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No meio da tragédia, um jornal escrito a mão


O terremoto seguido de tsunami e crise nuclear que devastaram o Japão proporcionaram cenas extraordinárias de superação e disciplina.

É o caso de seis redatores do Ishinomaki Hibi Shimbum, que durante seis dias foi escrito a mão e distribuído por eles nos abrigos em regiões mais seguras da cidade.

Nas matérias, os jornalistas relatavam os acontecimentos, alertavam sobre operações de resgate e pediam a participação dos leitores para que mais histórias fossem contadas.

Uma prova de amor à profissão e a compreensão de seu objetivo definitivo, que é servir o público.

O jornal feito a mão circulou entre 11 e 17 de março, quando a energia elétrica foi restabelecida em Ishinomaki.

O Newseum, principal museu de história da imprensa no mundo, já recebeu um exemplar para expor em seu acervo, aberto ao público em Washington (EUA).

A terceira bomba atômica do Japão


À esquerda, Sendai, 13 de março de 2011. À direita, Hiroshima, 6 de agosto de 1945.

Qualquer semelhança é puramente catastrófica.

Enganado por agência de notícias, fotógrafo ainda é processado por difamação


Estava na cara que um dia isso acontecer: um fotógrafo está processando a AFP (Agence France Presse) porque a empresa se apropriou de uma imagem postada por ele no Twitter.

A foto em questão foi tirada por Daniel Morel (ele próprio ex-empregado da agência de notícias francesa) durante o terremoto do Haiti.

Redistribuída posteriormente pela AFP, perdeu o crédito de seu autor original _uma constante em colaborações do jornalismo participativo, repare como as agências rapidamente incorporam seus créditos e tiram o cidadão da frente  o quanto antes.

Morel, que tinha acesso a um mailing de assinantes da AFP, disparou um e-mail protestando contra a tungada que levou. Extraordinariamente, o feitiço virou contra o feiticeiro: agora a agência também o está processando, por difamação e danos morais.

Na defesa da companhia francesa, letrinhas miúdas do Twitter que eu reproduzo, na íntegra e em inglês, abaixo.

“(…) submitting, posting or displaying Content on or through the Services, you grant us a worldwide, non-exclusive, royalty-free license (with the right to sublicense) to use, copy, reproduce, process, adapt, modify, publish, transmit, display and distribute such Content in any and all media or distribution methods (now known or later developed)”.

Você já tinha lido isso em seu contrato com o Twitter? Pois é, basicamente o trecho diz que, publicado, um post não mais o pertence: você dá ao mundo o direito de usar aquilo do jeito que bem entender.

Só agora entendi porque Morel limpou seu Twitter poucas horas depois de divulgar essa imagem. Estava se desenhando uma história bizarra de apropriação indevida que, aparentemente, tem o suporte da plataforma tecnológica.

Mas nada que a boa e velha justiça analógica não resolva.

Jornalistas ou filhinhos de papai?

Grande texto do espanhol El Mundo, que já tem mais de mês, sobre o momento em que jornalistas foram expulsos do aeroporto de Porto Príncipe pós-terremoto. E revelaram seus medos sem a tutela norte-americana no cenário de putrefação e catástrofe.

¿Puede un periodista ponerse a llorar cagado de miedo nada más poner un pie en Puerto Príncipe al verse rodeado de negros? Sí.

O correspondente Jacobo G. García fala mais: diz que “muitos jornalistas preferem viver debaixo da asa de uma organização qualquer do que enfrentar sozinhos uma cidade destroçada e desconhecida”.

E termina com um grande texto de Arturo Pérez Reverte, ele próprio correspondente de conflito/catástrofe, contando sobre a vez em que foi dado como desaparecido por sua redação na fronteira entre Sudão e Etiópia.

“En realidad fueron mi redactor jefe, Paco Cercadillo, y mis compañeros del diario ‘Pueblo’ los que me dieron como tal; pues yo sabía perfectamente dónde estaba: con la guerrilla eritrea.”

Esse entendimento do jornalismo como uma tarefa a destemidos vem de longa data.

É mais fácil fazer jornalismo em zonas remotas, de conflito, catástrofe e privação?

É mais fácil fazer jornalismo em zonas remotas e/ou de conflito, catástrofe e privação?

O trabalho do videojornalista holandês Ruud Elmendorp sugere que sim, assim como o de centenas de frilas e enviados especiais ao Haiti após o terremoto. É o ouro na mão: para onde você focaliza, há uma boa história a contar.

Elmendorp está na África abordando vários aspectos da vida no continente. E com uma visão de vídeo na web que eu defendo há tempos: nada de parecer TV. Ele apura, escreve roteiros, e cobre tudo com imagens e som ambiente (incluindo entrevistas informais). Não aparece fazendo passagens, essa instituição tipicamente televisiva da qual a rede precisa se libertar _ela é válida quando fazemos TV na web, não quando fazemos vídeos para a internet.

O holandês talvez esqueça o conceito ao ditar offs empolados, no estilo documentário _eu acho que nem off deveria haver, ou seja, que o bom vídeo na internet precisa prioritariamente de corte rápido, som ambiente e imagens incidentais. Imagens mais som ambiente têm de ser capazes de contar uma história. No caso de um produto associado a um jornal, por exemplo, é imperativo: é óbvio que há um texto complementar ao vídeo, o que dispensa a redundância. Não é o caso de Elmendorp, mas registre-se.

Enquanto isso, vi um vídeo em Veja que explora outro aspecto: o da “importância” de mostrar que realmente temos um enviado especial. A presença do repórter é totalmente dispensável nas imagens, rouba atenção dos enquadramentos mais importantes e _grave_ não acrescenta nada ao que certamente seu registro textual trará no final de semana.

Especificamente sobre o enviado de Veja (e minha observação acima é genérica, foi repetida por outros), no microblog sua presença é louvável, solícita e aberta à conversação. Uma aula de como fazer.

Mas que é mais fácil conseguir boas histórias em zonas remotas, de conflito, catástrofe natural e privação, isso é. Batata.

A derrota do cidadão (e o triunfo do jornalismo profissional) revisitados

O texto em que eu detectava a derrota do cidadão para o jornalista profissional na cobertura do terremoto no Haiti suscitou polêmica e debate. Ainda bem, pois exatamente para isso que foi concebido.

A colega Ana Brambilla percebeu algumas coisas como eu: que faltou conteúdo produzido ou atualizado pelo cidadão, especialmente no primeiro momento, e que nunca a mídia formal desesperou-se tanto por contribuição do público sem, entretanto, obter resposta.

Ela cita o trabalho de reportagem de Carel Pedre, a grande referência na cobertura da tragédia (ao lado do canadense Pierre Côté, este reportando de seu país, mas entrevistando, via webcam, muita gente que estava in loco). Ambos são jornalistas _Pedre é um dos mais populares radialistas do Haiti e ainda comanda programas na TV, enquanto Côté há tempos faz transmissões experimentais na web e vive de doações de sua audiência.

Yuri Almeida, aliás Herdeiro do Caos, corrobora minha sensação de que a exclusão digital pode ter sido determinante para explicar o vazio da cobertura cidadã. E cita o poder do rádio como provável canalizador de interesses comuns no cenário da tragédia. Isso só corrobora a tese de que, desta vez, a cobertura foi profissional.

Não estou assumindo a defesa liminar do jornalismo profissional, como fui advertido por quem lembrou do blog de estudantes da Unicamp que estão visitando o Haiti. O blog não foi citado no texto original porque tinha atualização muito deficiente nas horas que seguiram à tragédia, justo quando mais se precisava dele.

Depois de alguns dias, o grupo passou a escrever mais e postou até algumas fotos _uma possível demonstração de que o senso de agilidade, vital ao bom funcionamento do jornalismo, pode ser bastante distinto quando se compara amadores e profissionais.

Quem chegou eventualmente ao Webmanario por obra da busca “Haiti” + “terremoto” pensou estar diante do último bastião de defesa do mainstream. Nada mais equivocado. Os que conhecem o repertório deste site sabem que sou um dos maiores entusiastas da autocomunicação de massas _como tão bem definiu o sociólogo Manuel Castells ao se referir à era da publicação pessoal em seu livro “Comunicación y Poder“, recém-lançado.

O cidadão perdeu para o jornalista na cobertura do terremoto do Haiti, é fato. Que merece ser estudado para entendermos em que circunstâncias isso pode ocorrer de novo, desmontando ou ao menos limitando o mito da testemunha ocular onipresente habilitada a publicar na web algum pedaço da história que testemunhou.

Terremoto no Haiti: o cidadão perdeu para o jornalista

Virou clichê, nas grandes tragédias, incensar o Twitter e seu poder de instantaneidade e mobilização. É quando o jornalismo cidadão, essa prática tão saudável de apurar/analisar/difundir notícias (preceitos idênticos ao do jornalismo profissional), é notado.

No devastado Haiti, porém, o cidadão foi bem menos jornalista do que os profissionais: foram coleguinhas com experiência na condução de transmissões ao vivo que seguraram o grosso dos relatos e imagens in loco sobre o terremoto de 7 graus na escala Richter.

Depois deles, o microblog (com o Twitter na linha de frente, claro) se transformou de novo numa enxurrada de RTs de orações ou supostas informações de ajuda humanitária. Um volume comparável aos anéis de latas de alumínio colecionadas por gente que acreditava, há uma década, que as peças podiam ser trocadas por cadeiras de rodas.

Veja imagens do terremoto no Haiti

A ausência de cidadãos não jornalistas na cobertura da tragédia do Haiti sugere, numa análise rasa, que o povo do país não tem acesso nem aos mínimo dispositivos móveis. O que, se verdadeiro, desmistifica a crença na onipresença da testemunha ocular habilitada a publicar na web algum pedaço da história que testemunhou.

Ao mesmo tempo, insinua comprometimento de quem deve zelar, profissionalmente, pela difusão das notícias.

Um detalhe importante para entender o comentário: a rede de internet, em sua maioria acessada via satélite no Haiti, resistiu surpreendemente bem à tragédia. A telefonia celular apresentou problemas, mas permitia conexões eventuais.