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Novas velhas mídias

Os protestos de rua no Brasil não são apenas contra a política. Todas as instituições estão no centro da fúria do cidadão que, agora percebeu, não é mais representado por elas. Isso inclui, é claro, a mídia. É também uma crise de credibilidade, não apenas de representação.

Mas ao mesmo tempo em que clamam pelo fim do jornalismo profissional graças à facilidade da circulação de informação dotada pela tecnologia, é na “velha mídia” que as pessoas vão beber sua indignação contra Felicianos e Calheiros da vida, como bem pontua Marcelo Coelho.

Há anos venho dizendo que uma parcela considerável (para não dizer a totalidade) da blogosfera, digamos, “informativa”, desapareceria no segundo seguinte ao apocalipse da imprensa formal.

Isso é extensivo, é claro, ao ambiente de redes sociais, onde a repercussão do noticiário é frequente – inclusive no modo filosofal com que as pessoas têm usado essas ferramentas, ou seja, meramente com o intuito de manifestar seu brilhante pensamento vivo, via de regra motivado por alguma notícia produzida por um profissional.

Onde quero chegar: não existe nova ou velha mídia. O que existe somos todos nós juntos, ajudando a construir uma narrativa, auxiliando-nos uns aos outros no processo de construção e análise do noticiário.

É isso o que verdadeiramente mudou – para muito melhor – com a tecnologia.

O café do Guardian e a coexistência

A notícia de que o Guardian abriu um pequeno café em Londres poderia ser a ocasião ideal para materializar, num veículo importante, experiências de convívio entre jornalistas e leitores como os que pequenos veículos da Alemanha e da Suíça já protagonizaram.

Num tempo de coexistência pro-am, mas via redes sociais, espaços de verdade frequentados por ambos ajudariam bastante no processo de construção coletiva do que conhecemos como noticiário.

A ideia do café, por sinal, é bastante antiga, mas funcionaria melhor se, estrategicamente, estivesse localizado ao lado da redação. Infelizmente, o local serve apenas à marca institucional do diário.

Um golpe no jornalismo cidadão?

Essa é muito boa para a pequena coleção de argumentos dos que costumam desvalorizar o jornalismo cidadão por uma suposta falta de credibilidade: no domingo, o iReport, espaço colaborativo da CNN, deixou passar uma história sobre Randall Stephenson, CEO da AT&T, que teria sido encontrado morto em sua “mansão multimilionária”.

Era mentira, um trote, mas o mais curioso é que a AT&T (provedor de acesso à web mais utilizado nos Estados Unidos) tomou suas próprias providências e bloqueou um dos fóruns mais movimentados da web americana na qual a informação já bombava e era debatida com fervor (do iReport a “notícia” foi excluída rapidamente).

Não foi a primeira vez que o iReport foi ludibriado por, digamos, engraçadinhos.

Evidente que a possibilidade de trotes não é uma exclusividade da era da conversação e altíssima tecnologia _eu vou voltar no tempo só até 1983, quando internet era um termo usado apenas por militares e alguns acadêmicos, para citar o caso Boimate, no qual a revista Veja foi enganada por uma brincadeira de 1º de abril.

São inúmeros esses “descuidos” editorais que remontam, certamente, à própria época de Gutemberg.

Não têm a ver, portanto, com a produção colaborativa de notícias. Mas é sempre bom repetir e reforçar, porque senão vai aparecer gente dizendo “tá vendo? eu sabia!”.

Isso não exclui a possibilidade de se fazer uma reflexão sobre qual o melhor processo de inserção do público dentro do noticiário.

O iReport, como se sabe, não possui moderação nem edição posterior, ou seja, as notícias ali publicadas (salvo se são mentirosas _mas de fácil checagem, convenhamos, senão jamais serão descobertas) não passam por qualquer jornalista profissional antes de ir ao ar.

Algumas, de tão boas, vão parar no site da CNN em pessoa (a empresa afirma que, até hoje, de quase 321 mil textos postados, 699 chegaram ao mainstream).

Pessoalmente, eu prefiro a mediação e a convivência pro-am, quer dizer, entre profissionais e amadores, o que dá origem ao jornalismo que conceituo como participativo _ou seja, o público efetivamente está participando de um processo. Falamos mais disso em breve.

Notícias do jornalismo cidadão

Vindas diretamente da Espanha, duas recentes menções ao jornalismo cidadão me chamaram a atenção.

A primeira é do designer Javier Errea, que está por trás do redesenho de jornais premiados e verdadeiramente novidadeiros neste museu de grandes novidades que é o jornalismo impresso.

“O bom jornalismo, sinto muito dizê-lo, nunca será feito por leitores ou usuários, mas por bons jornalistas. Não que a informação pertença aos jornalistas, eu não sou corporativista, acredite. Mas desconfio muito da moda. E vivemos uma moda de jornalismo participativo”, afirmou.

Do outro lado do balcão, o amador Eduardo Arcos rejeita o rótulo de “jornalista cidadão” e diz que ele não existe _Tiago Dória já falou sobre este texto, mas atraído pelo canto da sereia. Arcos cobra um reconhecimento do mainstream (leia-se: crédito) e tenta se posicionar no palco. Ele pede holofote, o que é péssimo (até porque, no geral, esse crédito sempre existiu).

Diz que os amadores são usados pela grande mídia e lembra que, na era da publicação pessoal, qualquer um pode publicar fotos, textos ou vídeos (ou o que seja) na internet, dispensando a presença de uma corporação.

Daí lembrei que tenho uma restrição ao consenso de que jornalismo participativo (ou colaborativo) e cidadão são sinônimos. Pra mim, não são. A participação me supõe uma mediação profissional. Daí participação. Participar do processo de contextualização de uma notícia. O jornalismo cidadão entendo como o ambiente em que pessoas colocam no ar, sem edição profissional, seus conteúdos noticiosos.

Preocupam-me, também, as duas visões. A do insider, caso de Errea, que vê moda numa coisa inexorável que a tecnologia deu a todo mundo. Ele, moderno no design de notícias, é um dinossauro quando o assunto é conversação.

E a do blogger espanhol ressentido, que se sente usado pela grande mídia (parar de reportar talvez seja a solução?).

Os dois estão bem errados.

Mas legal que tem mais gente falando sobre essa encruzilhada (texto caudoloso em espanhol, mas bacana).