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Caímos mais uma vez

O caso do falso atrasado do Enem me fez lembrar de diversas outras oportunidades em que a mídia foi manipulada por quem sabe bem que, para ser retratado por ela, basta contar uma história. Qualquer história.

Ryan Holiday, por exemplo, é um mentiroso contumaz que pregou peça atrás de peça no jornalismo nosso de cada dia. Na França, estudantes criaram uma cabeluda história de prostituição para bancar a faculdade – era tudo balela, mas a imprensa “repercutiu”.

E há ainda o sofisticado “O Abraço Corporativo”, em que um falso consultor de RH dá dicas absurdas sobre como o afeto incrementa a produtividade das empresas – e ganha um amplo espaço na mídia, novamente contemplativa.

Em 1996, quando do acidente da TAM em Congonhas, um rapaz choroso foi ao local do acidente e cavou seu espaço no noticiário ao dizer que tinha acabado de perder três amigos naquele voo. Deus seus nomes, chorou. Aqueles nomes não estavam na lista de passageiros – o sempre diligente Micael Silva encontrou uma entrevista do cidadão contando essa lorota.

O melhor de tudo isso: quando revelados, os embustes fazem os jornalistas recorrerem a uma série de explicações. Não precisa: nada pode ser mais babaca do que dar voz a atrasados do vestibular e a um consultor tresloucado.

O outro país das maravilhas

Muito depois de Lewis Carrol e sua Alice, surgiu outro país das maravilhas – esse sim, maravilhoso de verdade.

Nele, todas as pessoas são felizes, frequentam lugares bacanas, almoçam e jantam nos melhores restaurantes, estão sempre cercadas de amigos, viajam pelo mundo e, nas horas vagas (eles têm muitas horas vagas), mostram seu altruísmo e solidariedade aderindo a campanhas humanitárias e mobilizações políticas.

Esse planeta maravilhoso, você já percebeu, é o Facebook, hoje frequentado por quase 1 bilhão de pessoas (entre os quais 70 milhões de brasileiros, praticamente 90% dos internautas do país). Fosse um país de terra e água, o site de Mark Zuckerbeg seria o melhor lugar pra se viver, disparado. Ali,todo mundo se dá bem.

Há exceções, como em tudo, mas a regra é um indício óbvio de que nesse país da internet todo mundo é mentiroso e manipulador. Desde o célebre cartum de Peter Steiner (“na internet, ninguém sabe que você é um cachorro”), a manipulação on-line tem sido objeto de sátira, análise e pesquisa.

Não por acaso a publicidade e o marketing têm tanto pé atrás nesse ambiente de conteúdo gerado pelo público – o jornalismo, como sempre, se jogou de cabeça, e sofre com isso.

Vale tese de doutorado, mas de toda forma prometo voltar com mais consistência ao tema.