Arquivo da categoria: Entrevistas

A Playboy entrevista Steven Jobs

“My God! I drew a circle!”.

Era Andy Warhol gritando em êxtase ao ser apresentado, em janeiro de 1985, a uma grande invenção: o mouse. Ou melhor, o mouse (criado anos antes por Douglas Engelbart) associado a um Macintosh, da Apple.

Quem apresentava a revolução ao homem que notabilizou a sopa pronta Campbell’s era, claro, Steve Jobs.

Tudo sob o olhar atento do repórter David Sheff, que publicou na Playboy americana em 1º de fevereiro de 1985 uma entrevista com o então enfant terrible da revolução da computação pessoal (e ainda chamado “Steven” pela mídia).

A conversa aborda todos os bodes na sala que ele colocara ali – a ponto de ser escanteado ao comando de um time que, teoricamente, cuidaria de produtos menos importantes da empresa – mas que saiu-se com o Macintosh, se não um campeão em vendas (pudera, caríssimo), um produto diferenciado.

“Você nunca guarda rancor de um filho”, diz, ao falar sobre as brigas dentro da companhia.

Em 17 de setembro daquele ano, a Apple demitiu Jobs.

O resto é história.

‘O jornalismo impresso vende informação, não papel’

Uma entrevista que concedi a alunos da faculdade de jornalismo da UniverCidade, do Rio.

– O senhor estreou como repórter da Folha da Tarde, trabalhou no Diário do Grande ABC, na Gazeta Esportiva, entre outros; e inovou usando o jornalismo na transmissão de dados online. Como ocorreu essa transição do jornalismo impresso para o online?
Na verdade, ainda estamos em pleno processo de acomodação. Eu não diria transição porque, ao meu ver, o termo pressupõe a substituição de uma coisa pela outra, quando na verdade o que há é a complementaridade entre os dois suportes. O jornalismo on-line começou basicamente como uma mera transposição do conteúdo em papel, a ponto de os sites nem sequer serem atualizados em tempo real (apenas uma vez por dia, mesmo timing do produto impresso). Com o passar dos anos – importante lembrar que a internet comercial chega ao Brasil em 1996 – o conceito de minuto a minuto foi se consolidando, mas mais importante do que ele é a compreensão das ferramentas que a plataforma multimídia colocou à nossa disposição. O meio on-line comporta absolutamente todas as outras mídias (TV, rádio, livro etc), e saber se mobilizar nesse mundo é algo que leva tempo. Pior: nem bem sabemos o que fazer na web e surgiram os celulares e seua aplicativos. Daí toca a aprender a explorar esse novo ambiente. E surgem os tablets. Enfim, é uma corrida sem chegada.

– Com um papel importante na consolidação dos novos processos jornalísticos e como pesquisador de novas mídias, o senhor acredita que o jornalismo impresso corre o risco de acabar? Necessita de renovação? O que precisa mudar?
O jornalismo impresso há muito deixou de ser um produto de massa, e nem por isso acabou. Assim como o rádio não acabou com o papel e não foi exterminado pela TV. As mídias são complementares. Por uma questão de sustentabilidade (seu processo industrial é caro e danoso para o meio ambiente), é natural supor que o jornalismo impresso passaria por uma retração. Porém, em países emergentes como o Brasil, ele ainda tem décadas de expansão. É bem diferente da situação do hemisfério norte, onde a própria penetração da banda larga (e há um estudo ótimo de Alan Mutter sobre o tema) colabora para a queda de circulação dos jornais. Jornalista não vende papel, vende notícia. Pouco importa em que suporte se está. Acho que em grande medida os impressos têm sabido trabalhar de forma complementar com seus sites e oferecer, nas bancas e a assinantes, produtos diferenciados recheados com mais análise e opinião – algo que, fora os blogs, deixa a desejar na web.
– Quais atividades o senhor realiza no jornalismo multimídia e, principalmente, quais realiza hoje e que não desempenhava no jornalismo impresso?
Meu próprio cargo atual só existe por causa do avanço tecnológico (sou editor de mídia social e jornalismo colaborativo), mas posso ser considerado uma exceção entre os colegas. Muito antes da internet eu já gravava áudios e vídeos e fotografava. Nesse aspecto, pessoalmente, não incluí em minha rotina como jornalista multimídia nada que eu já não fizesse antes (claro que para outras mídias que não apenas o jornal).
– O jornal impresso é limitado pelo tamanho das colunas ou pelo tempo, mas na internet, sobretudo blogs, não há limites, como garantir a qualidade da informação? Como perceber os interesses por trás de determinada ideia?
É o grande problema da internet: a falsa impressão de que ela comporta tudo. Não é verdade, existe limite físico de armazenamento de dados. Não só o limite da existência do elemento químico com a qual as mídias armazenadoras são produzidos, mas o próprio limite financeiro de se bancar expansão eterna de servidores para atender a uma demanda específica. No caso do jornalismo on-line, a sensação de que ele proporciona espaço para tudo provoca a catastrófica mania de se publicar tudo, relegando a edição para o último plano. Ora, editar é o ato de escolher, e na internet nós jornalistas deveríamos fazer mais opções – digo entre publicar e não publicar – para limpar um pouco a rede de bobagens. É o grande buraco do jornalismo on-line. Quando à motivação de pessoas que usam a rede para apurar/difundir/analisar informação, preciso deixar claro que eu considero, antes de mais nada, um direito fundamental da pessoa, jamais um monopólio dos jornalistas. Interesses estão por trás de ideias muito antes da internet, é um apanágio da humanidade. Checagem e amplo conhecimento do que pode motivar, por exemplo, uma denúncia é um dos passos para reduzir esse risco.
– E ainda, um bom jornalista passa a ser redefinido como alguém que é bom o suficiente em qualquer mídia. Quais características um jornalista deve possuir para se sair bem no meio multimídia?
Reiterando, o jornalismo trabalha com informação, não com papel, ondas magnéticas ou banda larga. O bom jornalismo como o conhecemos continua com os mesmos critérios. Só há dois tipos de jornalismo: o bom e o ruim.

As antológicas entrevistas da The Paris Review

Fundada em 1953, a revista literária The Paris Review ganhou uma antologia agora traduzida para o português.

Trata-se de entrevistas célebres da publicação, que desde sua criação sempre deu mais espaço aos autores do que aos críticos.

Além da qualidade dos entrevistados, nem é preciso dizer que os textos (e os diálogos) são primorosos.

Quem dispensar o trabalho de mediação do curador que organizou o livro pode ir direto ao acervo da revista, aberto na internet.

Castells: ‘As redes sociais não são uma virtualidade em nossa vida: é nossa realidade que se fez virtual’

Encerro hoje a semana Manuel Castells, iniciada na terça-feira com a entrevista que o sociólogo espanhol concedeu a mim e que foi publicada pela Folha de S.Paulo. Foi apenas parte de conversa que, além de política, girou muito, claro, sobre internet e redes sociais.

Castells, um dos mais relevantes pesquisadores da web, está especialmente atento ao que acontece hoje nas redes sociais, um espaço ocupado por 1,6 bilhão de seres humanos _e ainda contando.

“As redes sociais começam para valer em 2002, com o Friendster. Ou seja: a pré-história tem menos de dez anos. Essa é a velocidade com a qual estamos trabalhando”, disse.

Era a resposta à minha pergunta sobre a durabilidade das redes (pouco antes, Castells já havia decretado a morte do Twitter). O sociólogo mostra ter uma certeza: que a facilidade de construção de novas redes torna as pessoas totalmente desapegadas às já existentes. “O fundamental das redes sociais é que qualquer jovem que conhece algo de tecnologia e que tem muito pouco capital pode imediatamente construir uma rede social”, afirma.

É o que lhe faz acreditar que modelos que buscam a monetização via cobrança ou controlam excessivamente os usuários estão fadados aos fracasso. “O Facebook ensaiou cobrar e em três dias mudou de ideia porque milhões de pessoas se moveram para outras redes. O dia em que ele tente controlar mais o que acontece lá dentro, as pessoas irão para o Facebook ao lado. Se todas as redes comerciais entrarem num acordo, se criarão outras redes. As possibilidades são ilimitadas.”

Para Castells, quem tentar restringir o acesso na internet ficará isolado.

“Estamos em um mundo de redes sociais. Hoje as pessoas relacionam sua vida física com sua realidade na rede. Estão integradas. Não é uma virtualidade em nossa vida, é nossa realidade que se fez virtual. Essa é uma mudança fundamental. O que a internet permitiu é a autoconstrução das redes de relação, da organização social e das redes de pensamento. É a primeira vez na história que se produz uma autoconstrução da sociedade nessa escala.”

Castells e o jornalismo: ‘ser uma gota a mais num oceano de informação não faz muita diferença’

“As redes na internet abrem o jogo das ideias para todo tipo de ideia. Desta forma, a sociedade se expressa mais abertamente”, disse o sociólogo espanhol Manuel Castells, 68 anos e um dos principais pesquisadores sobre o comportamento humano na rede, em conversa que tivemos na semana passada (e sobre a qual você já leu um pedaço aqui).

A frase introduziu a parte em que falamos sobre jornalismo e a avalanche de informação _a trajetória de mídias de massa a massas de mídia, como bem define Ramón Salaverría. Castells acredita, como a gente, que o jornalismo se beneficiou da conversação e da abundância de informação na web.

“Os jornalistas recebem mais informação e, se enfrentam alguma restrição de seus chefes para publicar, podem sempre recorrer ao argumento de que se não publicarem, alguém o fará. Então a internet também ampliou a liberdade para os jornalistas, que sempre, ou quase sempre, lutaram pela liberdade de informação mas também eram prisioneiros de interesses políticos e comerciais em suas empresas”, diz o sociólogo, lembrando a era da publicação pessoal e a possibilidade de difundir informação sem permissão de ninguém.

A outra observação de Castells vai ao encontro do que dizemos há tempos: que a credibilidade restou como o último bastião da mídia profissional desde que o cidadão tem acesso às mesmas armas tecnológicas que ela.

“A única vantagem que têm os meios de comunicação estabelecidos é a credibilidade, o profissionalismo. Nunca se sabe se uma informação na internet é correta, há milhões de informações. Para ter credibilidade, é preciso transmitir a informação correta. A política de meios de comunicação mais exitosa é aquela que afirma o profissionalismo e a independência. Senão, para ser uma gota a mais num oceano de informação, não faz muita diferença.”

Castells: ‘Se um país não quer mudar, não é a internet que irá mudá-lo’

A Folha de S.Paulo publicou hoje entrevista que fiz na sexta-feira com o sociólogo espanhol Manuel Castells, pesquisador-referência no que diz respeito à sociedade em rede.

O enfoque no caderno de Eleições, claro, são as relações entre poder político e cidadãos, que agora além do mesmo país coexistem também nas mesmas plataformas na internet.

Durante a semana, outros assuntos que abordei com Castells _como jornalismo e Twitter_ vão aparecer por aqui.

Até.

‘É preciso humildade para entender a importância do discurso do público’, diz editor de Época

Conheci Sérgio Lüdtke, 49 anos, hoje editor da revista Época, numa viagem em que pretendia entender a interação e integração de redações no Grupo RBS, que sempre trabalhou com o conceito de rede _jornal, rádio, jornal e web mesclados, em boa medida com os mesmos jornalistas-grife passeando por todos.

Lüdtke é um dos defensores do conceito de “perseguir a audiência” (diferente de Paco Sánchez, aqui também entrevistado, que teoriza que a originalidade do conteúdo fará seu público o encontrar).

Perseguir a audiência significa, muitas vezes, dialogar com “gente que dá um carteiraço ao contrário, você quase nunca sabe com quem está falando”, como diz Lüdtke. Mas ele não desiste nunca. “É preciso humildade para entender a importância do discurso do público”, afirma. Leia a entrevista completa abaixo.

Às vezes eu acho que somos jornalistas diferentes. Entendemos a importância do discurso do público, damos valor a ele, buscamos nossa audiência… Estamos errados?
Estou convicto de que estamos certos, mas é preciso admitir que temos a facilidade histórica de contar com a internet. Como ela é o primeiro meio a possibilitar a interação com o público pelo próprio meio, é uma via em dois sentidos, a percepção da audiência que conseguimos no jornalismo online não era possível aos profissionais de jornal, rádio e TV. A experimentação de um diálogo franco e intenso com o público nos permite entendê-lo melhor, conhecer suas opiniões, mas também suas deficiências, suas incompreensões. Creio que é essa possibilidade de leitura da realidade, reforçada pela enorme capacidade de mensuração dos meios digitais, que nos diferencia. Não quer dizer que sejamos diferentes, mas temos tudo para ser.

Há uma distância, no entanto, entre a possibilidade e a efetividade. Para entender a importância do discurso do público é preciso também uma dose de humildade. Não é fácil, em meio a tantas atividades, parar para dar atenção – e às vezes até razão – a sujeitos cuja identidade não é revelada, autenticada ou reconhecida. Gente que dá um carteiraço ao contrário, você quase nunca sabe com quem está falando. Mas esses sujeitos anônimos são aqueles para quem sempre trabalhamos, desde o surgimento do primeiro jornal, e que agora também podem – e querem – ter um nome. Eles podem ser a extensão dos nossos olhos e nossos ouvidos, ser a nossa quase onipresença. Nosso trabalho é editar.

Você pode, melhor do que ninguém, falar sobre a importância do clique. Temos nossos mantras, mas vários deles ainda engatinham no quesito consumo de massa. Na maior parte das vezes funciona mesmo o que todo mundo quer ver, ou melhor, o que todos os portais estão publicando, numa mimetização impressionante. Até que ponto essa imitação dos sites noticiosos ajuda quem prega colaboração e participação no processo de construção das notícias?
A internet pode se estabelecer como um meio de massa, mas a quase totalidade de seu conteúdo não. Os portais, principalmente aqueles que têm na origem grupos de comunicação que já operavam outras mídias, levam para a internet a reprodução de seu modelo offline. E ao apostar editorial e publicitariamente em volume de audiência, deixam de lado aquilo que é a melhor possibilidade da internet: a de, independente do volume de pessoas conectadas, falar de um para um. Acredito que isso vá mudar muito nos próximos anos. A fragmentação é irresistível, mesmo numa área aparentemente muito concentrada como a das redes sociais. Não que não haja espaço para o mainstream, para o blockbuster, para a celebridade, mas esse é um terreno em que todos fazem mais do mesmo. Todos se repetem. É onde ainda faz diferença a idéia de Home de portal: tem mais cliques quem tem mais audiência e faz as escolhas mais adequadas a seu público. Mas isso só gera volume e uma posição no Ibope. O que, reconheço, não é pouco. Até por que a publicidade, que igualmente herdou o modelo, também vende volume. Não acredito que esse modelo vá prevalecer.

Os portais, por outro lado, podem usar inteligentemente a força de suas urls para promover o conteúdo gerado pela audiência, principalmente de usuários pouco experientes. Lembro que há alguns anos tínhamos que pedir à audiência para mandar fotos da mãe, do cachorro ou até da sogra. Era uma futilidade necessária para gerar a experimentação necessária, testar a usabilidade das ações. Hoje isso já é uma rotina, mas está na hora do editor-chefe do portal pensar nisso além da rotina e de uma forma menos burocrática.

O jornalismo colaborativo é apenas uma moda? Essa coisa de aplaudir o ‘meu-cachorro-fez-xixi-no-poste’, às vezes louvado como colaboração, faz algum sentido? Não temos nós, os ‘profissionais’, que sermos confrontados por eles, os ‘amadores’, e não nos colocarmos numa eterna posição de mediador?
Não acho que seja moda, mas devemos evoluir numa relação que preserve a responsabilidade com o conteúdo que oferecemos a nossa audiência. Seria impossível competir – se essa fosse a intenção – com a capacidade de captação de uma legião de olhos e ouvidos atentos e equipada com celulares, câmeras e gravadores. Além disso, independente da nossa vontade ou concordância, as pessoas já possuem seus espaços na web e lá publicam e compartilham o que bem entendem. Estamos na era do Eu.com. Nosso desafio está mais na capacidade de identificar, valorizar e descobrir formas de agregar esses conteúdos para oferecê-lo ao nosso público do que no confronto ou menosprezo com aquilo que é gerado pelo público.

Blogar serve para que?

Blogar saiu de moda, e faz algum tempo eu falava exatamente sobre os “diários pessoais” na web com o professor André Rosa (o Marmota, na blogosfera), um precursor desta plataforma.

Assim, conversamos sobre as mudanças que o avanço tecnológico trouxe para a profissão. Rosa (que ministra cursos ligados à web no Comunique-se) é definitivo: o desdém pelas novas mídias está deixando para trás os jornalistas que não querem se ocupar delas.

Você é uma das primeiras pessoas de meu entorno a “ter um blog”, isso deve ter sido em 2000, um pouco depois da pré-história. O que você acreditava que faria na época com aquela ferramenta e como enxerga a transformação pela qual passou o relato cotidiano em ordem cronológica reversa, que já foi até padrão em home page de site noticioso importante?
Foi em 2002, já na “idade da pedra polida”. Já naquela época, duas coisas me chamaram atenção. A primeira: não vou precisar mexer em códigos HTML e FTP num serviço de hospedagem gratuito para atualizar um site. A segunda: podia usar este espaço como “válvula de escape”, para textos que não tinha razão de escrever onde trabalhava. Com o tempo, percebi que esta facilidade em publicar trouxe outros objetivos à baila, desde a busca por reputação (técnica, literária, entre outros temas…) até a tal “monetização”. Com outros impactos visíveis, como empresas perdendo dinheiro diante de comentários maldosos de consumidores na rede, o blog definitivamente deixou de ser visto como “diário virtual”. Ainda sobre essa transformação, dá pra enxergar uma curva, quase como uma parábola: um início de descobertas, uma explosão até o auge e, finalmente, uma queda no volume de usuários, passada a euforia. Agora, quem ainda mantém blogs são aqueles que ainda os consideram úteis. E é curioso como este mesmo ciclo está acontecendo agora com o Twitter, não? E vai se repetir com a próxima tecnologia que irá mobilizar um grande número de usuários no futuro, graças a sua facilidade…

O jornalista é, antes de tudo, um teimoso? Essa coisa de “eu conheço quem sabe” nos dá um incremento exponencial no muxoxo ao contato com novas tecnologias, como se pudéssemos recuperar o tempo perdido no período de uma ligação para algum guru de mídia?
Quanto a teimosia, não tenho dúvidas! Mas não sei ao certo se isso reflete na relação dos jornalistas com tecnologias. Tanto é que muitos profissionais pioneiros na web tiveram que lidar com provedores de conexão discada, servidores de hospedagem, scripts gratuitos, entre outras “gambiarras” capazes de resolver problemas como narrações ao vivo, fóruns de debates, chats com convidados… Entre outras coisas que hoje são indispensáveis em qualquer cobertura. Por um lado, é evidente que nem todo jornalista precisa entender todas as tecnologias, e historicamente isso nunca foi um “problema” – quem trabalha em jornal terá mais dificuldades para lidar com TV, por exemplo. Agora, optar pelo desdém da rede neste cenário implica outro ônus, que vai além do simples uso das ferramentas: entender a mudança de lógica, que está mexendo com a profissão. Talvez isso não se resolva com um telefonema (ou e-mail) a um especialista.

O que o avanço da tecnologia fez com o jornalismo que nós ainda não percebemos claramente? Digo, quais devem ser nossas prioridades num mundo em que pessoas, instituições e governos conversam entre si, sem a nossa mediação?
Essa é a pergunta do milhão, Alec. Tem um paper do Nic Newman que traz um balanço interessante do movimento das mídias sociais, ressaltando as eleições do Irã como um desses exemplos a serem analisados com calma. Esse mesmo documento traz uma observação óbvia, mas que ultimamente anda me incomodando um pouco. Ele lembra que, nos últimos 15 anos, tivemos três fases distintas envolvendo ferramentas de publicação e seu uso pelo mainstream, especialmente os sites de notícia: os quadros de aviso num primeiro momento; os blogs num segundo; e finalmente os sites de relacionamento e outras ferramentas, como Twitter, Facebook. E estas fases se sobrepõem, o que representa um volume sem precedentes na participação das pessoas, dentro ou fora destes sites de notícia. O que ainda não percebemos claramente é de que forma essa profusão de mensagens, muitas vezes fragmentadas, repetitivas ou mesmo irrelevantes, poderão fazer sentido. O desafio do jornalista não está apenas em filtrar e encadear estas mensagens – como muitos já sugerem, tornar o profissional um “gatekeeper” constante – mas em desenvolver um ambiente que represente uma “quarta fase”, dentro desta linha sugerida pelo Nic Newman. Meu palpite é a de que, para isso, serão priorizadas questões como a própria relevância destas participações. Mas é só um palpite, lógico.

‘O negócio de mídia é um negócio de identidade. Você tem que ter algo a dizer, e com estilo único’

Paco Sánchez é um das poucas pessoas que realmente dá para chamar de mestre. E não apenas porque ele é professor de jornalismo (tive o prazer de ser seu aluno no Master em Jornalismo Digital Multimídia, no ano passado _sua disciplina, Planejamento de Conteúdos, valeria um semestre inteiro).

Paco também é diretor editorial do jornal espanhol La Voz de Galicia e tem bastante a dizer sobre a espécie de “crise de conteúdos” que estamos assistindo no jornalismo, em geral, e no on-line, especificamente, num momento em que todos os sites se parecem bastante entre si.

O diagnóstico de Paco é preciso. “O negócio de mídia é um negócio de identidade. Você tem que ser alguém com algo a dizer, e dizê-lo com um estilo único”. E como encontrar esse estilo? Leia a conversa que tivemos recentemente.

Paco, você defende que os portais de internet tiveram uma má influência sobre o menu dos sites jornalísticos em geral. Explicando isso melhor: você acredita que a competição por audiência leva sites menores ou “independentes” a, em alguma medida, apenas replicar o conteúdo alheio para não parecer desatualizado?
Eu acho que alguns jornais perderam, na internet, a identidade que têm no papel. Isto é grave. Claro que afeta principalmente os jornais com menos recursos, mas também alguns grandes. Se você se guiar apenas pelas páginas mais vistas, por estratégias de SEO, pode cometer erros absurdos. Por exemplo, é possível que as dez matérias mais acessadas de um jornal sejam superficiais, frequentemente frívolas, replicadas de agências internacionais ou capturadas em outro lugar.

Se quem gerencia o conteúdo se deixa levar por esses resultados e programa mais matérias parecidas, está cometendo dois erros simultâneos de percepção: seu público não chegou ao jornal por causa daquele conteúdo e o usa apenas como passagem (“vejo o noticiário do time de futebol local e aproveito para clicar nessa matéria da Britney Spears”). O que atrai o leitor é informação diferenciada. Se seu objetivo era ler sobre Britney Spears, provavelmente ele entraria em outro site, mais específico, com o qual não poderíamos competir. Se, apesar de tudo, o objetivo do usuário era Britney Spears, provavelmente caiu em nosso site através de um motor de busca. É, portanto, um leitor puramente aleatório, com o qual dificilmente podemos construir uma audiência estável. Então,se nós seguirmos este tipo de estratégia, só conseguiremos visitas hoje, e fome amanhã. E o pior: alguns periódicos de papel começaram a permitir que os resultados de acesso de sua edição on-line passassem a influenciar a agenda de conteúdos na edição impressa. A última gota.

Outro de seus mantras é que nós, jornalistas, não devemos procurar a audiência, mas ao contrário: pela qualidade e originalidade de nossos conteúdos, as pessoas virão até nós. Primeiro que eu adoraria tê-lo como chefe (risos). Sério, como se equilibra isso? Eu não posso manter um site que ninguém acessa. Isso significa que é importante saber o que os usuários querem, certo? Ou não, o jornalismo profissional deve saber quais são as notícias mais relevantes e não pode viver ao sabor da preferência do público?
Estava me referindo mais ao meio, como corporação, dos que aos jornalistas individualmente, ainda que de certa forma seja possível aplicar o conceito também. Em geral, a grande mídia nasceu de uma pessoa ou um grupo de pessoas que tinham algo a dizer e ecoou em uma audiência grande ou importante. Se o processo for ao contrário, raramente funciona.

Sempre lembro que Roberto Civita dizia que, primeiro, imaginava a revista que queria fazer, a que agradava a ele, e só depois começava a fazer pesquisas. O negócio de mídia é um negócio de identidade. Você tem que ser alguém com algo a dizer, e dizê-lo com um estilo único. O sucesso da The Economist é muito bem explicado a partir dessa perspectiva.

Há também exemplos no sentido oposto: no final do ano passado, houve alguma celeuma entre o público do jornal diário espanhol El Pais porque o diário criticou fortemente o governo socialista. Não era o que esperavam muitos leitores, embora o veículo estivesse certo, e alguns até mesmo chegaram a expressar o descontentamento emmento

público de uma forma muito significativa: “Este não é o meu ‘País'”. Com a identidade não se brinca.

Se estamos aguardando apenas o parecer volúvel que nos chega através de pesquisas de marketing, o destino mais provável é uma identidade confusa ou diluída e os termos se invertem: já não somos alguém que tem algo a dizer, e a audiência deixa de precisar da gente. A crise de tantas revistas noticiosas tradicionais tem a ver, em parte, com um processo dessa natureza.

Palavras suas: um jornal impresso tem valor por cerca de quatro horas. O que pode ser feito nas outras 20h para manter o público interessado? Você se lembra de exemplos de jornais que estão otimizando suas operações em grande parte através de intervenções nas suas edições digitais (editorial e produto)?
Com essas palavras o que eu quis dizer é que quase 100% dos exemplares diários impressos são vendidos quatro horas depois de publicados. O resto da venda é marginal. Isso não significa que as informações contidas no jornal expirem. Na verdade, minha proposta é encontrar maneiras de continuar lucrando com todo o volume de informação que continua a ser válida e útil em sua grande maioria.

A indústria do audiovisual entendeu isso muito bem desde o início, com alguma frequência amortiza investimento ou até mesmo começa a gerar lucros quando o filme estreia nos cinemas, mas ela passará anos tirando partido do produto, seja na TV paga, na TV aberta, no pay-per-view, no mercado de DVD etc.

Já existem muitos veículos que utilizam seu conteúdo impresso, aparentemente defasado, para agregar valor à edição eletrônica ou revendê-lo de outras maneiras: não só o The New York Times ou CNN, mas também meios pequenos já são capazes, por exemplo, de converter seu cartunista em uma marca ou vender as fotos do dia.