfera no Brasil a não ser aquela produzida por gente que já trabalhava (ou continua trabalhando) em veículos consagrados. Não há rivalidade simplesmente por não haver outro lado. Só existe um: o do mainstream.

Aliás, nem mesmo a Espanha está nesse patamar. Apenas decidiu-se antecipar a discussão que já ocorre há tempos nos Estados Unidos _mesmo lá, os principais “blogs” que concorrem com a grande imprensa não passam, na verdade, de coleções de links de notícias dos jornalões.

Podem ter certeza de que, com calma, chegaremos à situação ideal em que, graças aos publicadores pessoais, as pessoas rivalizarão com as corporações. No momento, isso ainda não passa de teoria mais do que comprovada.