Arquivo da tag: planejamento

Um modelo de produção de conteúdo

Há tempos eu quero falar sobre o Buzzfeed, mas o amigo Rafael Sbarai chegou primeiro e fez a análise certeira.

O modelo ali é o que mais se aproxima de uma abordagem moderna de produção de conteúdo. Estamos todos ainda mal acostumados à ideia de que, se há textos e relatos, deve haver jornalismo. Nada mais equivocado.

Não bastasse o jornalismo ser um convite à burocracia e à ausência de criatividade, ele também crê possuir o monopólio sobre determinados formatos. Daí o nariz torcido ao BuzzFeed, muitas vezes.

Mas o segredinho do BuzzFeed se chama tecnologia. Um mago da viralização trata de analisar o que será distribuído loucamente. Está explicado.

A morte de José Alencar e alguns segredos do jornalismo

Para quem é de fora do jornalismo, é difícil entender a previdência de certas medidas que tomamos para garantir uma vida com o mínimo possível de sobressaltos. Uma delas, e que mais choca, é o hábito de deixar pronto o obituário de personalidades relevantes do noticiário.

Neste quesito, José Alencar merece uma citação à parte. Nunca um obituário esteve tão pronto. Foram várias as oportunidades em que ele esteve a ponto de ser publicado _nem só on-line: numa noite de novembro do ano passado, pessoas foram chamadas de volta à Redação porque havia o rumor da morte do mineiro. Foi assim por várias vezes.

E os plantões? Quantas vezes fomos ao trabalho sob o risco de a morte acontecer _e modificar todos os planos da edição do dia? O temor acabou não se justificando (a morte, no final das contas, ocorreu numa terça-feira, e bem cedo para os padrões jornalísticos).

Outra crueldade oculta do jornalismo é a avaliação de quanto tempo e espaço dedicar a um morto. Para nós, é evidente que José Alencar valia muito mais como vice-presidente. Ao deixar o poder, paulatinamente foi perdendo a relevância.

São, enfim, pequenos segredos do jornalismo.

‘O negócio de mídia é um negócio de identidade. Você tem que ter algo a dizer, e com estilo único’

Paco Sánchez é um das poucas pessoas que realmente dá para chamar de mestre. E não apenas porque ele é professor de jornalismo (tive o prazer de ser seu aluno no Master em Jornalismo Digital Multimídia, no ano passado _sua disciplina, Planejamento de Conteúdos, valeria um semestre inteiro).

Paco também é diretor editorial do jornal espanhol La Voz de Galicia e tem bastante a dizer sobre a espécie de “crise de conteúdos” que estamos assistindo no jornalismo, em geral, e no on-line, especificamente, num momento em que todos os sites se parecem bastante entre si.

O diagnóstico de Paco é preciso. “O negócio de mídia é um negócio de identidade. Você tem que ser alguém com algo a dizer, e dizê-lo com um estilo único”. E como encontrar esse estilo? Leia a conversa que tivemos recentemente.

Paco, você defende que os portais de internet tiveram uma má influência sobre o menu dos sites jornalísticos em geral. Explicando isso melhor: você acredita que a competição por audiência leva sites menores ou “independentes” a, em alguma medida, apenas replicar o conteúdo alheio para não parecer desatualizado?
Eu acho que alguns jornais perderam, na internet, a identidade que têm no papel. Isto é grave. Claro que afeta principalmente os jornais com menos recursos, mas também alguns grandes. Se você se guiar apenas pelas páginas mais vistas, por estratégias de SEO, pode cometer erros absurdos. Por exemplo, é possível que as dez matérias mais acessadas de um jornal sejam superficiais, frequentemente frívolas, replicadas de agências internacionais ou capturadas em outro lugar.

Se quem gerencia o conteúdo se deixa levar por esses resultados e programa mais matérias parecidas, está cometendo dois erros simultâneos de percepção: seu público não chegou ao jornal por causa daquele conteúdo e o usa apenas como passagem (“vejo o noticiário do time de futebol local e aproveito para clicar nessa matéria da Britney Spears”). O que atrai o leitor é informação diferenciada. Se seu objetivo era ler sobre Britney Spears, provavelmente ele entraria em outro site, mais específico, com o qual não poderíamos competir. Se, apesar de tudo, o objetivo do usuário era Britney Spears, provavelmente caiu em nosso site através de um motor de busca. É, portanto, um leitor puramente aleatório, com o qual dificilmente podemos construir uma audiência estável. Então,se nós seguirmos este tipo de estratégia, só conseguiremos visitas hoje, e fome amanhã. E o pior: alguns periódicos de papel começaram a permitir que os resultados de acesso de sua edição on-line passassem a influenciar a agenda de conteúdos na edição impressa. A última gota.

Outro de seus mantras é que nós, jornalistas, não devemos procurar a audiência, mas ao contrário: pela qualidade e originalidade de nossos conteúdos, as pessoas virão até nós. Primeiro que eu adoraria tê-lo como chefe (risos). Sério, como se equilibra isso? Eu não posso manter um site que ninguém acessa. Isso significa que é importante saber o que os usuários querem, certo? Ou não, o jornalismo profissional deve saber quais são as notícias mais relevantes e não pode viver ao sabor da preferência do público?
Estava me referindo mais ao meio, como corporação, dos que aos jornalistas individualmente, ainda que de certa forma seja possível aplicar o conceito também. Em geral, a grande mídia nasceu de uma pessoa ou um grupo de pessoas que tinham algo a dizer e ecoou em uma audiência grande ou importante. Se o processo for ao contrário, raramente funciona.

Sempre lembro que Roberto Civita dizia que, primeiro, imaginava a revista que queria fazer, a que agradava a ele, e só depois começava a fazer pesquisas. O negócio de mídia é um negócio de identidade. Você tem que ser alguém com algo a dizer, e dizê-lo com um estilo único. O sucesso da The Economist é muito bem explicado a partir dessa perspectiva.

Há também exemplos no sentido oposto: no final do ano passado, houve alguma celeuma entre o público do jornal diário espanhol El Pais porque o diário criticou fortemente o governo socialista. Não era o que esperavam muitos leitores, embora o veículo estivesse certo, e alguns até mesmo chegaram a expressar o descontentamento emmento

público de uma forma muito significativa: “Este não é o meu ‘País'”. Com a identidade não se brinca.

Se estamos aguardando apenas o parecer volúvel que nos chega através de pesquisas de marketing, o destino mais provável é uma identidade confusa ou diluída e os termos se invertem: já não somos alguém que tem algo a dizer, e a audiência deixa de precisar da gente. A crise de tantas revistas noticiosas tradicionais tem a ver, em parte, com um processo dessa natureza.

Palavras suas: um jornal impresso tem valor por cerca de quatro horas. O que pode ser feito nas outras 20h para manter o público interessado? Você se lembra de exemplos de jornais que estão otimizando suas operações em grande parte através de intervenções nas suas edições digitais (editorial e produto)?
Com essas palavras o que eu quis dizer é que quase 100% dos exemplares diários impressos são vendidos quatro horas depois de publicados. O resto da venda é marginal. Isso não significa que as informações contidas no jornal expirem. Na verdade, minha proposta é encontrar maneiras de continuar lucrando com todo o volume de informação que continua a ser válida e útil em sua grande maioria.

A indústria do audiovisual entendeu isso muito bem desde o início, com alguma frequência amortiza investimento ou até mesmo começa a gerar lucros quando o filme estreia nos cinemas, mas ela passará anos tirando partido do produto, seja na TV paga, na TV aberta, no pay-per-view, no mercado de DVD etc.

Já existem muitos veículos que utilizam seu conteúdo impresso, aparentemente defasado, para agregar valor à edição eletrônica ou revendê-lo de outras maneiras: não só o The New York Times ou CNN, mas também meios pequenos já são capazes, por exemplo, de converter seu cartunista em uma marca ou vender as fotos do dia.

NYT produz vídeo-obituário de ex-presidente

Não, um jornalista não torce para ninguém morrer (quer dizer… depende, vai). Mas ele tem de estar preparado para a hora da morte de uma pessoa relevante.

É o caso do New York Times. Além, é claro, de manter atualizadas bases de dados que precisarão apenas de pequenos retoques quando a celebridade se for, o jornal está investindo fortemente em vídeo-obituários _o formato estreou há dois anos, com o comediante Art Buchwald.

 “Olá, eu sou Art Buchwald e acabo de morrer”, diz, o morto brincalhão logo no início do vídeo que inaugurou a sessão, sugestivamente batizada de Last Word, ou última palavra.

A ideia é excelente e funciona assim: primeiro, é claro, o jornal identifica personalidades que estejam, digamos, pela bola sete. É evidente que se trata de uma negociação complicada. Há pessoas, como Buchwald, que entram completamente no espírito do documentário (neste caso, basicamente uma entrevista relembrando passagens da vida do personagem).

Outras, como o comentarista e escritor William F. Buckley, preferem declinar o convite do NYT _a propósito, Buckley morreria meses depois de ter se recusado a falar sobre sua vida e obra.

Segundo David Rummel, produtor-chefe de notícias e documentários do NYT, já há 30 vídeo-obituários prontos e mais dez em produção.

O assunto voltou à tona esta semana porque o jornal revelou, sem divulgar o nome, que já entrevistou um ex-presidente para a seção.

Os Bush (pai e filho) informaram que não deram qualquer tipo de entrevista ao NYT.

Sobraram Carter e Clinton.

Façam suas apostas.

A morte de Fidel: a matéria de gaveta mais célebre de Miami

Não são apenas fogos de artíficio, armazenados por ansiosos exilados cubanos, que estão cuidadosamente guardados em Miami. O obituário de Fidel Castro também.

É o que revela um dos mais experientes editores do jornal The Miami Herald, Manny Garcia. “Aqui no jornal, Fidel Castro equivale a uma pedra no rim: uma dor constante que parece nunca acabar, e que você reza para ir embora”, relata.

Outro editor do jornal, Tom Fiedler, diz que os planos para a cobertura da morte do líder da Revolução Cubana, de 82 anos, remontam à década de 90 e “são mais detalhados do que o plano americano para a invasão do Iraque”.

Não é só lá. Todo jornal minimamente planejado tem pelo menos um caderno especial já pronto sobre a vida e a obra (contestadas, ambas) de Castro. É assim com todas as personalidades relevantes cuja morte não seria exatamente uma surpresa.

É, talvez, o aspecto da profissão que mais choque os estudantes de jornalismo. “Como assim, você torce para alguém morrer?”

Não é torcer, mas estar preparado _planejamento é tudo para o sucesso de uma cobertura jornalística (só não digo que é condição sine qua non porque já participei de coberturas catastróficas do ponto de vista organizacional que, no final das contas, e por vários outros elementos, acabaram dando certo).

Lembrei de dois casos em que o “planejamento” acabou sendo revelado, inadvertidamente, aos leitores: o caso do UOL, que “matou” o ex-governador Mário Covas dois anos antes da hora, e o recente vacilo da Bloomberg, que colocou no ar por instantes o obituário de Steve Jobs, da Apple.

São as agruras do jornalismo.