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Nós, os leitores e o filho secreto de FHC

A minha ficha só caiu depois de ler, na seção de cartas de um jornal, um leitor intitulando-se “otário” por só agora ter ficado sabendo que o ex-presidente FHC teve um filho fora do casamento, ainda antes de ser presidente, com a jornalista Miriam Dutra, da Rede Globo.

Claro, o Brasil não é a França, onde casos extraconjugais de políticos são certos, sabidos _e não noticiados. E muito menos os Estados Unidos, onde por muito menos que um filho um presidente quase perdeu o cargo (é verdade que por mentir acerca de seu relacionamento com uma estagiária da Casa Branca, não pelo affair em si).

Será que de fato tratamos como idiotas os nossos leitores durante esse tempo todo? A informação sobre o filho secreto de FHC era, afinal, de interesse público?

Não importa, o fato é que nas redações o assunto era corrente há muitos anos, como uma busca despretensiosa no Google confirma (role a página e leia a nota ‘Conivência: não é bem assim’). Antes do Plano Real eu já sabia disso, pra você ter uma ideia. Estou falando de 1993…

E, mesmo assim, negligenciamos, deliberada ou inadvertidamente, uma informação que, anos depois, fez pelo menos um leitor se sentir um otário.

Eu não sei você, mas eu sinto que fracassei.

O cara que derrubou a mesa ao vivo

O jornalista Ney Gonçalves Dias despenca com uma mesa ao vivo, no pioneiro programa TV Mulher: sim, nós também falhamos

O jornalista Ney Gonçalves Dias despenca com uma mesa ao vivo, no pioneiro programa TV Mulher: sim, nós também falhamos

Sábado virou um pouco um dia do estranho, do bizarro e do inesperado no Webmanario _por sinal, essa deixa “estranho, bizarro, inesperado” era do programa Acredite se Quiser, exibido pela extinta TV Manchete nos anos 80.

Com o ator Jack Palance como anfitrião, a série exibia anomalias como comedores de bolas de sinuca e maridos de elefantas, mas também competentes reconstituições dos passos de personalidades históricas.

Na mesma época, eu também assistia (era um casa, a minha, cheia de seres humanos do sexo feminino) a TV Mulher, programa segmentado da Globo pioneiro na televisão brasileira.

A imagem daí de cima mostra um momento, que vi ao vivo, marcante para quem, já na época, queria ser jornalista: Ney Gonçalves Dias, que era justamente a voz mais jornalística do programa (se bem que Marília Gabriela ia bem, e Clodovil roubava a cena), simplesmente despencou com uma mesa em pleno ar.

Posso garantir que, quem via pela TV, ficou constrangido à máxima potência.

Foi quando percebi que nós, jornalistas, somos falíveis.

E como nossa imagem é nossa própria credibilidade.

Pra mim, Ney Gonçalves Dias virou o cara que derrubou a mesa ao vivo.

O direito de resposta mais célebre da história do jornalismo nacional

Visivelmente constrangido, Cid Moreira lê direito de resposta de autoria de Leonel Brizola

Visivelmente constrangido, Cid Moreira lê direito de resposta de autoria de Leonel Brizola

Fez 15 anos, praticamente incógnito, o direito de resposta mais célebre da história do jornalismo brasileiro: em 15 de março de 1994, visivelmente constrangido, Cid Moreira (que por 27 anos esteve à frente da bancada do Jornal Nacional) leu texto de 440 palavras que a Justiça obrigou a TV Globo a divulgar em seu telejornal mais nobre.

Foram cerca de três minutos nos quais Cid, a cara do JN, incorporou Leonel Brizola, então governador do Rio de Janeiro, que atacou duramente a emissora.

A ação de direito de resposta, obra do advogado Arthur Lavigne, foi inédita e abriu caminho para que os cidadãos buscassem amparo legal contra barbaridades cometidas pela imprensa _neste caso específico, num editorial, Roberto Marinho, o dono das Organizações Globo, havia chamado Brizola de “senil”.

Leia, abaixo, a íntegra do texto. E divirta-se com o vídeo deste momento histórico que minha amiga @fergiu me ajudou a relembrar dia desses.

“Todo sabem que eu, Leonel Brizola, só posso ocupar espaço na Globo quando amparado pela Justiça. Aqui, citam o meu nome para ser intrigado, desmerecido e achincalhado perante o povo brasileiro. Ontem, neste mesmo Jornal Nacional, a pretexto de citar o editorial de O Globo, fui acusado na minha honra e, pior, chamado de senil.

Tenho 70 anos, 16 a menos que o meu difamador, Roberto Marinho. Se é esse o conceito que tem sobre os homens de cabelos brancos, que use para si. Não reconheço na Globo autoridade em matéria de liberdade de imprensa, e, basta, para isso, olhar a sua longa e cordial convivência com os regimes autoritários e com a ditadura que por 20 anos dominou o nosso  país.

Todos sabem que critico, há muito tempo, a TV Globo, seu poder imperial e suas manipulações. Mas a ira da Globo, que se manifestou ontem, não tem nenhuma relação com posições éticas ou de princípio. É apenas o temor de perder negócio bilionário que para ela representa a transmissão do carnaval. Dinheiro, acima de tudo.

Em 83, quando construí a Passarela, a Globo sabotou, boicotou, não quis transmitir e tentou inviabilizar, de todas as forma, o ponto alto do carnaval carioca. Também aí, não tem autoridade moral para questionar-me. E mais: reagi contra a Globo em defesa do Estado e do povo do Rio de Janeiro que, por duas vezes, contra a vontade da Globo, elegeu-me como seu representante maior. E isto é o que não perdoarão nunca.

Até mesmo a pesquisa mostrada ontem revela como tudo na Globo é tendencioso e manipulado.

Ninguém questiona o direito da Globo mostrar os problemas da cidade. Seria, antes, um dever para qualquer órgão de imprensa. Dever que a Globo jamais cumpriu quando se encontravam no Palácio Guanabara governantes de sua predileção. Quando ela diz que denuncia os maus administradores, deveria dizer, sim, que ataca e tenta desmoralizar os homens públicos que não se vergam diante de seu poder. Se eu tivesse pretensões eleitoreiras de que tentam me acusar não estaria, aqui, lutando contra um gigante como a Rede Globo. Faço-o porque não cheguei aos 70 anos de idade para ser um acomodado.

Quando me insultam por minhas relações administrativas com o Governo Federal, ao qual faço oposição política, a Globo vê nisso bajulação e servilismo. É compreensível. Quem sempre viveu de concessões e favores do poder público não é capaz de ver nos outros senão os vícios que carrega em si mesmo.

Que o povo brasileiro faça seu julgamento, e, na sua consciência lúcida e honrada, separe os que são dignos e coerentes daqueles que sempre foram servis e gananciosos”.