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Aconteceu ontem: como avançar sem desinformar?

Como o jornal impresso deve se posicionar a fim de apresentar o noticiário sem redundar com os meios que o fazem em tempo real? Como, sem abrir mão da incumbência de registro histórico do dia que passou, avançar e interpretar os acontecimentos? É a discussão da semana no Webmanario.

O debate sobre o “aconteceu ontem” permeia a tese de mestrado tranformada no livro “O Destino do Jornal“, de Lourival Sant’Anna, repórter especial do Estado de S. Paulo. É o dilema dos jornais: cobrir ou não cobrir o hard news? Não cobrir seria uma insanidade. Então, como cobrir?

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Opine: um jornal precisa de manchete todos os dias?

“Os jornais precisam, na medida do possível, em algum grau, abandonar a cultura do aconteceu ontem e investir mais em histórias próprias”, diz Otavio Frias Filho, publisher da Folha de S.Paulo, na obra.

“Acho que nunca vai deixar de ser [o registro histórico do dia que passou], até pelo nome, jornal”, contrapõe Rodolfo Fernandes, diretor de redação de O Globo.

Quando tive minha oportunidade, concebi um jornal em que o hard news era um acompanhamento luxuoso da página, preferencialmente um belo infográfico que resumisse os acontecimentos das últimas 24 horas. O abre da página, e suas respectivas sub-retrancas, continham repercussão e análise.

Em esportes, esse experimento não teve o apoio do público: mais de 70% dos leitores do Diário do Grande ABC (onde pude experimentar o formato entre 1995 e 2000) deploravam o fato de que as declarações de vestiário _dadas bem após o jogo e, portanto, mais quentes_ eram mais valorizadas do que o relato da partida em si (relegado a um box acompanhado da ficha técnica).

Talvez, na época, a internet ainda fosse coisa de poucos, e a exigência pelo relato formal da jornada anterior, uma necessidade.

Ainda enxergo o jornal assim. Com o aconteceu ontem ajudando a construir um contexto capitaneado por informação exclusiva, analítica, de observação.

É subverter todo um modelo. Há outras subverções, e falaremos delas amanhã.

Projeto em Jornalismo Impresso I – Aula 10

Estamos chegando ao final do curso de Projeto em Jornalismo Impresso I. Ao mesmo tempo em que buscamos a definição de um modelo a ser produzido em conjunto no próximo semestre, discutimos o contexto da imprensa em papel e seus desafios perante a crise econômica e o fortalecimento de novas mídias.

Nesta sexta (7/11) debateremos o livro “O Destino do Jornal”, de Lourival Sant’Anna, que permeou parte de nossas discussões nos últimos meses. Nunca perdemos de vista a desatualização flagrante da obra _algumas entrevistas foram realizadas há mais de dois anos, uma eternidade no cenário atual de transformação.

Porém a tese de mestrado do repórter especial de O Estado de S.Paulo tem vários aspectos esclarecedores, como pesquisas qualitativas que mostram, ainda que de forma tortuosa (o leitor é assim, não consegue se expressar direito sobre o jornal que lê e muito menos sobre o que desejaria ler), para onde caminha o novo leitorado.

Beth Saad, professora da USP que orientou a pesquisa de Sant’Anna, é quem faz a observação que melhor ajuda a compreender o momento hesitante dos jornais impressos brasileiros: eles são absolutamente refratários a mudanças.

Quem faz jornalismo como o jornal?

No livro “O Destino do Jornal”, de Lourival Sant’Anna (repórter especial de O Estado de S.Paulo), Rodolfo Fernandes, diretor de Redação de O Globo, desenvolve um conceito bastante interessante num momento em que estamos precisamente discutindo a vida útil dos jornais impressos.

Para Fernandes, nenhum outro meio faz o tipo de jornalismo que o jornal em papel consegue fazer. Não há, segundo ele, concorrência com o veículo _sobre o qual pairam previsões sombrias de esgotamento da fórmula e encerramento de atividades.

“Não vejo ninguém fazendo”, diz ele. É uma observação que merece reflexão. Por que, afinal de contas, se o jornal conseguir se mobilizar num nicho onde não há ninguém, teoricamente sua sobrevivência estará garantida.

Pegue especificamente as últimas edições dominicais dos jornalões brasileiros (por jornalões leia-se O Globo, Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo). Que resultado teria, na Internet, o levantamento em 168 cidades brasileiras feito pelo Datafolha e que virou manchete do jornal, um mapeamento sobre o jovem brasileiro?

Outro aspecto detectado por Fernandes é definitivo. “O jornal não é mais um meio de comunicação de massa. Ponto”. É fato que a substancial queda na circulação nos últimos anos provaria cabalmente. Desde o ano passado, porém, houve uma lenta e gradual recuperação, no Brasil e no mundo.

Ponto favorável aos jornais de papel é a inegável capacidade, ainda intocada, de pautar seus concorrentes de outras mídias, especialmente a TV e o rádio _a Internet, como eu já disse certa vez, “acorda jornal”, ou seja, começa o dia reproduzindo reportagens de jornais do mundo inteiro.

Agora, qualquer um que se debruça sobre o tema concorda que, se não abrirem mão de relatar prioriamente o hard news, o “aconteceu ontem”, os jornais tendem a perder ainda mais sua relevância. A análise, a contextualização e, principalmente, a compreensão histórica de qualquer notícia é o caminho para um novo cardápio que desafie o ataque de véspera proporcionado por TV e Internet.

É o dilema entre a modernidade e o registro histórico do dia que passou, função que o jornal impresso desempenhou com habilidade por séculos.

Aí a discussão vai se concentrando no formato que, como dizem alguns, é “chato” (conceito vago e impreciso). Curioso, mas todas as pesquisas qualitativas realizadas com leitores de jornal reafirmam a “portabilidade” do produto.

Alguma vantagem há de existir em algo que não precisa ser colocado na tomada. Voltaremos ao tema.