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O manipulador

Ele desmascarou uma série de repórteres preguiçosos e desatentos, da grande imprensa ao blog de fundo de quintal. Ele é Ryan Holiday, um mentiroso contumaz que escancarou a falta de credibilidade do jornalismo que cai no conto de qualquer um.

Sua história está no livro “Acredite, Estou Mentindo – Confissões de Um Manipulador das Mídias“.

E agora, Buffet?

Depois de comprar 28 jornais nos últimos 15 meses nos Estados Unidos, o multimilionário Warren Buffet, em carta aos acionistas de sua empresa, diz que continuará a fazê-lo mesmo admitindo que “a circulação, faturamento publicitário e lucro do setor jornalístico como um todo estão destinados a cair”.

À parte o romântico “eu amo jornais” no texto, Buffet apresenta os reais motivos de seu investimento: a aposta na mídia regional, o bom e velho conceito hiperlocal que, dizemos há anos, parece ser de fato a saída mais interessante para um produto que perdeu a primazia de ser o arauto do noticiário.

“Se você deseja saber o que está acontecendo em sua cidade – notícias sobre o prefeito, impostos locais ou o resultado do time de futebol americano da escola secundária -, não há substituto para um jornal local que esteja fazendo bem o seu trabalho. Um leitor pode facilmente se entediar depois de ler dois parágrafos sobre as tarifas canadenses ou os desdobramentos políticos no Paquistão, mas uma reportagem que fale sobre ele e seus vizinhos será lida até o fim”, pontua a carta.

Porém Buffet não menciona um aspecto crucial (e óbvio) para se fazer “bem o seu trabalho” em jornalismo hiperlocal: é preciso jornalistas. Não há agências de notícias ou sites na internet cobrindo o time de várzea de seu bairro e oferecendo material pronto para republicação a respeito da quitanda da esquina.

Portanto, diferentemente do mau jornalismo de caráter nacional (onde cabeças são cortadas impiedosamente, e as redações se desidratam dia após dia), para apostar no hiperlocal é preciso contratar repórteres e editores.

Buffet irá na contramão do mercado?

 

O bloquinho sumiu, mas o repórter tinha faro

Essa quem me contou foi o colega Mauricio Puls _e é uma boa oportunidade para lembrar o excelente repórter George Alonso.

A história comprova como o faro e a pulga atrás da orelha são inerentes ao jornalista de verdade (ainda que ele seja uma catástrofe de desorganização).

Corria o ano de 1995. Era o início do governo Mário Covas, e seus secretários tomavam posse.

A Alonso coube cobrir o primeiro dia de trabalho de Sérgio Barbour, indicado pelo governador tucano para a pasta do Esporte e Turismo. Mera formalidade: o espaço reservado para o ato de posse era o que se chama na Folha de S.Paulo de “módulo 200” (um pequeno texto de cerca de 20cm normalmente editado abaixo da dobra do jornal _em resumo, uma notícia sem grande importância).

Alonso conversou rapidamente com Barbour, que lhe contou (gaguejando, diga-se) ter trabalhado na Sabesp após longa folha de serviço prestado à Comgás.

Desorganizado que só ele, Alonso voltou à Redação e largou suas anotações numa mesa clássica dos que exercem essa profissão: cheia de papéis inúteis.

O bloquinho sumiu e, para não pegar mal com o novo secretário, Alonso decidiu pedir o currículo diretamente à secretaria estadual _o pedido chegou por fax, e por aí você já tem uma noção temporal violenta).

O tal currículo não trazia nenhuma referência à Sabesp, única informação dada por Barbour que Alonso se lembrava sem precisar do apoio do bloquinho sumido (encontrado horas depois após megablitz).

Intrigado, o repórter procurou a Sabesp. Ninguém conhecia Barbour. “Sérgio o quê? Vamos falar francamente. Realmente, não sei quem que é”, disse um ex-diretor da estatal de água e saneamento.

Surgia ali o furo “Secretário de Covas era fantasma na Sabesp“, com o saboroso outro lado concedido por Barbour que rendeu o título “Eu não era assessor de aparecer, pô!”.

Uma joia do faro jornalístico.

Uma imprensa para cada um

Mais de uma vez já escrevi aqui que se no meu tempo houvesse o acesso à tecnologia que vivenciamos hoje, talvez nunca teria trabalhado numa redação _faria jornalismo cidadão com meu celular ou netbook, numa boa, publicando tudo num blog ou coisa que o valha.

É sério. Com as armas que todos dispomos agora, quase idênticas às do jornalismo profissional, não faz muito sentido se acotovelar numa redação em busca de um lugar ao sol.

Ao jornalista de carreira, é verdade, há o privilégio da legitimação. Um exemplo bobo, mas prático: após o jogo de futebol, ele tem acesso a treinadores e jogadores, coisa que um cara que faz jornalismo como hobby tem de sofrer para, talvez, conseguir _sim, a internet permite conquistar legitimação (e os vários casos de jornalistas independentes com acesso aos personagens do noticiário prova isso).

O jornalista profissional tem ainda, à frente de si, a relevância e a credibilidade do veículo que representa. Não é pouco e abre portas.

Uma iniciativa individual pode atingir esse patamar, mas é uma trilha bem mais cansativa. Possível, mas desgastante.

A foto lá de cima, o equipamento individual de um freelancer, não pode intimidar. Com muito menos (e eu sou testemunha disso) dá para fazer bom jornalismo.

Mas, sinal dos tempos: é frequente ver outsiders muito melhor equipados _e sintonizados com a agilidade que nossos tempos pedem_ do que repórteres do mainstream.

Uma reportagem chocante

Eu sempre quis postar o choque ao vivo que Lasier Martins tomou em plena reportagem, ao vivo, no Jornal do Almoço, telejornal vespertino mais assistido do Rio Grande do Sul.

Não há um gancho, apenas a necessidade de se registrar isso aqui.

São as agruras da TV ao vivo.

Leituras de domingo

#ficaadica: A revista Fronteiras-Estudos Midiáticos, do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos (RS).

Coisas bacanas e boas discussões.

A insuportável indignidade de ser repórter

John Carlin escreve um texto bastante forte (e direto) sobre o que ele chama de “a insuportável indignidade de ser jornalista”.

Basicamente é o desabafo de um repórter esportivo obrigado a conviver com milionários (os personagens das notícias, ou seja, jovens jogadores alçados de repente ao estrelato) e as dificuldades de entrevistá-los.

“A primeira exigência para ser um repórter é a persistência, virtude admirável condenada sempre a beirar a humilhação”.

Carlin descreve como nós, em busca de um entrevista, somos obrigados a esperar e suplicar (às vezes, rastejar). No caso de esportes, e ele detalha isso bem, é clara a distância entre jornalista e fonte _de fato, muitas vezes é mais difícil conversar com a nova estrelinha do futebol do que com o próprio presidente da República.

E há saída? “Vingar-se da profissão e virar assessor de imprensa de um clube ou encontrar a salvação na pré-aposentadoria jornalística do escritor de colunas opinativas”, receita.

Hilário, ao mesmo tempo triste, mas absolutamente verdadeiro.

Repórter entrevista gato e reconstitui acidente de trânsito no Chile

Imagine cobrir um acidente de trânsito e ser capaz de resgatar, passo a passo, o comportamento e a percepção do gato causador da capotagem _que deixou quatro feridos, dois deles em estado grave.

Foi o que fez um repórter do Diario de Aysén, de Coyhaique, na Patagônia chilena. A matéria dele deixa claro: o cara sabia exatamente o que fazia e “pensava” o felino ao atravessar inocentemente uma avenida e cruzar o caminho de um Jeep Cherokee.

“O gato escutou o motor do carro, à distância, rompendo o silêncio, chegando cada vez mais rápido. Então, assustado, decidiu daquilo que parecia ameaçá-lo. O motorista do carro mal viu a negra silhueta que cruzava o seu caminho”, diz a reportagem, que informa em primeira mão: “O gato, do outro lado da rua, girou a cabeça e observou por um segundo o jardim da praça destruído, com as flores espalhadas pelo chão, e desapareceu”.

Senhores, esse repórter entrevistou o gato. É um fenômeno.

PS: Capaz de os defensores do jornalismo literário (essas duas palavras que não se bicam) acharem legal. O webfanzine Disorder já decretou o autor da pérola “o pior jornalista do Chile“.

Memórias do furo do século, 70 anos depois

O Telegraph resgatou neste final de semana a trajetória de uma ex-repórter do periódico que entrou para a história ao dar o furo do século.

Clare Hollingworth, hoje aos 96 anos, tinha 26 quando estava na fronteira da Polônia com a Alemanha e testemunhou a invasão do país pelo exército de Hitler _o episódio foi o pretexto para a eclosão da Segunda Guerra Mundial.

“Mil tanques estão na fronteira polonesa. Há relatos de que existem dez divisões do exército alemão prontas para iniciar o ataque. A máquina militar alemã está a postos para entrar em ação”, diz a reportagem de Clare publicada no Telegraph de 29 de agosto de 1939.

E ela estava lá quase por acaso. Tinha sido contratada pelo jornal na véspera e viajou para a Polônia para preparar uma série de reportagens sobre refugiados do país. Acabou vendo o desenrolar da história diante de seus olhos.

Detalhes inesperados e saborosos que dão aspecto agradável a uma profissão tão dura quanto ingrata.

Daí eu me lembro de Paco Sánchez e sua observação, despojada e ao mesmo tempo pretensiosa, sobre os jornalistas: “Somos os Homeros de nosso tempo”.

Passaralhos vitimam mais editores e redatores, não repórteres

Carlos d’Andrea destacou, em seu bom artigo “Collaboration, Editing, Transparency” [PDF, 155k] na última edição da Brazilian Journalism Review, uma matéria de Carl Stepp publicada em abril pelo American Journalism Review.

Stepp detectou que as principais vítimas dos passaralhos nas redações americanas são editores e redatores, não repórteres.

É falsa, portanto, a premissa de que a redução de custos na imprensa dos EUA teria relação direta com a diminuição do número de repórteres _que muita gente considera a peça mais importante da engrenagem jornalística_ na imprensa em geral.

Essa observação corrobora outra percepção, esta no jornalismo on-line, de que a cada dia diminuem as etapas entre a concepção do texto e o leitor. Na web, o repórter já possui hoje uma autonomia que o permite publicar, diretamente e sem filtros, um texto num site.

Ou melhor: atesta que repórteres estão assumindo funções cada vez mais relevantes no fechamento.

Como manter (ou subir, nosso desafio é subir) a qualidade assim?