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Mais argumentos contra os ‘especialistas em mídia social’

Eu já falei aqui que estamos sendo invadidos por “especialistas em mídias sociais”, com todos os problemas que isso implica: primeiro, porque desconheço especialistas num assunto tão candente e novo.

Segundo, porque clientes têm sido sistematicamente enganados por pessoas que acham que sabem fazer (e dizem que sabem fazer) gestão de comportamento e administração de comunidades on-line.

Mas minha amiga Ana Brambilla _que desembarca em SP na próxima semana para o Youpix Festival_ detalhou bem essa falsa invasão de especialistas e os riscos que profissionais e clientes estão correndo.

Mídia social, patrulhamento ideológico, visão de futuro e infografia animada: a semana no Webmanario

1. Três perguntas para Ana Brambilla: ‘Quem ignora o que o público diz em mídias sociais não pode ser jornalista’

2. Confecom, uma aberração

3. Visionário, Leo Bogart discorre sobre o presente em artigo de 1984

4. Um gráfico animado impressionante: a evolução da audiência do The New York Times no dia em Michael Jackson morreu

‘Quem ignora o que o público diz em mídias sociais não pode ser jornalista’

Ana Brambilla é minha dupla colega: é jornalista e professora de jornalismo. Mestre em Comunicação, acaba de assumir como editora de mídias sociais do portal Terra. Um desafio e tanto.

E é exatamente sobre mídia social (e jornalismo cidadão, assunto no qual Ana é uma referência) que versa meu bate-papo com ela (via e-mail), o primeiro da série “3 Perguntas Para” que aparecerão com frequência no Webmanario.

Na conversa, ela alerta sobre a importância de o jornalismo profissional estar atento ao que diz e produz e público. E faz uma defesa incondicional do jornalismo cidadão.

Já faz algum tempo que estou fascinado com o fenômeno lan house de periferia e a inclusão digital da população brasileira (NOTA: esta entrevista se deu antes que o IBGE divulgasse que as lan houses só perdem para as residências no acesso à web no Brasil). Já somos o povo que mais tempo passa na web, e nessa faixa social (classes C e D), o avanço na internet é imenso. Sinal de que a rede é um gênero de primeira necessidade ou de que faltam mais opções de entretenimento (notadamente as bancadas pelo poder público)? Até que ponto ficar muito tempo na web é sinal de avanço de um povo?

O tempo on-line, quantitativamente falando, não me parece suficiente para estimar o avanço intelectual de um povo – a menos que essa “intelectualidade” seja reduzida ao “saber mexer” com a tecnologia. É necessário entender, antes, O QUE esse povo anda fazendo on-line, qual o tipo de informação tem acessado, produzido, processado.

Qualquer um que já tenha entrado em uma lan house sabe que o uso de Orkut e MSN é soberano. Considerando que são plataformas de relacionamento e que em termos de contato humano, convivência é um dos traços mais característicos da brasilidade, estas plataformas digitais só vêm intensificar este cimento social de que o brasileiro tanto gosta. Ou seja: se ainda há dúvidas sobre a tecnologia aproximar ou afastar as pessoas, o uso intenso das mídias sociais pelos brasileiros mostra que a aproximação ainda prepondera.

Mas não fiquemos apenas no relacionamento. Há quem use o conhecimento da rede para aprender. Lembro de um vídeo bacana feito pela Regina Casé que mostra as lan houses da periferia e, nele, um rapaz conta que aprendeu a consertar bicicletas em tutoriais publicados no YouTube. Desde então, vem ganhando dinheiro com isso. A web estimula o autodidatismo. E para quem tem vontade de aprender mas não tem grana para investir em cursos, as lan houses podem ser boas salas de aula 🙂

O jornalismo profissional tende a considerar a mídia social uma falácia. Pouco importa o que as pessoas falam ou deixam de falar. O que perde um jornalista por profissão que ignora de própria vontade o que se diz em plataformas de publicação pessoal? Como a mídia social pode ser incorporada no dia a dia de quem trabalha com notícias?
Quem ignora o que o público diz em mídias sociais já devia ignorar o que este mesmo público dizia nas ruas. Ou seja: não pode ser jornalista. Afinal, a razão de existir do jornalismo é GENTE. O público é fonte, o público é (ou deveria ser) a finalidade do nosso trabalho. E se ele – ou o que ele pensa, diz – é ignorado por quem estás nas redações, melhor faz se desprezar o trabalho do jornalista.

Aliás, isso me faz pensar porque os sites noticiosos não estão entre os mais acessados na web. Será que o público se vê neles? Ora, a internet é o lugar onde o público, finalmente, pode se ver. Se o jornalismo praticado no meio digital for igualmente burocrático e limitado às fontes oficiais tal como grande parte dos veículos tradicionais, está fadado a ser engolido por sites de entretenimento ou mesmo pelas redes sociais nos relatórios de audiência. Como não estamos muito distantes disso, alguns veículos estão se dando conta de que devem estar presentes também nas mídias sociais.

E este é um despertar histórico. Afinal, será preciso quebrar paradigmas de linguagem jornalística, de critérios de noticiabilidade, ou seja, conceitos seculares da profissão que mexem nos brios de quem se diz mestre na “arte” de transformar a realidade em notícia. Enquanto empresas de comunicação de vários países contratam seus editores de mídia social, há quem esteja vendo neste novo colega uma oportunidade de expandir a visibilidade de seu próprio trabalho, há quem esteja temendo por novas obrigações em troca do mesmo salário.

Não agradar a todos é natural, J.C. provou disso (não, não me referi a Jornalismo Colaborativo, embora ele também não tenha agradado a todo mundo).

Mas a minha visão da equação jornalismo + mídias sociais é de total interdependência. Jornalista que não souber/quiser/gostar de incorporar as mídias sociais no seu trabalho, não terá lugar no mercado.

Em relação a como as mídias sociais podem ser incorporadas no dia a dia de quem trabalha com notícia, creio em 3 vertentes:

– apuração (busca por fontes, personagens, pautas, testemunhos, opiniões);
– veiculação (linguagem adequada às mídias sociais, grupos e momentos certos para divulgação de determinadas notícias);
– feedback/relacionamento (é muita informação espontânea e barata – na verdade, de graça! Por que não aproveitar para MELHORAR o meu trabalho? E por que não trazer esse aliado para MAIS PERTO da minha rotina profissional?).

Você acompanhou bem de perto a trajetória do Ohmynews, projeto que podemos considerar modelo em jornalismo participativo. E sabe que eu tenho várias restrições a ele (a principal, o adestramento de cidadãos para que se comportem como repórteres, quando a improvisação e desconhecimento de vícios e liturgia da profissão me parecem mais adequados à tarefa). Outro dia o Paulo Querido, jornalista português, disse que o jornalismo cidadão “dá uma notícia por ano”. Eu também tenho aquela sensação e que a noção de notícia de quem colabora com sites jornalísticos é do tipo meu-cachorro-fez-xixi-no- poste. De Gillmor a Querido, passando pelo Ohmynews (que estaria moribundo financeiramente, não?), você também não se decepciona com a qualidade da colaboração na nossa área? Que projetos colaborativos você referendaria hoje como modelos a serem observados? E o Ohmynews, que destino você enxerga pra ele?

E quem disse que o meu-cachorro-fez-xixi-no-poste não pode ser importante? Há um problema enorme nos noticiários colaborativos ancorados pela grande mídia, que pretendem aplicar os mesmos critérios de noticiabilidade para as reuniões de pauta da redação E para o conteúdo que o público manda. Isso reflete o vício do jornalista achar que sabe o que “é importante” para a sociedade, que ele sabe o que o público deve saber. Será? A propósito, o que é “importante” para alguém? Me parece um conceito tão individual que o jornalismo pasteurizou com uma arrogância absurda nos últimos 200 anos. Afinal, o que É importante está no noticiário. Mas importante para que, cara-pálida?

Se os critérios de relevância editorial forem os mesmos para o jornalismo tradicional e para o jornalismo colaborativo, então Paulo Querido tem razão: o público deve dar uma notícia por ano. Só que o erro vem antes disso. Vem na proposta editorial que estes noticiários trazem ao público. Eles querem cópias de si mesmos só que feitas pelas mãos dos outros. E isso é impossível! O público não estudou para isso. O público NÃO RECEBE para isso. Por que vai fazer um trabalho igual ou melhor do que o de um jornalista? O público fala daquilo que interessa a ele, à microssociedade dele. E isso vai do 1º dia do filho na escola até a sujeira na praça ao lado da casa dele. Por isso que o jornalismo colaborativo é quase sinônimo de jornalismo hiperlocal. E aí chegamos num dos pontos que, talvez, tenham jogado contra a trajetória do OhmyNews.

Este noticiário sul-coreano nasceu em âmbito nacional. Para os menos de 50 milhões de habitantes, o OhmyNews dava conta. Mostrava uma realidade que não aparecia nos jornais tradicionais, até mesmo por um vínculo forte que estes mantinham com o poder público, fruto de uma redemocratização tardia, além dos malditos kisha clubs, tradição segregacionista que mina a imprensa do oriente e limita o acesso a determinadas informações das grandes esferas sociais apenas aos veículos maiores, bancados por elas. Eis que o OhmyNews encontrou um nicho e cresceu. Cresceu tanto que não coube mais só na Coreia.

Espalhou a ideia pelo mundo. Foi copiado. Criticado, Ovacionado. Mas se já é difícil fazer um noticiário de cobertura nacional, o que sobra para um noticiário global? Na contramão do jornalismo hiperlocal, o OhmyNews Internacional (versão em inglês) não recebeu grandes investimentos, tem uma infraestrutura tímida e atualização lenta. Ainda assim, segue vivo, dando espaço para muitos cidadãos repórteres do mundo inteiro. Aliás, não conheço outro espaço jornalístico tão cosmopolita.

Para que o OhmyNews tenha futuro, é preciso haver uma mudança no modelo de negócio. Virar uma ONG ou experimentar o modelo de crowdfounding são algumas possibilidades. Vejo que o papel social deles é suficiente para justificar uma dessas duas alternativas. Assim, quero observar de perto o Spot.Us, Ushaidi e o Witness, projetos de crowdfounding ou crowdsourcing que podem nos ensinar modelos interessantes – tanto editoriais quanto financeiros.

Pague para ser um repórter

Considerado a principal trincheira do jornalismo cidadão (eu adoro esse clichê), o site coreano Ohmynews _que só em 2009 já acumula prejuízo de US$ 400 mil (ou cerca de R$ 800 mil)_ agora aposta em doações para sobreviver.

É o próprio fundador e “presidente” da iniciativa, Oh Yeon-ho, quem relata o conto em carta postada na página. A doação é algo muito americano, pouco europeu, nada brasileiro (asiático, confesso, não sei).

Ele recorre a um discurso de “independência” e sugere que 100 mil leitores, doando cerca de US$ 8 mensais, poderiam manter o projeto de pé e, principalmente, menos dependente de publicidade. Pergunto-me, neste caso, se o produtor do conteúdo não é, em boa medida, seu leitor. Logo: pagar para trabalhar?

“Hoje”, diz Oh, “mais de 70% de nosso faturamento vem de publicidade”.

Eu torço o nariz quando o papo vai por aí. Porque toda a mídia formal amealha isso ou mais em anúncios. Porque os leitores, no máximo, pagam a assinatura ou a compra eventual em banca (e isso nunca garantiu a sobrevivência de ninguém).

Ao mesmo tempo, ser bancado por publicidade não pode ser motivo de alegação de falta de independência. Faz parte do jogo.

Sabem como é, o galo que canta primeiro tem culpa no cartório.

Aposto que a Ana Brambilla, especialista em Ohmynews, vai falar sobre o tema em breve.

Discussões para dar e vender

Tem duas discussões bacanas correndo soltas na rede e eu, que gosto de sempre meter a colher, não perdi a oportunidade.

No Novo em Folha, a Ana Estela relembra o caso da frila de O Globo, agora cobrindo o conflito no Oriente Médio, que postou barbaridades (eram suas opiniões pessoais) num blog próprio. Olha só que loucura.

Eu sempre falo uma coisa: tome cuidado com sua vida pregressa on-line. O jornalismo é uma atividade pública. Usar um site pessoal para tomar posições políticas, religiosas e até sobre futebol (sobre futebol, aliás, evite, sua vida pode virar um inferno) exige ter a consciência de que certamente haverá um ônus.

O meu, quando critico veículos jornalísticos aqui, pode significar entrar na lista negra deles, não?

Pelos comentários lá no Novo em Folha, o povo acha que tudo bem, que seria uma invasão tomar uma publicação pessoal como algo público. Eu acho ótimo ter opinião. Mas lembre-se: é provável que a sua fique eternizada na rede e crie, no mínimo, algum tipo de obstáculo ou reparo ao seu desempenho profissional.

Em outra frente, estamos debatendo no Libellus, da Ana Brambilla, o discurso no microblog.

O ponto de partida foi um post da Ana _quem mais conhece sobre jornalismo colaborativo no Brasil_ comentando o levantamento de que 35% dos usuários do Twitter (o site de microblog mais acessado) tem até dez “seguidores”.

A minha posição (por ora, a discussão prossegue): eu tendo a relacionar a baixa conectividade a outros usuários como reflexo da qualidade da micropostagem _ou à ausência dela.

Na medida em que o que vc posta é útil (isso em primeiro lugar), interessante (do ponto de vista intelectual) ou divertido (sim, há espaço para humor no microblog), a teia tende a crescer.

E você, o que é que acha?