Arquivo da tag: Estado de S.Paulo

Com que capa eu vou?

Detalhe da primeira página do Extra, do Rio de Janeiro, publicado em 26 de junho de 2009

Detalhe da primeira página do Extra, do Rio de Janeiro, publicado em 26 de junho de 2009

Um blog coletivo de fotógrafos escolheu a capa do Extra, do Rio de Janeiro, como a melhor publicada no mundo em 26 de junho de 2009 entre as que elegeram destacar a morte de Michael Jackson na primeira página.

Quem discorda que me apresente outra.

Destacar é diferente de manchetar. A amiga Cristina Moreno de Castro colecionou manchetes e não manchetes sobre o crepúsculo do popstar. Não manchetar com uma notícia dessas é o cúmulo do autismo. É viver num mundo paralelo e totalmente fora de timing.

Estadão e O Globo, por exemplo, deram espaço nobre na capa para o inesperado óbito. Mas não era a manchete _isso tecnicamente, só para lembrar, porque academicamente há a discussão se o assunto que aparece com mais destaque na primeira página de um jornal é a verdadeira manchete, independentemente de convenções gráficas.

Em vários momentos de pasmaceira do noticiário os jornais não souberam oferecer investigação própria e material exclusivo. Quando irrompe uma notícia do tamanho de um Godzilla dentro da redação, a reação é manter o plano original de publicar uma sequência de matérias sobre a crise no Senado?

A colega Luciana Moherdaui desceu a lenha na empre (adoro chamar a imprensa escrita de empre), eu não li toda a produção dos impressos, mas vi muita coisa e concordo com ela. A questão, para além disso, é o que oferecer.

É sério, o que fazer numa hora dessas? Forrar o jornal de artigos, análises e cronologias “bem sacadas”? E o que mais? É difícil, senhores. A informação em tempo real exaure as chances de publicar exclusividades.

Mas veja a importância do rótulo: não li a cobertura do Extra, mas vendo aquela capa eu não tenho dúvida que valeu a pena. Mesmo que tenha sido só pela capa.

PS – Demorou, mas um leitor achou o jornal que destacou (diga-se, sem ser manchete) a morte do astro com o singelo título “Peter Pan morreu”. Nessas horas eu tenho vontade de sumir.

Detalhe da primeira página do Jornal de Jundiaí publicado em 26 de junho de 2009

Detalhe da primeira página do Jornal de Jundiaí publicado em 26 de junho de 2009

ATUALIZAÇÃO: A Veja que circula neste sábado emulou a capa do Extra. Válido?

Capa da revista Veja que circulou em 27 de junho de 2009

Capa da revista Veja que circulou em 27 de junho de 2009

O leitor Vagner chama a atenção ainda para o Meia Hora, do RJ, que transformou uma das primeiras piadas infames sobre a morte do astro em linha fina de uma manchete anódina (“Nasceu negro, ficou branco e vai virar cinza“).

Também vale destacar a manchete do Diário de S.Paulo (o eterno Dipo, pra quem é velho de guerra na profissão), que tentou sair do hard news e manchetou “Michael Jackson deixa dívida de US$ 400 milhões. Foi massacrado. É a tal história: se o jornal diz que o homem morreu, não apresentou novidade alguma. Se parte pra voo solo, corre o risco de se esborrachar.

Venham fazer jornal impresso no nosso lugar, então.

Os jornais em papel respiram nos EUA

Em tempos bicudos, soam como música as palavras do editor administrativo do Wall Street Journal, Robert Thomson. “Depois de tanto tempo de escuridão, surgem os primeiros raios solares no horizonte”.

Ele está se referindo à publicidade nos jornais em papel, que há uma década está em franco declínio nos Estados Unidos e, agora, parece renascer das cinzas. Para Thomson, fruto (como sempre) da credibilidade, o maior patrimônio que o jornalismo imprenso conseguiu construir século após século.

“Em tempos de turbulência, as pessoas querem um porto seguro”, disse ele.

Lembre-se que, no Brasil, a situação é bem diferente: desde 2007 as receitas publicitárias dos maiores jornais brasileiros não param de subir. É só você ver as edições de hoje de Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo (e as de amanhã, seguramente) para constatar que, ao menos nesse aspecto, a crise ainda não chegou.

O estranho caderno especial do Estadão

O Estado de S.Paulo soltou um caderno especial bastante esquisito nesta quarta. Em papel especial e sob o título Made in Brazil, o produto de 28 páginas em formato diferenciado (lembra o 3030, aqui citado algumas vezes) é um folhetim institucional da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (doravante designada Apex), estatal sob responsabilidade de Miguel Jorge, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

As reportagens (são várias e envolveram produção de foto, em menor escala) são assinadas por freelances especialmente para o centenário jornal paulistano.

Os títulos são genéricos (enfraquecendo pautas que, a distância, pareceram boas, ao menos em seu conceito) e, no geral, tecem loas ao trabalho da agência pública.

O problema é que não há expediente nem a informação (talvez sobre a manjada tarja “informe publicitário”) sobre a motivação do caderno.

Quando publicitário tenta imitar jornal, o resultado é sempre uma catástrofe

Só hoje, lendo a coluna de Carlos Eduardo Lins da Silva na Folha de S.Paulo, fiquei sabendo do auto-atentado contra a credibilidade jornalística perpetrado pelos três grandes jornais brasileiros na semana passada (Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e O Globo), que colocaram suas capas (inteiras, sob um constrangedor esclarecimento “capa promocional”) a serviço de um anunciante.

Consultei os alfarrábios aqui (sabiamente, os jornais durante a minha ausência foram “arquivados” na portaria do prédio) e fiquei estarrecido. O pior é que se trata de uma discussão muito antiga. É impossível que pessoas com experiência nesta profissão desconheçam o estrago que esse tipo de publicidade pode provocar entre seu público leitor.

Por isso, vou me prender a outro aspecto da questão: é bem verdade que a publicidade garante a tão decantada independência dos veículos jornalísticos, mas se torna ridícula quando tenta imitar o jornalismo. Falo especificamente do anúncio do Banco do Brasil que ofensivamente buscou, a exemplo de outras tantas peças desastradas desse tipo na história, imitar a primeira página dos dois principais jornais brasileiros.

Publicitário mal sabe fazer anúncio, imagine jornal. Se Estado e Folha fossem diagramados da forma como aparecem no anúncio do banco estatal, não passariam de jornalecos de fundo de quintal. Ali está tudo errado, e neste momento falo apenas do ponto de vista gráfico: fontes equivocadas, entrelinha incompatível, brancos insuportáveis em títulos, texto sem título, enfim, toda sorte de absurdos.

Nem entro no mérito do texto, porque afinal de contas ele não é jornalístico mesmo (apesar de os publicitários terem se achado o máximo ao pensar que estavam fazendo um lide).

Este novo episódio de subserviência dos jornais à publicidade também serve a nós, que estamos estudando mais de perto os projetos gráficos e suas implicações, como um ótimo exemplo de coisas a não serem feitas jamais se estivermos pensando em bom jornalismo. E me arriscaria a dizer aos publicitários que eles também, se estiverem pensando em boa publicidade, ou precisam riscar essa fórmula da caderneta ou aprender a fazê-la.