
Brinquedo da Playmobil lançado em 1980, estúdio de TV tinha peças avulsas que permitiam a reprodução de situações jornalísticas, como microfones de mão
Dando uma olhada nos arquivos do Webmanario (aliás, alguém aí notou que caiu o acento do nome do blog?), descobri que em pouco mais de um ano escrevendo neste espaço dediquei nada menos do que 12 textos à obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício da profissão.
Num deles, inclusive, fui bem explícito sobre o que penso disso.
Nos últimos dias, muito em função da iminente votação do mérito no Superior Tribunal Federal (STF), o assunto voltou à tona _e os mesmos e surrados argumentos também. E quem ousa defender veemente posição contra o diploma acaba virando vítima de comentários sarcásticos, tolos e infantis.
Muito bem. Então hoje eu vou contar a história de um garoto que desde que se conhece por gente queria ser jornalista. E que foi obrigado a cursar a faculdade de jornalismo por causa de uma imposição imbecil, perdendo tempo precioso que poderia ter sido aplicado em outra graduação, mais útil.
O contato com o noticiário na casa de seus pais era frequente e quase uma obrigação: rádio havia uns seis (um deles, fixo, no banheiro); revistas semanais, duas, assim como dois jornais impressos diariamente. A TV, constantemente sintonizada em telejornais.
Enfim, uma casa que sempre respirou notícia (apesar de, até então, não possuir um único representante familiar no jornalismo), que debatia em família os acontecimentos.
À medida em que ia crescendo, o garoto colocava em prática outros experimentos. Com um gravador (gigantesco) e um microfone de lapela (bem menor, mas ridículo comparado aos de hoje em dia), gravava entrevistas com vizinhos e parentes, narrava partidas de futebol (imaginárias e de botão) e criava programas de rádio que só existiam em suas fitas cassete, mas que pareciam chegar ao mundo.
Encantou-se com o Playmobil estúdio de TV, com peças avulsas que incluiam cameraman, minicamera, repórter e microfone (com pedestal ou na mão _ambos curiosamente wireless já naquele tempo 😉 ).
Um pacote bem mais caro (e cobiçado) incluía um caminhão azul e branco que supunha ser o link móvel da emissora, o que comandava intervenções ao vivo.
Rapidamente os bonecos se reconfiguraram, e palhaço com corneta que se vê na foto lá acima ficou desempregado. Só se fazia jornalismo naquela emissora.
No éter, havia ainda as ondas curtas (e, com elas, a possibilidade de desvendar como era o jornalismo em emissoras de rádio planeta afora). Foram madrugadas e madrugadas em busca da emissão de rádio, seja em qual língua fosse, mais distante possível. Falo do dexismo. Só quem sabe o que é o World Radio TV Handbook entende exatamente do que se trata.
Simultaneamente, o cidadão lá batucava _primeiro numa Olivetti verde, depois numa Remington bege emprestada da irmã, mais velha_ textos que, depois de devidamente recortados e “diagramados”, viravam jornais sobre eventos familiares e escolares. Com fotos (sim, o garoto também já tinha noção de que era preciso ilustar as suas matérias).
No colégio, foi editor, redator e repórter da gloriosa revista de cultura Ignobilis, cuja circulação sem periodicidade definida e de cinco exemplares passava de mão em mão no Colégio Batista Brasileiro, em Perdizes.
Quando chegou o vestibular, já sabia o que fazer. História teria de esperar. Claro, para se trabalhar em jornalismo (uma atividade intelectual que exige basicamente observação e contato com o noticiário, além de conhecimentos específicos que um curso técnico de curta duração dá a qualquer um) era necessário ter o malfadado diploma.
Nosso personagem começou a trabalhar numa redação de jornal ainda no primeiro ano da faculdade. Ali entendeu, de verdade, os significados de termos como “descer”, “lide”, “cortar pelo pé”, entre centenas de outros.
Acumulou experiência. Terminou a faculdade. Trabalha há duas décadas na profissão que escolheu praticamente ao sair do berço. Virou até professor universitário de jornalismo.
Sim, esse moleque era eu.
Agora imagine essa história sem uma faculdade de jornalismo no meio. As coisas teriam sido muito diferentes? Mais: fosse hoje, na era da publicação pessoal, seria necessário começar num redação de jornal diário?