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Efeito colateral

Editor do The Guardian, Alan Rusbridger deu uma entrevista sobre o caso Snowden que mostra bem a pressão psicológica a que todos os jornalistas envolvidos nesse escândalo de espionagem estão submetidos – ele mostrou até uma placa de computador destruída por agentes britânicos.

Ignorando os sinais

Os norte-americanos, em particular, e o mundo não deram bola aos sinais, dados pela mídia há anos, de que a megavigilância da Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA, em sua sigla em inglês) já tinha ultrapassado todos os sinais e estava fadada a virar escândalo.

Na revista New Yorker desta semana, Hendrik Hertzberg aponta três momentos em que o jornalismo abordou a extensão dessa bisbilhotice, a primeira delas em 2000, portanto ainda na “era da inocência” que antecedeu os atentados de 11 de setembro de 2001. Ouça o podcast do colunista.

Naquele ano, o “60 Minutes”, principal programa jornalístico da TV americana, abriu uma reportagem sobre privacidade dizendo ser enorme a probabilidade de ter uma ligação telefônica ou e-mail interceptado pela agência de inteligência.

Em 2006, o USA Today deu grande espaço a uma reportagem que denunciava a mesma NSA por coletar irregularmente dados de clientes das operadoras de telefonia AT&T, BellSouth e Verizon – e chamava a atenção para o fato de que a maioria não era suspeita de nenhum crime.

Em 2010, portanto já sob Obama, o Washington Post revelou que 1,7 bilhão de e-mails, telefonemas e outros dados eram interceptados diariamente pela agência.

A notícia velha que virou escândalo já tinha passado por alguns dos veículos mais relevantes dos EUA. Como ninguém notou?

A propósito, só agora o grande personagem por trás de tanta bisbilhotice sai da sombra: o todo-poderoso general Keith Alexander, comandante da inteligência e da ciberguerra americanas.

Inócua, ciberperseguição ao WikiLeaks revela ignorância do poder

A ciberperseguição a Julian Assange e seu WikiLeaks chega a ser tão perturbadora quanto reveladora ao escancarar que os governos realmente não compreenderam a internet e a completa inutilidade de tentar controlá-la.

É quase o mesmo efeito dos próprios papéis diplomáticos que o site se propôs a vazar, que apenas confirmam o que já se imaginava sobre o funcionamento da diplomacia internacional.

A disputa de gato e rato entre Assange e aqueles que querem o seu pescoço só traz à tona o que já desconfiávamos havia bastante tempo.

Quando o sociólogo espanhol Manuel Castells, provavelmente o maior pensador contemporâneo da vida em rede, afirmou que os governos têm medo da internet porque não possuem controle sobre ela, acrescentou que a tentativa de fiscalização sempre estará entre as prioridades do poder político.

Basta lembrar da China, que mais do que um poderoso (porém sempre contornável) firewall que tenta impedir o acesso a páginas específicas, tem um verdadeiro batalhão de barnabés para pescar palavras-chave e censurar, o quanto antes, manifestações indesejáveis.

Em vão: a rede é um mundo composto de múltiplas vozes e alternativas onde não há patrão ou mandachuva.

No caso do WikiLeaks, é ainda mais risível a tentativa de expulsá-lo da rede.

Ora, a partir do momento em que a ONG fez parcerias com grandes grupos da mídia tradicional para dar mais repercussão e credibilidade aos papéis que conseguiu com exclusividade, sua própria presença na internet, como um site devidamente estabelecido numa URL, deixou de ser necessária.

Além disso, como já está acontecendo, basta Assange estalar os dedos para que um número incontável de pessoas se disponha a abrigar o conteúdo que tanto desconforto tem provocado no meio político e diplomático.

Para quem acha que a internet não tem regras, eis uma delas: não mexa com comunidades conectadas, porque você irá perder.

Experimente tentar tirar do ar uma página hospedada no Uzbequistão, por exemplo. É melhor esquecer.

Sites-espelho, aqueles que meramente reproduzem conteúdo, existem desde o começo da web _e não vão acabar por um decreto de um governo poderoso qualquer.

É outra certeza que o Cablegate deu ao mundo: a ignorância do poder quando o tema é a vida em rede. Coisa que a gente já desconfiava, não é mesmo?

(O texto acima, de minha lavra, foi publicado na edição de ontem do jornal Folha de S.Paulo)

Castells: ‘As redes sociais não são uma virtualidade em nossa vida: é nossa realidade que se fez virtual’

Encerro hoje a semana Manuel Castells, iniciada na terça-feira com a entrevista que o sociólogo espanhol concedeu a mim e que foi publicada pela Folha de S.Paulo. Foi apenas parte de conversa que, além de política, girou muito, claro, sobre internet e redes sociais.

Castells, um dos mais relevantes pesquisadores da web, está especialmente atento ao que acontece hoje nas redes sociais, um espaço ocupado por 1,6 bilhão de seres humanos _e ainda contando.

“As redes sociais começam para valer em 2002, com o Friendster. Ou seja: a pré-história tem menos de dez anos. Essa é a velocidade com a qual estamos trabalhando”, disse.

Era a resposta à minha pergunta sobre a durabilidade das redes (pouco antes, Castells já havia decretado a morte do Twitter). O sociólogo mostra ter uma certeza: que a facilidade de construção de novas redes torna as pessoas totalmente desapegadas às já existentes. “O fundamental das redes sociais é que qualquer jovem que conhece algo de tecnologia e que tem muito pouco capital pode imediatamente construir uma rede social”, afirma.

É o que lhe faz acreditar que modelos que buscam a monetização via cobrança ou controlam excessivamente os usuários estão fadados aos fracasso. “O Facebook ensaiou cobrar e em três dias mudou de ideia porque milhões de pessoas se moveram para outras redes. O dia em que ele tente controlar mais o que acontece lá dentro, as pessoas irão para o Facebook ao lado. Se todas as redes comerciais entrarem num acordo, se criarão outras redes. As possibilidades são ilimitadas.”

Para Castells, quem tentar restringir o acesso na internet ficará isolado.

“Estamos em um mundo de redes sociais. Hoje as pessoas relacionam sua vida física com sua realidade na rede. Estão integradas. Não é uma virtualidade em nossa vida, é nossa realidade que se fez virtual. Essa é uma mudança fundamental. O que a internet permitiu é a autoconstrução das redes de relação, da organização social e das redes de pensamento. É a primeira vez na história que se produz uma autoconstrução da sociedade nessa escala.”

Castells: ‘Se um país não quer mudar, não é a internet que irá mudá-lo’

A Folha de S.Paulo publicou hoje entrevista que fiz na sexta-feira com o sociólogo espanhol Manuel Castells, pesquisador-referência no que diz respeito à sociedade em rede.

O enfoque no caderno de Eleições, claro, são as relações entre poder político e cidadãos, que agora além do mesmo país coexistem também nas mesmas plataformas na internet.

Durante a semana, outros assuntos que abordei com Castells _como jornalismo e Twitter_ vão aparecer por aqui.

Até.

O trabalho mais auditado do mundo

É mesmo surpreendente e curiosa a visão que as torcidas têm do trabalho jornalístico formal _ao mesmo tempo em que martelam na tecla de sua gradual irrelevância, o que, sob a luz da era da publicação pessoal, caminha para uma definição conceitual.

Carlos Fernández Liria, escritor e professor de Filosofia da Universidade Complutense de Madrid, mostra-se totalmente descido do muro ao comentar como a imprensa espanhola se comporta ao cobrir o movimento bolivariano, comandado por Hugo Chávez nas Américas.

“Na Europa há muita censura, a mídia só contrata jornalistas que digam o que lhes interessa”, afirma Fernández.

Claro exagero, mas que passa aquele recado: a internet ampliou a vigilância do público, e o trabalho jornalístico, provavelmente, é o mais auditado do mundo.

Merece até uma quantificação.

Navegadores decifram seu RG na rede

Os navegadores também deixam impressões digitais enquanto você surfa na internet. Logo, você pode ser identificado.

A revelação, feita após estudo conduzido pela Electronic Frontier Foundation (EFF), mostra que dados banais como tipo de browser, sistema operacional e plug-ins podem, em conjunto, decifrar o RG cibernético do usuário.

Estes três dados são armanezados por praticamente todos os sites de busca quando você os conecta para fazer uma pesquisa.

Em julho, a EFF mostrará as conclusões do projeto Panopticlic num simpósio em Berlin.

Enquanto isso, no Brasil, discutimos se o Marco Civil Regulatório da Internet deve sugerir a guarda de dados do usuário por pelo menos um ano (a Polícia Federal defende que sejam três), contra seis meses do projeto original.

Como vimos, estamos cercados de ferramentas que rastreiam nosso comportamento on-line, elas apenas não estão nas mãos das “autoridades”.

Não é uma grande vantagem.

Usuários se rebelam e ‘completam’ o G1

O canal de microblog automatizado e desgovernado do G1

O canal de microblog automatizado e desgovernado do G1

Terminei há pouco de ministrar um intensivão de multimídia/convergência (foram ao todo oito horas de aula para a nova turma do Treinamento da Folha) e, como sempre quando se está em sala de aula, os alunos descobrem o mais bacana por si sós. Bem por isso é legal lecionar.

Dei muita ênfase, na conversa (sobre a qual falarei com mais detalhes em breve, com direito a slides e links úteis), sobre a diferença entre presença e atuação on-line. Não são, como pode parecer, a mesma coisa.

Meu exemplo preferido é a conta de Twitter do site noticioso G1, que além de ser automatizada (publica imediatamente todo o conteúdo que entra no site), está desgovernada. Possui um erro, como o que eu exibo acima, absolutamente insuportável: quando um título possui aspas, ele é abruptamente interrompido.

Vai daí que, em sala de aula, descobrimos na busca da ferramenta que já existe uma mobilização de usuários fazendo troça desta inaceitável maneira de administrar um produto jornalístico (que, antes de mais nada, precisa de gente manipulando, não de robôs).

É o “complete o G1“, bem-humorada reação de gente decepcionada com erros que tornam as notícias incompreensíveis. Basicamente: eles decidiram completar ao seu bel-prazer os títulos interrompidos. Hilário.

E por que o G1 não faz nada para arrumar esse erro? A história é tão prosaica que provavelmente vc não acreditará quando eu contar…

ATUALIZAÇÃO: o grande André Marmota, aí embaixo nos comentários, fez um trabalho de arqueologia twitterística e diz ter encontrado a origem da comunidade #completeog1 num tweet de 26 de fevereiro.

Leia também: Usuários se mobilizam e obrigam G1 a ‘se completar’