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O sonho americano da Al Jazeera

A esta altura do campeonato você já sabe (ou deveria saber) que não existe jornalismo independente. Por mais que, individualmente, existam jornalistas independentes, em algum (ou alguns) momento do processo a imparcialidade é mandada às favas.

É o caso da rede de TV Al Jazeera, cujo encanto de Cinderela dos tempos modernos se esvaiu na mesma razão em que ficou clara na programação a interferência da agenda do governo do Catar e de seus aliados.

Agora nos Estados Unidos, por que a Al Jazeera não pode ser como qualquer outra emissora de TV?

 

A Síria e a “fase Facebook” da guerra

Como cobrir uma guerra civil pela internet e pesar, na balança, os relatos do governo e de ativistas que, usando redes sociais, se contrapõe à informação oficial (com uma grande carga de parcialidade, é lógico)?

A situação está acontecendo na Síria, onde, segundo informa Neil MacFarquhar no NYT, o governo do (ainda) presidente Bashar al-Asad está ganhando em credibilidade porque vários relatos estão chegando “tortos” ao exterior.

Absi Smesem, editor de uma revista semanal, diz que o jornalismo do país passa, neste momento, por sua “fase Facebook”. Sem jornalistas de verdade, sem ligação com nenhum dos lados do confronto, fica impossível saber ao certo o que está ocorrendo.

Para analistas, canais como Al Jazera e Al Arabyia sofreram um abalo em sua credibilidade justamente por privilegiarem um dos lados do embate – o rebelde, que muitas vezes doura a pílula em favor de sua causa.

Vamos ver as cenas do próximo capítulo.

O mito da imparcialidade dos jornais

Eventos jornalisticamente relevantes como a eleição norte-americana, cujo ato final acontecerá amanhã, são bons para colocar mais pá de cal no mito da imparcialidade dos jornais _que a academia, especialmente no Brasil, teima em levar adiante.

A Editor and Publisher já havia detectado, em trabalhosa pesquisa, que 240 jornais dos EUA apóiam abertamente o democrata Barack Obama, contra apenas 114 que o fizeram publicamente em favor do republicano John McCain. Em números absolutos, essa vantagem significa 21 milhões de edições diárias em tese pró-Obama, contra 7 milhões em favor do colega de chapa de Sarah Palin (aliás, formada em jornalismo _argumento de per si contra o diploma?).

Agora foi a vez de o analista Roy Greenslade, em seu blog no Guardian, fazer o mesmo (ainda que em forma de amostragem) com as publicações britânicas. E o resultado foi praticamente o mesmo: dos cinco jornais avaliados por ele ontem, quatro se manifestaram claramente a favor de Obama.

As preferências dos jornais se expressam não apenas nos editorais, área reservada exatamente para isso, mas também na escolha de articulistas e colunistas e, em algum casos mais graves, nas próprias reportagens, várias delas escolhidas a dedo para provocar ou instigar contradições numa ou noutra campanha.

No Brasil, as revistas semanais (vide os casos de Veja e Carta Capital) têm muito mais facilidade para assumir suas posições políticas com transparência. Os jornais, via de regra, se escondem sob a frágil capa da imparcialidade, mantida mesmo quando são “descobertos” por leitores mais solertes.

É um tema tabu ainda não resolvido completamente em nossa profissão.

Veja, Carta Capital e o partidarismo

As discussões sobre a linha editorial de Veja e de sua congênere Carta Capital (idênticas, mas com sinais políticos trocados) são inspiradoras para o debate sobre a imparcialidade no jornalismo, que nasceu partidário e nunca livrou-se totalmente dessa tendência _só a academia ainda acredita nisso, em tese.

Não é, claro, um fenômeno brasileiro. O ativismo jornalístico existe onde quer que esta atividade profissional seja desempenhada. Veja o caso da Venezuela, cujo presidente, Hugo Chávez, expulsou ongueiros da Human Rights Watch, que diz fiscalizar o cumprimento dos direitos humanos no planeta.

Mesmo distante (no caso, no Chile), o engajado Manuel Cabieses (diretor da irrelevante revista política Punto Final) levantou a voz para comprar a briga. Defendeu Chávez, atacou a ONG. Lado certo ou errado?

No jornalismo, não há lado. Há o todo.

É constrangedor assistir à profissão se partidarizar como em seus primórdios. Qual a credibilidade de um jornalismo sectário, comprometido com convicções de outrem?