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A arte de notabilizar imbecis

O holofote e a plateia das ferramentas de redes sociais estão colaborando para a constituição de um verdadeiro exército cujo objetivo é usar os nós conectados para dar lições de moral “ao Brasil que relincha” – no caso, aquela parcela da população que manifesta qualquer posição contrária ao consenso dessa multidão.

Sua metodologia consiste na psicografia. Dos pobres, dos ricos, de quem quer que seja. Eles sabem o que as pessoas pensam, como agem, suas motivações. Roteirizam seu passado e o de seus antecedentes, constróem teses, decretam fatwas. Enfim, se acham de alguma maneira melhores do que outros e, mais, precisam publicizar isso para receber os louros.

O comportamento em si já seria grave levando-se em conta que, até pelos ideais que defende essa armada, e por democrática que se intitula, ela deveria ser tolerante ao contraditório e à diversidade, como bem cabe numa democracia. Mas essa reflexão eu deixo para vocês, porque o meu ponto não é esse.

Preocupa-me mais esse modus operandi da ofensa pela palavra pelos que estão na linha de frente dele não perceberem que, ao se digladiar com apresentadores de telejornais que ninguém vê ou com irrelevantes colunistas imberbes socados na cold zone de um site qualquer, tratam de jogar luz sobre suas sandices – aí sim cavando espaço para eles em latifúndios mais nobres da mídia tradicional, sempre antenada em quem possa atrair polêmica (e audiência).

Desta forma, o pensamento dito reacionário é amplificado, distribuído e retroalimentado por quem discorda dele. Não é um paradoxo?

Há ainda um fator que me deixa triste: como tanta gente boa consegue jogar fora parte considerável de sua produtividade diária dedicando-se a redigir tratados, um atrás do outro, para escorraçar ideias que não mereceriam mais do que desprezo e, quem sabe, até a lata de lixo da história? Haja hora vaga para colocar a produção em dia…

É essa inexplicável indignação com a opinião alheia (e a busca por aplausos acalorados) que colabora, dia após dia, com a notabilização de conceitos que, gostaríamos se fosse possível, não existissem em nossa sociedade.

Mas eles existem. E minha tolerância e espírito democrático com relação a opiniões que repudio é o desprezo. Façam o exercício de ignorar o tal “Brasil que relincha”. A saúde de vocês certamente vai agradecer, e menos idiotas ganharão notoriedade no mundo.

Nos EUA, opinião é coisa da web

Saudada como a salvação dos jornais impressos, a opinião tem cada vez menos espaço nas publicações americanas – que estão optando pela web para desovar esse tipo de conteúdo.

A constatação, revelada em pesquisa do Pew, desmente mais uma “máxima” da era da informação total.

Qual o crime da opinião?

Um editor geral de um periódico pode ter coluna de opinião no veículo ou isso, de alguma forma, constitui alguma agressão à ética jornalística?

O consultório ético da Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano (FNPI) responde.

Como Javier Restrepo, não encontro nenhum impedimento ou crise existencial na questão. A opinião, desde que formulada em espaços devidamente identificados para tal, é salutar e necessária ao exercício do bom jornalismo.

O corporativismo e o diploma de jornalismo

Escreve Hélio Schwartsman, na Folha de S.Paulo (e reproduzo por assinar embaixo).

“Foi só o STF declarar a inconstitucionalidade da exigência de diploma de jornalista para o exercício da profissão que políticos de todos os naipes se articularam para reintroduzi-la, dessa vez via emenda constitucional. Se a proposta que tramita no Senado for em frente, o mais provável é que volte a ser analisada pela corte, com boa chance de ser derrubada outra vez.

A insistência com que se volta ao tema, porém, é reveladora de um dos grandes problemas do Brasil: assombrados por um espírito levemente fascista, não nos vemos como cidadãos de uma República, mas como representantes de uma determinada categoria profissional ou segmento social que seria detentor de “direitos naturais”. Nesse esquema, a ação política consiste em inscrever em lei as reivindicações oriundas desses “direitos” e esperar que o Estado as implemente. Viramos o país das corporações.

A dificuldade é que, como todo mundo faz o mesmo, o arcabouço legislativo se torna uma barafunda de reivindicações sindicais promovidas a norma geral. Elas são tantas que fatalmente se chocam. É nesse contexto que se inscrevem as guerras entre médicos e enfermeiros em torno das casas de parto ou entre psiquiatras e psicólogos pelo direito de diagnosticar. Pior para os pacientes e para a sociedade.

Para provar que não exagero, uma rápida consulta às bases de dados do Congresso revela dezenas de projetos de regulamentação de ofícios.

Apesar de a Constituição afirmar que a regra geral é a do livre exercício de profissões, legisladores buscam regular (e, portanto, restringir) as carreiras de modelo de passarela, filósofo, detetive, babá, escritor, cerimonialista, depilador etc. Já resvalando no reino da fantasia, busca-se também disciplinar a ocupação de astrólogo e terapeuta naturista.

Pergunto-me como nossos parlamentares puderam esquecer de Papai Noel e das indispensáveis fadas.”

A caminho de uma nova teoria dos gêneros jornalísticos?

Ana Mancera Rueda explica, no Sala de Prensa, a quantas anda a compreensão e a discussão, na Espanha, sobre as formas pelas quais nos manifestamos jornalísticamente (reportagem, entrevista, editorial, artigo etc, os famosos “gêneros”).

É uma das disciplinas que atualmente ministro na Faap. Aqui no Brasil, infelizmente, estamos muitíssimo atrasados com relação ao assunto.

Desde Marques de Mello, os gêneros cresceram _e não vão parar de crescer graças ao avanço tecnológico.

Caminhar na direção de uma nova teoria dos gêneros, como esboça Mancera, é tarefa complexa, porém altamente necessária.

ATUALIZAÇÃO: Por uma omissão imperdoável (quem me deu o puxão de orelha foi o colega Rogério Christofoletti), esqueci de mencionar o trabalho da pesquisadora Lia Seixas, referência importante na bibliografia do próprio curso mencionado acima, da mesma forma que a tentativa comparativa de Manuel Chaparro em “Sotaques d’aquém e d’além-mar – Travessias para uma nova teoria de gêneros jornalísticos”, que tenta observar semelhanças e diferenças entre o jornalismo praticado no Brasil e em Portugal.

Recauchutada, velha mídia triunfa em relatório sobre o estado do jornalismo

O State of the Media, relatório do Project For Excellence In Journalism que anualmente disseca a atividade jornalística em todos os suportes nos Estados Unidos, veio este ano com algumas informações surpreendentes _ou nem tanto, mas que confirmam suposições empíricas com as quais íamos tocando nossa atividade.

Uma delas é o triunfo da análise/opinião: nos EUA, a noção de que o jornalismo está naufragando é uma falácia. Os gêneros meramente informativos, esses sim, estão ocupando menos espaço onde quer que seja, mas comentários e sua repercussão estão mais em alta do que nunca.

É a receita submetida aos jornais impressos mesmo em países emergentes, assombrados com o encolhimento do negócio no hemisfério norte _região do globo em que há muito menos gente recém-ingressada na sociedade de consumo, e logo, com um mercado bem mais restrito para expansão.

Por aqui (como na Índia, por exemplo), percebeu-se antes _muito em função da derrocada do negócio impresso em áreas mais desenvolvidas_ que era melhor desenvolver estratégias de contextualização e opinião. Não por acaso colunistas são frequentemente os abres de página dos periódicos brasileiros.

Outra conclusão do documento: o futuro da nova e da velha mídia estão mais entrelaçados do que muitos costumam pensar. Isso me remete à frase “o jornal vai dormir internet; a internet acorda jornal” com a qual defini, em 2006, a interdependência e complementariedade entre essas duas mídias.

Mais: em relevância, números absolutos e qualquer tipo de recorte, é ao mainstream que o público ainda recorre em sua maioria. Finalmente: a tecnologia tem o poder de mudar o foco da notícia mediante sua capacidade de ditar os ângulos da cobertura de um acontecimento. Enfim, muita coisa pra gente refletir.

E se a gente mudasse o cardápio noticioso dos jornais?

“Temos de partir de uma situação em que tentamos fazer o melhor trabalho cobrindo as mesmas notícias que todo mundo para outra em que trazemos a nossas audiências notícias que não havia ninguém cobrindo”.

A frase é do presidente da rede de TV norte-americana ABC, David Westin, e faz muito sentido. Por que ainda não se discutiu, no jornalismo, uma mudança de cardápio noticioso.

No máximo, temos batido na tecla, no caso dos produtos impressos, da necessidade de se relativizar o “aconteceu ontem”, divulgado fartamente pela web, para investir em conteúdo analítico e opinativo.

E a coragem para se fazer isso?

Westin avança na conversa com um ótimo ingrediente: e se procurássemos outra categoria de notícias, fazendo uma mudança profunda na agenda das editorias e, ao mesmo tempo, valorizando o exclusivo?

Não estou falando aqui de matar o hard news, por favor. Ele nunca morrerá. Mas pode perfeitamente ocupar bem menos espaço num jornal do futuro.

Equilibrar o que obrigatoriamente deve ser noticiado e incluir players novos me parece um excelente novo caminho para o produto impresso.

Aconteceu ontem: análise e opinião resolvem?

Subverter a lógica de edição de um produto impresso. É um pouco nosso desafio nessa semana, quando estamos tratando do novo papel do jornal. Chegaremos ao ápice, que é discutir até mesmo se é necessário, a um periódico diário, exibir uma manchete por dia (por sinal, vote e opine na enquete).

Num post anterior falei sobre a possibilidade de tratar o “aconteceu ontem” como um bonito infográfico que exiba o passo a passo da jornada anterior. Um story board luxuoso, explicativo de per si. É um passo que abre o resto da página para material analítico e/ou opinativo.

Leia também: Aconteceu ontem: como avançar sem desinformar

Aconteceu ontem: alguns escritos sobre o estado do jornal impresso

Aconteceu ontem: nada mais desatualizado do que o jornal de hoje

Opine: um jornal precisa de manchete todos os dias?

Não por acaso jornais como Folha de S.Paulo e O Globo abrem páginas com colunistas. É o que se tem de mais diferente e exclusivo, via de regra, na edição.

Repare na quantidade de chamadas de primeira página para colunistas/articulistas. É uma saída fácil que os jornais não demoraram a tomar. Resolveu?

Curiosamente, há um paradoxo nisso tudo: apesar do andamento do noticiário diário (e sua atualização pelo jornalismo on-line), é inegável que os portais e sites começam o dia reproduzindo e, horas depois, repercutindo reportagens dos jornais impressos.

Uma demonstração clara de que há uma questão de plataforma da entrega do produto por trás do suposto processo de perda de importância dos veículos em papel.

Ao mesmo tempo em que tentam se recriar, esses veículos são canibalizados diariamente com seu próprio material, exibido em tempo real e muitas vezes nem sequer tratado como pede uma notícia publicada na web _que, relembremos, não é papel eletrônico e tem a obrigação de, ainda que faça o necessário clipping dos jornalões, acrescentar ali dados e links que aprofundem a informação inicial.

Há um troca, no jornalismo, entre papel e on-line diariamente. Vamos explorar esse assunto a seguir.