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Protestos, mobilização e mídia social

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As manifestações de rua, essas grandes novidades que têm sacudido 2013 no Brasil (e levado o país à primeira página de todos os jornais do mundo, como do NYT, que você vê acima), vêm acompanhadas de uma discussão tão surrada quanto equivocada: o papel da mídia social nesse tipo de mobilização.

Evidente que, como ferramentas de comunicação, as redes sociais servem precisamente para isso – comunicar e estabelecer nós. Nesse aspecto, me lembro de Clay Shirky e seu mantra sobre o potencial da web e seus derivados na conexão entre seres humanos a um custo quase igual a zero.

Há, ainda, o papel de ajudar a informar, na medida em que produções feitas pela própria comunidade, dissociada da mídia formal, acabam exibindo facetas não necessariamente no palco principal, mas importantes para a narrativa do todo – sim, falo dos vídeos e relatos cidadãos.

Posto isso, recorro a outro mestre, o sociólogo espanhol Manuel Castells, sempre preciso na análise política de nosso cotidiano. Seja no caso brasileiro, nos indignados da Espanha, no movimento Occuppy ou na Primavera Árabe, não se trata aqui de estabelecer uma linha divisória entre a vida virtual e a vida real. Simplesmente porque estamos falando do mesmo espaço de convivência.

Nesse sentido, e mais uma vez evocando Castells, não haveria protesto (ou mudanças) se efetivamente não houvesse um desejo de ruptura na sociedade. A mudança não está no Twitter ou no Facebook, mas em quem os opera.

Desgraçadamente, como bem lembrou o amigo Pedro Doria, Castells está meio esquecido justamente no momento em que boa parte de seus escritos fazem todo o sentido.

De resto a capacidade de mobilizar, a mídia social serve também para a vocalização. E aqui precisamos de mais cuidado ainda se lembrarmos uma regrinha clássica da participação em comunidades conectadas, a do 90-9-1.

P0r ela, só 1% dos indivíduos criam conteúdo, enquanto 9% trata de editar e compartilhar a informação disponibilizada pelo grupo de elite. Aos outros 90%, os lurkers, resta o silêncio.

As ruas, porém, andam bem barulhentas. Ainda bem.

Não, a internet não inventou a mobilização popular

A queda de mais um ditador tendo o povo mobilizado nas ruas como ator principal suscitou outro pacote de análises sobre como a vida conectada e as redes sociais são imprescindíveis para o triunfo de rupturas desta envergadura.

Ao mesmo tempo, dezenas de analistas realçam coisas como “se a internet é mesmo tão poderosa, como explicar movimentos revolucionários e populares que se deram em épocas em que nem sequer havia telefones fixos?”.

Óbvio que Hosni Mubarak não caiu porque Mark Zuckerberg criou o Facebook _nem a internet inventou o protesto político.

Mudanças assim acontecem num país porque a sociedade, num longo processo de maturação que não caberia num tweet, passou a pensar de forma diferente.

Nesse contexto, as redes sociais e sua incontestável capacidade de mobilização e difusão de notícias são o ingrediente perfeito para catalisar e amplificar os anseios de um povo em ebulição.

Mubarak desligou a internet no Egito. Em vão: feita pelas pessoas, a rede só reproduz nossas atitudes. São elas que fazem revoluções.

As redes sociais e mais uma revolução que não houve

Quem escreve (para assinantes) é Vinicius Torres Freire, em coluna ontem na Folha de S.Paulo:

“O sol está quente no deserto do Saara, ou pelo menos no norte da África. Como se sabe, a ditadura da Tunísia estremeceu, há protestos na Argélia, os mumificados Egito e Iêmen vivem tumultos nas ruas. Saber o que se passa nesses lugares mais ou menos esquecidos é que está difícil. O grosso da imprensa ocidental não vai muito além de contar mortos e dar destaque a idiotices como dizer que os protestos foram organizados por meio de ‘redes sociais e celulares’. De acordo com esses correspondentes, não seria possível haver Revolução Francesa, Russa, maio de 1968, Diretas-Já ou as revoluções que derrubaram as ditaduras comunistas, dado que na maioria dessas revoluções não havia nem telefones.”

Subscrevo integralmente. Mais uma vez, e como ocorreu no Irã, em 2009, uma mistura de desinformação e romantismo tem creditado a web e dispositivos móveis a mobilização popular contra as ditaduras no mundo árabe. Nada mais precipitado.

O governo egípcio, inclusive, derrubou as redes de telefonia celular e de internet, inviabilizando “conspirações” eletrônicas _isso também ocorreu no movimento iraniano que, realpolitik à frente, não apeou Ahmadinejad do poder.

O que resta na internet é uma profusão de hashtags e avatares de apoio postadas direto de Berlim e Nova York. E a falsa sensação de que a rede está subvertendo o mundo, quando na verdade ela é apenas mais um dos ingredientes que colaboram com essa mudança.

É como diz o mestre Manuel Castells: se um país não quer mudar, não é a internet que irá mudá-lo.

WikiLeaks e Napster, um paralelo

O jornalista português Paulo Querido compara WikiLeaks e o Napster, uma provocação pertinente.

“A única forma de parar alguma coisa nela [a Internet] é desligá-la”, diz. É quase um mantra do sociólogo espanhol Manuel Castells.

O Paulo destaca ainda a “organização horizontal e reticular” da colaboração em massa na rede.

É exatamente isso que está mudando relações humanas e, possivelmente, a própria cabeça das pessoas. É essa a tal revolução de que tanto falam.

ATUALIZAÇÃO: Pedro Doria, em seu blog, também faz a mesma comparação.

CALA BOCA VEJA

Estou absolutamente chocado com a capa da Veja. Tenho repetido essa frase como mantra, desde ontem, quando vi uma foto de Galvão Bueno olhando para um passarinho na primeira página da revista.

Discutir a ascensão de uma micagem de internet nesse nível de relevância, num país em que pululam dossiês e a campanha eleitoral pega fogo antes mesmo de começar (sim, ainda é proibido fazer campanha, só a partir de 6 de julho está tudo liberado), soa como disparate.

Evidente que o CALA BOCA GALVÃO que nos acostumamos a ver no topo dos trending topics do site durante este Copa tem lá a sua marca de mobilização, mas por que então movimentos semelhantes (e bem mais importantes), como o ativismo global em torno do Irã quando da suposta reeleição fraudulenta de Mahmoud Ahmadinejad, não mereceram a mesma atenção da publicação?

A própria reportagem recorre aos protestos em Teerã para reforçar o poder do microblog _só que isso aconteceu há exatamente um ano e figurou com ainda mais destaque na linha de frente dos TTs do Twitter.

A conclusão é que o jornalismo no mainstream caminha celeremente para uma total absorção pela cobertura de celebridades, mesmo quando se trata de ecos até dignos de registro pela adesão, mas jamais nesse nível (capa mais sete páginas internas?). Estamos passando a imagem errada. Não, o microblog não é relevante. Sim, as pessoas querem mais é se divertir.

Para constar, no momento em que escrevo (22h33 de sábado), CALA A BOCA GALVÃO está fora dos trending topics mundiais da página.

Mas voltará, hoje tem jogo do Brasil.

É tudo tão previsível…

PS: o amigo Flavio Gomes também desabafou sobre o assunto, e de forma categórica.

PS1: e a matéria nem para alertar que o certo é “cala A boca”.

Cuidado: pessoas imitando jornalistas

Hoje um amigo jornalista me contou o pedido de socorro de um colega de trabalho da área de tecnologia de informação, instado em sua faculdade a entrevistar alguém para uma tarefa acadêmica.

Curioso, mas as pessoas sempre querem agir como jornalistas. O colega do amigo, leigo, queria saber quais os formatos de entrevista e como fazê-las.

Meio chato, porque a mobilização sem vícios é, sempre, mais útil. E o que garante o mosaico que dá origem à verdadeira colaboração que está por trás do conceito de jornalismo participativo.

O que você, cidadão, quer realmente saber? Sempre renderá mais do que simplesmente reproduzir hábitos e indagações de repórteres profissionais. Repórteres ganham a vida pra perguntar, você não. Pergunte o que quiser saber, de verdade. Funcionará bem melhor. Não há liturgia, apenas pergunta boa e pergunta ruim.

No geral, o jornalista tem um propósito: seu lide. A informação ou frase que resolverá a principal tarefa do dia.

O restante da humanidade, que também diariamente analisa, apura e difunde informação), não tem essa amarra formal. Ideias preconcebidas sobre o que são perguntas ou respostas, definitivamente, nada acrescentam ao processo.

Amador ou profissional, o jornalismo é, e faz tempo, uma conversa em que se buscam versões, explicações e análises.

Deixem o lado chato e protocolar com a gente e cuidem do resto.

A falsa mobilização da ex-plateia

O falso anúncio dos leitores no NYT

O falso anúncio dos leitores no NYT

O engajamento da audiência (ou melhor, da ex-plateia) definitivamente mudou o fazer jornalístico. Não só mudou como, em alguns casos, o influenciou diretamente, criando ruídos contestatórios e evidenciando que seu poder não é mais o mesmo.

Só que muitas vezes essa audiência serve a interesses, inclusive de governos que, nas sombras, agem bancando seus devaneios.

A ONG “For the Next Generation” voltou a fazer barulho ontem, ao publicar no New York Times um anúncio que repara um mapa publicado pelo jornal _a questão é toda política e envolve o nome de um quase golfo entre as Coreias, China e Rússia, além do país que lhe dá o nome mais usado.

O NYT escreveu Mar do Japão, o ONG briga pelo uso de Mar do Leste. Daí a provocação.

Não foi uma novidade: em 2005, a entidade publicou anúncio semelhante no The Wall Street Journal. É seu modus operandi.

No caso mais recente, ela diz que foram 94.966 doadores que bancaram o anúncio, cujo valor não foi revelado (mas gira em torno de US$ 60 mil), quase todos coreanos.

Aqui se trata de massa de manobra, não de uma manifestação espontânea da ex-plateia. Apenas para que os registros de uma conduta induzida e politizada não sejam confundidos com a legítima participação do público no jornalismo formal.

Usuários se rebelam e ‘completam’ o G1

O canal de microblog automatizado e desgovernado do G1

O canal de microblog automatizado e desgovernado do G1

Terminei há pouco de ministrar um intensivão de multimídia/convergência (foram ao todo oito horas de aula para a nova turma do Treinamento da Folha) e, como sempre quando se está em sala de aula, os alunos descobrem o mais bacana por si sós. Bem por isso é legal lecionar.

Dei muita ênfase, na conversa (sobre a qual falarei com mais detalhes em breve, com direito a slides e links úteis), sobre a diferença entre presença e atuação on-line. Não são, como pode parecer, a mesma coisa.

Meu exemplo preferido é a conta de Twitter do site noticioso G1, que além de ser automatizada (publica imediatamente todo o conteúdo que entra no site), está desgovernada. Possui um erro, como o que eu exibo acima, absolutamente insuportável: quando um título possui aspas, ele é abruptamente interrompido.

Vai daí que, em sala de aula, descobrimos na busca da ferramenta que já existe uma mobilização de usuários fazendo troça desta inaceitável maneira de administrar um produto jornalístico (que, antes de mais nada, precisa de gente manipulando, não de robôs).

É o “complete o G1“, bem-humorada reação de gente decepcionada com erros que tornam as notícias incompreensíveis. Basicamente: eles decidiram completar ao seu bel-prazer os títulos interrompidos. Hilário.

E por que o G1 não faz nada para arrumar esse erro? A história é tão prosaica que provavelmente vc não acreditará quando eu contar…

ATUALIZAÇÃO: o grande André Marmota, aí embaixo nos comentários, fez um trabalho de arqueologia twitterística e diz ter encontrado a origem da comunidade #completeog1 num tweet de 26 de fevereiro.

Leia também: Usuários se mobilizam e obrigam G1 a ‘se completar’