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Morrendo de medo das pessoas

folha_newsQuando um veículo da envergadura da Folha de S.Paulo, o maior jornal brasileiro, sai novamente a público com a intenção de demonstrar que no jornalismo o furo “é resultado de técnica e trabalho profissional“, é porque definitivamente a mídia formal continua encarando a mídia das pessoas como um concorrente, não como integrante do ecossistema de notícias.

Chega a ser patético ter de lembrar ao consumidor, periodicamente (a mais recente havia sido o protagonismo do jornalismo tradicional no compartilhamento de notícias durante os protestos de junho), que a mídia está fazendo o seu trabalho.

Na era da conversação, isso não é mais o suficiente. Há, além das notícias em primeira mão produzidas pelo público, uma demanda crescente por parcerias amador-profissional, entes que se complementam, jamais se digladiam. Isso sim é fazer jornalismo do futuro.

CNN bomba sua “rede social de notícias”

No quinto aniversário do iReport, seu canal de jornalismo colaborativo, a CNN anunciou mudanças no que chama de “a única rede social de notícias” da web.

Agora, os repórteres-cidadãos têm homes personalizadas que além de catalogar o material que produzem, facilitam o contato.

O iReport é, de fato, a experiência mais bem-sucedida de convívio pro-am que se tem notícia na internet,

Livro analisa mudanças que a tecnologia impôs ao jornalismo

Numa era em que o avanço tecnológico deu uma imprensa particular para cada um, é impossível falar de jornalismo on-line sem abordar a participação do público.

O fim da fronteira entre mídia formal e a ex-plateia, como muito bem teorizou Jay Rosen (professor da Universidade de Nova York), é apenas um dos aspectos que a jornalista Magaly Prado aborda no livro “Webjornalismo”, lançado nesta semana pela Editora LTC.

Apesar de muitos jornalistas não terem percebido que seu trabalho mudou com a vida em rede, é óbvio que instâncias pessoais de manifestação (como os blogs) e a capacidade de vigilância e mobilização que a internet proporcionou às pessoas tornaram o fazer jornalístico um exercício de conversação.

Vivemos a época dos “‘produsers” _o termo é uma junção de produtor e usuário e foi cunhado em 2005 por Axel Bruns, autor de uma obra importantíssima para se compreender a transformação da profissão, “Gatewatching”, jamais traduzida para o português.

Com proposta didática e voltada para a sala de aula, Magaly discorre sobre essa nova e auspiciosa fase do jornalismo profissional, agora tocado a muitas mãos.

Mas é claro que a internet, onde a colaboração entre profissionais e amadores é muito mais evidente, também abriga práticas de jornalismo, digamos, tradicionais.

Com linguagem fácil e fragmentada (às vezes, fragmentada até demais), Magaly aponta boas práticas, mostra caminhos adotados no país e no exterior e, por meio de depoimentos de importantes profissionais da web brasileira (algumas vezes sem edição e publicados na íntegra), refaz a trajetória da plataforma desde 1995, quando desembarcou comercialmente por aqui.

Com cerca de 150 imagens, quase todas impressões de tela, o livro de Magaly também discorre sobre a chegada do iPad e sua influência na produção de conteúdo.

Ainda faltam, em português, obras que consigam abarcar toda a complexidade que a rede trouxe para o jornalismo. Mais difícil ainda é resumir, em papel, as vastas possibilidades do meio on-line nesta profissão tão antiga. O livro de Magaly é, nesse aspecto, uma boa tentativa.

WEBJORNALISMO
AUTORA Magaly Prado
EDITORA LTC
QUANTO R$ 40 (272 págs.)

(resenha que publiquei na edição de sábado da Folha de S.Paulo)

Notícias do jornalismo cidadão


Enquanto isso, pelo menos sobrevoe um estudo sobre jornalismo cidadão bem interessante.

Com a conclusão que já é consenso: a relação e cooperação profissional/amador só melhora o jornalismo.

Um laboratório de jornalismo comunitário

A eleição de ontem é um ótimo pretexto para falar do projeto de jornalismo comunitário que o amigo Bruno Garcez está tocando com a cara e a coragem.

O projeto multimídia (cujo resultado pode ser conferido no blog Mural) incentiva “correspondentes comunitários” a produzir textos, fotos e vídeos e já formou 40 alunos _blogueiros, jovens com alguma experiência em jornalismo e outros interessados egressos de comunidades de periferia e de regiões pobres.

O trabalho de Garcez é exemplo de como a convivência pro-am (profissionais e amadores) pode fazer bem ao jornalismo.

Profissionais e amadores se juntam e criam novo produto jornalístico

Nasceu, no Canadá, uma nova iniciativa de cooperação jornalística pro-am (ou seja, entre profissionais e amadores). O OpenFile nasce com a proposta de “criar uma conversação vibrante e em constante evolução entre criadores, agregadores e leitores de notícias”.

O projeto bebe um pouco no Spot.us, sobre o qual já falamos longamente aqui. Basicamente, leitores sugerem pautas que, depois, são repassadas a freelancers.

Diferentemente de sua fonte de inspiração, que vive de contribuições do próprio público, o OpenFile será mantido via receita publicitária (aposta arrojada nos dias de hoje, onde nem mesmo veículos de marcas importantes conseguem se sustentar desta forma na web).

A ver.

Jornalismo cidadão atira para todo lado

A participação da “ex-audiência” no jornalismo (o principal assunto sobre a profissão agora e pelas próximas duas décadas) ainda é heterogênea e sem critérios.

Uma análise detalhada do site coreano Ohmynews, bastante citado como a experiência mais bem sucedida de jornalismo colaborativo, evidencia claramente que não há rumo. Às vezes, valoriza-se o diferencial para escancarar a alardeada ruptura com a grande imprensa (que doravante quero chamar de mainstream, posso?). Noutras, concorre-se pobremente com ela.

Projetos participativos em português, então, são ainda mais inanimados. O Wikinotícias, com média de oito textos (ou notas?) publicados por dia e administrado por cães de guarda de sua própria comunidade, ainda é inqualificável.

Estruturado de forma diferente (há a mediação profissional sobre o trabalho do amador), o Brasilwiki aparenta ter mais solidez. Porém sofre do mesmo mal do site asiático, sua confessa fonte de inspiração.

Ao anunciar, em sua fundação, que “cada cidadão é um repórter” e que sua plataforma era claramente uma oposição ao mainstream, o Ohmynews explicitou que manchetes como a desta madrugada são seu business.

No caso, um texto pessoal impressionista, com incômodo nariz de cera, mas um ótimo diferencial do noticiário da grande mídia: um cara contando que a cidade inglesa em que viveu, Dewsbury, tem o inacreditável poder de atrair tragédias. Foram vários os casos Isabella Nardoni no município. O mais recente (nem tão fresco assim, é do início de fevereiro…) é citado en passant pelo autor no oitavo parágrafo.

No dia em que as autoridades do Banco Mundial previram que a incontrolável alta dos preços dos alimentos vai provocar guerra e fome no mundo (NOTA: eram as manchetes de CNN e BBC por toda tarde/noite/madrugada deste domingo para segunda), não havia uma única notícia relacionada ao tema na trincheira do Ohmynews.

Tudo bem, se a missão da experiência é deixar de lado o hard news e incentivar sides ou análises.

Mas um passeio aleatório a outro setor do site, o canal de esportes, faz a incongruência saltar os olhos. É o caso do texto que conta as vitórias de Serena Williams e Nikolay Davidenko no Masters de Miami _ainda por cima publicado três dias após o fim do torneio.

Ou o relato da partida Colo Colo x Boca Juniors, com direito a descrição de lances e ficha técnica, tal qual centenas de outros produzidos pela grande mídia no mesmo dia.

Peralá: mas a colaboração é ou não é de hard news? É o que o usuário quiser, então? Cadê a mediação?

Aos experimentos pro-am de jornalismo colaborativo falta uma figura indispensável à tarefa profissional de coletar/filtrar/divulgar dados: a pauta, o roteiro de temas de interesse premente.

Um projeto que contemple a seleção de temas semanais/diários a serem abraçados pelos colaboradores, dentro de suas possibilidades, é factível. Quem não puder se comprometer a fazer, que não manifeste o desejo de desenvolver um texto. Agindo antes, os mediadores poderão obter resultados melhores.

De cara, isso é a solução para a vontade incontrolável de vestir um cachecol ao abrir sites como Ohmynews ou Brasilwiki, quase sempre dissociados do dia-a-dia em suas manchetes (mas, em suas listas de notícias, reféns dele).

E o papo ainda nem chegou à catastrófica colaboração oferecida pelos portais noticiosos.