Cesar Maia, prefeito do Rio, distribui de segunda a sexta uma newsletter com opiniões, informações sobre sua atuação pública e divagações. Ela, que já foi um blog (daí o pouco feliz, mas engraçado, nome de “Ex-blog”), pode ser assinada aqui.
Alertado por Leopoldo Godoy (que comanda o “8bitsemeio“), resolvi trazer aqui largo trecho do boletim desta terça-feira, no qual o político discorre sobre como enxerga a imprensa e este “novo” meio, a Internet. Vale lembrar que Maia, certamente, tem uma intimidade com o computador que muitos jornalistas (vergonha!!!!) não têm. Há quem diga, inclusive, que ele _em vez de administrar a cidade_ passa o dia diante do laptop.
Enfim, não é esse o propósito aqui. Apenas reproduzo abaixo o que o prefeito escreveu como um registro de uma fonte relevante comentando o nosso trabalho. Alguma coisa observada por Maia é absolutamente verdadeira. E passível de reflexão.
Atualização: só depois me toquei que talvez fosse bacana comentar item a item as opiniões de Maia. Vamos lá? Em bold, minhas intervenções:
PARTE DA IMPRENSA NÃO ENTENDE A INTERNET COMO UM MEIO DE COMUNICAÇÃO!
1. O prefeito do Rio comentava a este Ex-Blog, que achava curioso que sempre que ele responde uma pergunta por e-mail, de TV, Rádio ou Jornal, o veículo cita esse fato: – O prefeito respondeu por e-mail que… Curioso porque nunca dizem que o ministro respondeu por telefone, ou o deputado respondeu num gravador, ou que respondeu cara a cara num restaurante ou em seu gabinete. Por que a internet merece um destaque negativo, ou um “caco” como se fosse uma forma menor de responder a indagação de um repórter?
Hum… será? Dizer que alguém falou a um gravador claro que não, é bobagem, mas alguns jornais têm como padrão informar como se deu a conversação com um entrevistado. No caso do e-mail, pode se tornar informação essencial, pois justifica eventuais questões não rebatidas pelo repórter, naturais num papo pessoal.
2. A internet é um veiculo de comunicação, tanto quanto o telefone e a palavra, e ao mesmo tempo um meio de comunicação como a imprensa. Mas -como sempre- em períodos de mudança de padrão tecnológico, o hábito dificulta a compreensão de quem por anos opera da mesma forma, com saudades da gravata desapertada, da mesinha com papéis, da máquina de escrever, de um telefone que levava horas para chegar ao entrevistado, do bom papo no bar…
Pura verdade. A resistência a mudanças é uma característica do ser humano, não poderia ser diferente com os jornalistas. Ainda há profissionais em “redações de papel” que não checam e-mails (simplesmente por não considerar a tarefa importante) ou que gritam aos quatro cantos que, se fazem papel, fazem on-line, “afinal, jornalismo é jornalismo”. Não é.
3. Para os jornais só vale a entrevista com um gravador na mão e um fotógrafo do lado. Para o rádio só vale a entrevista com um gravador, estúdio ou telefone e a voz ao vivo. Para a TV só vale a entrevista com as imagens editadas do entrevistado respondendo.
É evidente que, para as mídias TV e rádio, as sonoras (declarações gravadas) são essenciais. No jornal papel, recomenda-se gravar todas as entrevistas para segurança jurídica (combater eventuais desmentidos). Na Internet, se eu tiver áudio e vídeo agregado ao texto, terei cumprido ainda melhor meu papel.
4. Na entrevista por e-mail a resposta vai editada e sucinta. Não há pergunta-pegadinha, não há foto, não há imagem editada, não há voz… Mas por outro lado há a vantagem -cada dia maior- de entrevistar, consultar, perguntar, esclarecer, a qualquer hora do dia e da noite. Ontem com equipamentos fixos, os comentários eram de que o entrevistado ficava sentado atrás de um micro, o dia inteiro. Mas esses comentários permanecem num quadro em que os equipamentos são móveis e miniaturizados, com antena e portanto a disposição do entrevistado e do repórter o dia inteiro em qualquer lugar.
É o que comentei no item 1: por e-mail, é mais difícil para o repórter retrucar e corrigir declarações sabidamente equivocadas. Em compensação, a disponibilidade e agilidade citadas por Maia são, até aqui, insuperáveis. Tanto que ele próprio, volta e meia, é pego por um jornalista mais ágil que responde ao mail-resposta com ponderações (Maia se comunica muito por e-mail), não é respondido e cita que sua réplica foi ignorada _ao menos até o horário de fechamento.
5. Num período de transição como ainda estamos por aqui, tudo isso choca e se torna incompreensível para uma cultura tradicional de imprensa. Isso atrasa a comunicação especialmente num mundo rápido. Alguns jornais pensam que a edição do jornal na internet deve ser uma reprodução eletrônica do jornal, quase que como uma cópia página a página. Na verdade o veículo com isso não muda. Todos os jornais do Rio fazem isso, pensando a internet como extensão do jornal. Não é!
Meia verdade: passamos desse estágio já, mas caminhamos lentamente. A Internet chegou aos jornais brasileiros exatamente assim, como a versão on-line da edição em papel. Hoje temos, em maior ou menor nível, atualização diária. Mas ainda grassa nas redações de papel um analfabetismo tecnológico assustador. Tanto que são poucos os veículos que possuem profissionais polivalentes, ou seja, que transitam pelos dois meios.
6. Na edição do jornal na internet com as matérias devem ser listadas verticalmente, sem diagramação, sem leads e ou manchetes ou destaques, o editor é cada leitor pessoalmente. Uma micro-noticia pode ser a noticia relevante para quem lê e não a que o editor daquela página gostaria. A ausência de fotos nas páginas internas na edição internética, rompe com a hegemonia da imagem e garante a hegemonia do texto, do conteúdo e a hierarquização feita pelo consumidor.
Aos trancos e barrancos e de forma oblíqua, Maia toca no ponto que muitos jornalistas (nem os exclusivamente on-line) perceberam: que a edição é, de fato, do leitor. Não apenas por causa do feed, mas pela possibilidade de escolher a ordem a leitura ou procurar o que deseja numa máquina de busca (os atalhos que fazem prever a gradual desimportância da home page).
7. O que hoje é percebido como mau uso do tempo ou ausência física, será em breve o cotidiano da imprensa, com a internet como vanguarda ou pelo menos entendida como meio com características próprias. A agenda externa fechada evita que a presença da cobertura da imprensa dramatize o contato com a população, sempre pronta para dizer o que a faz aparecer no dia seguinte ou no mesmo dia nas páginas, voz ou tela. E aí temos uma caricatura e não um retrato do fato, independente que a avaliação do repórter seja essa ou aquela, para abrir (rádio e jornal), ou fechar (TV) a matéria.
Não entendi nada. E você?
8. A liberdade de imprensa não pode ser vista só, como a liberdade dos meios de comunicação. É também a liberdade dos entrevistáveis que podem escolher seus métodos. Amanhã muitos que ainda não sabem, saberão que perderam tempo nestes tempos de mudança, e que o mundo da comunicação já não era/não é o mesmo.
A tecnologia assegura não só a liberdade do entrevistado, como também a da ex-audiência, cada vez mais dotada de recursos antes exclusivos dos profissionais de comunicação. É o “We the Media” preconizado por Dan Gillmor. Aqui, o prefeito acertou na mosca.