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A privacidade vai sair do armário

Faço parte do grupo (ainda) restrito de pessoas que creem no retorno da privacidade à moda. Não estamos falando aqui, é claro, dos padrões que nós os quarentões estávamos acostumados antes da explosão da tecnologia.

Há um aspecto irreversível dessa revolução, que é a coleta de nossas informações, o tempo todo e em todos os dispositivos, que em boa medida ainda é a moeda de troca para uma série serviços digitais que pagamos assim, oferecendo dados.

Isso, para o bem e para o mal, não só irá continuar como incrementar. Não tem pra onde fugir: sua TV, seu celular e outros equipamentos domésticos ou públicos (como seu fogão ou o painel de voos do aeroporto) irão te espionar por toda a eternidade tentando decifrar padrões de comportamento (a famosa jornada do consumidor) que signifiquem, posteriormente, oportunidades de negócios e de relacionamento para marcas e pessoas.

Não tenho dúvida, porém, de que a era da superexposição – o turning point que, em algum momento no princípio dos anos 2000 transformou a internet de uma plataforma anônima para outra em que nome e sobrenome passaram a ser obrigatórios – está com os dias contados. Em outras palavras, sair por aí exibindo-se em redes sociais será considerado cafona e pretensioso. Aposto com você.

Por isso falei sobre a privacidade voltar à moda. O termo é exatamente esse: algo que ficou pra trás mas, nada como o tempo, renasce não das cinzas, mas do bolor. A própria moda tem inúmeros exemplos dessa eterna reinvenção de “grandes” novidades. A tecnologia também possui, em menor escala, indicações de que alguns caminhos têm volta – a predileção pelo uso do WhatsApp, uma rede fechada, por exemplo, sinaliza na direção da busca por ambientes menos vigiados.

A questão sobre ausência de privacidade que mais me atormenta em nosso tempo é a qualidade que temos de, voluntariamente, fornecer uma série de informações sem que elas tenham sido solicitadas. Do lugar onde estamos almoçando ao destino de férias, esses dados podem ser tão os mais nocivos quanto os furtos em massa de dados a que todas as semanas tomamos conhecimento.

A privacidade, tenha certeza, vai sair do armário e voltar pras ruas. Essa não é uma tendência para 2019, mas fique de olho.

A Constituição do Facebook

Você já leu os termos de uso do Facebook?

Ex-editor-chefe do Washington Post e agora diretor da Faculdade de Jornalismo de Columbia (EUA), Steve Coll leu. E abandonou o serviço.

“Tudo me pareceu muito pretensioso, escrito como uma Constituição, mas de um Estado do qual eu não gostaria de ser cidadão”, contou.

Há mais bobagens do que a observação “Você não deve usar o Facebook se for um criminoso sexual condenado” na tal “Constituição” do serviço de Mark Zuckerberg. O besteirol grassa em termos de uso de forma generalizada, como os do Twitter, por exemplo.

A grande questão é que as cláusulas leoninas escondidas entre as estultices acabam sempre passando batidas. E, depois, dá-lhe polêmica porque uma foto de passista foi excluída da página de um veículo jornalístico que fazia a cobertura do Carnaval.

Mas eu nem deveria estar falando disso, já que certamente você não leu nem lerá as regras. Tá. Apenas não reclame depois. O ambiente ali não é nosso, é deles (dos donos).

Ignorando os sinais

Os norte-americanos, em particular, e o mundo não deram bola aos sinais, dados pela mídia há anos, de que a megavigilância da Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA, em sua sigla em inglês) já tinha ultrapassado todos os sinais e estava fadada a virar escândalo.

Na revista New Yorker desta semana, Hendrik Hertzberg aponta três momentos em que o jornalismo abordou a extensão dessa bisbilhotice, a primeira delas em 2000, portanto ainda na “era da inocência” que antecedeu os atentados de 11 de setembro de 2001. Ouça o podcast do colunista.

Naquele ano, o “60 Minutes”, principal programa jornalístico da TV americana, abriu uma reportagem sobre privacidade dizendo ser enorme a probabilidade de ter uma ligação telefônica ou e-mail interceptado pela agência de inteligência.

Em 2006, o USA Today deu grande espaço a uma reportagem que denunciava a mesma NSA por coletar irregularmente dados de clientes das operadoras de telefonia AT&T, BellSouth e Verizon – e chamava a atenção para o fato de que a maioria não era suspeita de nenhum crime.

Em 2010, portanto já sob Obama, o Washington Post revelou que 1,7 bilhão de e-mails, telefonemas e outros dados eram interceptados diariamente pela agência.

A notícia velha que virou escândalo já tinha passado por alguns dos veículos mais relevantes dos EUA. Como ninguém notou?

A propósito, só agora o grande personagem por trás de tanta bisbilhotice sai da sombra: o todo-poderoso general Keith Alexander, comandante da inteligência e da ciberguerra americanas.

Quando segredos profundos são revelados

Uma interessante história que ilustra a necessidade de se conhecer passo a passo os controles de privacidade de redes como o Facebook. Sem isso, adeus segredos…

A privacidade é um estado de espírito

O livro Privacy: A Very Short Introduction, de Raymond Wacks, finalmente trata o tema do ponto de vista menos subjetivo: a lei.

E a conclusão, interessantíssima, é que privacidade nada mais é do que um estado de espírito: ela costuma ir exatamente até o ponto em que você permite que ela vá.

Você no controle

Todo mundo que usa o Twitter recebeu, nesta semana, um e-mail dando conta da mudança na política de privacidade e nos termos de uso da ferramenta.

São, falando em português bem claro, aqueles textos que ninguém se dispõe a ler – têm menos audiência que os manuais de instruções de aparelhos eletrônicos.

Neste caso específico, as mudanças promovidas pelo site vão ao encontro do clamor por controles mais claros de privacidade (leia-se configurações que os tornem menos invasivos para os usuários).

Se eu fosse você, leria tudo tintim por tintim. Passou da hora de as pessoas tomarem à frente nesse processo – que só está sendo facilitado porque, ao menos na Europa e nos Estados Unidos, as empresas fornecedoras desse tipo de serviço na internet estão diante de forte pressão.

Menos humano do que os outros

A filósofa Hannah Arendt, autora de meu livro predileto (As Origens do Totalitarismo, de 1951), estabeleceu anos depois, em A Condição Humana (de 1958), uma definição lapidar sobre privacidade e vida pública na Antiguidade – um debate que tem tudo a ver com os nossos tempos.

“A man who lived only a private life, who like the slave was not permitted to enter the public realm, or like the barbarian had chosen not to establish such a realm, was not fully human”.

Resumindo, não ser visível aos outros humanos nos tornava menos humanos. Quanto mais privacidade, menos humanidade.

É uma questão e tanto quando nos perguntamos se Facebook ou Google são muito invasivos e colocamos como meta a proteção inegociável de nossa privacidade.

Pelo raciocínio de Hannah, estamos querendo apenas nos proteger de ser alguém.

Mais riscos à nossa privacidade

Atacamos o Google, atacamos o Facebook, e nos esquecemos dos milhares de aplicativos para smartphones que atentam contra a nossa privacidade.

É o que comenta Charles Arthur no The Guardian.

Portas fechadas, um padrão em redes sociais

A maioria dos perfis no Facebook não é público, mas fechado a grupos de amigos. É o que diz o Pew Research Center num trabalho divulgado na sexta-feira.

Não chega a ser propriamente uma novidade, mas sua quantificação (o cadeado da privacidade chega a 60% dos perfis entre pessoas de 30 a 49 anos) nos dá uma noção exata de quem é mais “aberto” à vida em rede social – sujeita à intervenção de pessoas que nada têm ver com as relações físicas.

Quanto vale (e quanto valerá) o Facebook

Interessante o ponto da The Economist, que alçou a abertura de capital do Facebook a capa da edição desta semana e, numa boa análise (tirando o nariz de cera), apresentou o xis do problema.

Assim como Microsoft, nos primórdios da era da internet, e Google, agora, a publicação lembra que é inevitável que o negócio de Mark Zuckeberg seja alvo de questionamentos judiciais por conta de questões relacionadas a privacidade (o que os anunciantes do site fazem com nossos dados mesmo?)  e, especialmente, monopólio.

Com uma carteira de um bilhão de clientes, não fazer negócios com a rede social está se tornando impossível. E as autoridades antitruste americanas odeiam esse tipo de comerciante.

Assim, naturalmente a empresa sofrerá abalos (e talvez um redimensionamento forçado) a partir do momento em que ela passar a ser fustigada judicialmente como gente grande – que já é faz tempo.