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A pauta esquecida: cemitério de aviões da Vasp

O 737-300 coberto de fuligem dos carros que passam na avenida Washington Luiz

O 737-300 coberto de fuligem dos carros que passam na avenida Washington Luiz

ATUALIZAÇÃO: Começa o desmonte dos aviões da Vasp em Congonhas

Ninguém ficou sabendo que neste final de semana rolou a 3ª Feira Nacional da Aviação Civil, e num lugar muito legal: o hangar da Vasp ao lado do aeroporto de Congonhas.

Ninguém ficou sabendo mas estava cheio quando dei um pulo lá (por volta de 13h) e não parava de chegar gente quando saí, duas horas depois.

E o jornalismo não deu a mínima bola. Mais um caso de pauta que passou batida _e o interesse do público, que foi em peso a um evento sem qualquer divulgação, prova que essa era das boas.

Não que a feira fosse grande coisa. Longe de Le Bourget, tinha uns poucos aviões jogados, sem informação, brinquedos alusivos ao tema para as crianças, algumas barracas de produtos típicos (camisas da FAB, distintivos de pilotos etc), estandes de órgãos públicos e do setor e um simulador de voo inoperante do 737-200.

A principal atração, a julgar pela fila, era um 737-800 que a Gol mantém em operação, e que ontem foi aberto à visitação.  A gente pensa que as pessoas estão viajando mais de avião no Brasil, mas ao ver uma cena dessa, fica claro que aquela máquina ainda exerce fascínio de estreante para muitos (os que o jornalismo ignorou desta vez).

Pra mim, paulistano adotado, o filé mignon foi o cemitério da Vasp, companhia que parou de voar em janeiro de 2005 e teve a falência decretada três anos depois. Ali, reluzia pura sucata de dois 737-300 cobertos pela fuligem do trânsito frenético da avenida Washington Luiz, com direito a um 727-100 (provavelmente no qual viajei um dia) em pior estado ainda.

Mas ninguém ficou sabendo.

ATUALIZAÇÃO: Tem novidade sobre o assunto: aviões e outras peças da Vasp irão a leilão em 2011.

Também sem turbinas, o 727-100 que jaz no hangar da Vasp em São Paulo

Também sem turbinas, o 727-100 que jaz no hangar da Vasp em São Paulo

O avião, um urubu e fragmentos de conversação com o público

A lacônica nota da Gol, que se recusou a prestar mais esclarecimentos

A lacônica nota da Gol, que se recusou a prestar mais esclarecimentos

O incidente do urubu tragado pela turbina esquerda do Boeing 737 que operava no dia 10 de março de 2009 o voo Gol 1244, entre Congonhas e Porto Alegre, voltou a bater em minha porta.

Agora porque a crônica na qual relatei a quase tragédia foi parar num fórum de discussão de pilotos, aeronautas, aeroportuários e simpatizantes (atenção: só para cadastrados, mas se você gosta do assunto e quer monitorar ou trocar informações com insiders, vale bem a pena).

Foi uma terça-feira (esta, como aquela) bem agitada por conta disso, quando mais uma vez vivenciei de forma prática e presencial que esse papo de era da conversação sobre o qual tanto tenho conversado com colegas e alunos está longe de ser algo a longo prazo _pelo contrário, já é real e transcorre diariamente diante de nossos olhos.

Recapitulando: notei uma afluência grande de tráfego ao Webmanário vinda do tal fórum. Lá, encontrei duas mensagens que diziam respeito diretamente a mim.

QUOTE(pilot81 @ Mar 16 2009, 09:31 AM) * Semana passada(terça feira) eu estava de extra para POA e tivemos um bird strike na dep. em CGH. Após varias orbitas o cmte. optou por prosseguir ao destino. O avião passou o dia inteiro em manutenção em POA. Vibration em 3,8 na subida… Deu até na Zero Hora no outro dia.

QUOTE(Rafaelguimaraes @ Mar 16 2009, 10:31 PM) * Olá, teve até um jornalista que estava a bordo e que decidiu publicar em seu blog. https://webmanario.wordpress.com/2009/03/11…ia-do-voo-1244/

Bird strike, vibration… enfim, era o público (sim, o público também apura/relata/analisa/difunde notícias) complementando uma informação que eu tinha dado aqui dias antes _mas porque estava dentro desse avião que, agora, era objeto de comentários. Óbvio que fiquei louco para saber o que significava uma vibration 3,8…

Entrei no fórum para dialogar com esse povo. É tudo o que eu sugiro para um jornalista: que corra atrás de sua audiência, tente entendê-la, seja próximo dela e, principalmente, leve suas observações em conta.

Descobri que o limite recomendado pelo fabricante da turbina do Boeing 737 é vibration 4,0 _ou seja, estivemos de fato à beira de um colapso (vibration é isso mesmo, a trepidação da peça). Mais: que o choque contra pássaros em aeroportos, que há tempos é assunto antigo, está ultrapassando a barreira do “eventualmente acontece” (de novo, área restrita aos cadastrados do fórum).

Segui pesquisando e encontrei a informação (devidamente compartilhada com o público) de que o aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte, já estava usando aves predadoras _no caso, gaviões_ para espantar famílias de pássaros nos arredores. “Apesar de terem começado em aeroporto errado, é um avanço”, foi uma das respostas.

Soube ainda que grandes aeroportos no mundo têm departamento de biologia, que estuda o ecossistema e intervenções possíveis em casos concretos de ameaça à segurança aérea.

Daí o caldo da conversação engrossou.

QUOTE(Boeing737 @ Mar 17 2009, 05:44 PM) * Olá Alec, li seu relato e como profissional do meio achei um pouco sensacionalista como de costume, mas até entendo por se tratar de uma pessoa leiga no assunto.

Ponderei que “de leigo certamente, sensacionalista não. Eu estava dentro do avião. Não estou dizendo o que me contaram, mas o que vivenciei”. Logo, outro usuário voltaria à carga.

QUOTE(Lear_60 @ Mar 17 2009, 07:08 PM) * Desculpe, mas a sua afirmação não condiz em nada com o seu texto. A começar pelo título: “Jornalista até na hora da morte: a quase tragédia do voo 1244” No texto várias vezes o tom de drama não condiz com a sua afirmação de não ser sensacionalista, muito pelo contrário. É bastante compreensível que por não entender o que estava se passando, o medo e apreensão se fizessem presentes mas ao relatar os fatos, as palavras utilizadas e o tom em que o texto foi escrito é possível notar uma bela dose de sensacionalismo, pra Datena nenhum botar defeito.

Até de Datena (ou ainda melhor que ele) fui chamado!!! É nessa hora que há um conflito quase insuperável entre jornalista e cidadão. Afinal, se estava claro que o repórter era leigo, ficou nítido que o público, especialista em aeronaves, não sabia nada de jornalismo.

Confundiu-se uma crônica publicada num blog com uma notícia de jornal. Ou seja: para essa audiência, o simples fato de ser jornalista significava que um texto seu, qualquer texto seu, tinha o mesmo valor de uma notícia.

É um ruído tremendo, mas a interação que rolou antes disso paga qualquer prenda. Porém fica escancarado o abismo. E cabe a nós nos aproximarmos.

Por ora, a conversa a parou no comentário “Acho louvável a atitude de vir até um fórum como esse e pedir informações para entender o que se passou, mas escrever um texto como esse, só reforça a imagem que todos temos de que os profissionais do jornalismo adoram aumentar absurdamente os fatos envolvendo aviação.”

PS – Procurei a assessoria de imprensa da Gol que, burocrática, limitou-se a reenviar nota produzida sob demanda e se negou a prestar outros esclarecimentos sobre o voo 1244. É a imagem que se vê no início deste post.

A viagem de volta

Depois daquela loucura toda da vinda, chegou a hora da volta.

De novo pela Gol, voo 2103, que se tudo deu certo saiu exatamente agora do Salgado Filho rumo a Congonhas.

Será que fiquei com medo de voar, fenômeno que nunca tive?

Conto depois.

ATUALIZAÇÃO:  Céu de brigadeiro com direito a ver o mar, Santos e o complexo Anchieta-Imigrantes (sempre bonito de se ver de lá de cima). Tudo deu certo. E não ficou nenhum ranço da péssima experiência do urubu naquele dia. Ainda bem.

Jornalista até na hora da morte: a quase tragédia do voo 1244

Um dos cartões de embarque do voo 1244 que escaparam de torrar no incidente do urubu atropelado em Congonhas

Um dos cartões de embarque do voo 1244 que escaparam de torrar no incidente do urubu atropelado em Congonhas

Confesso ter acreditado piamente que, em vez de estar escrevendo agora, eu estaria morto.

O estrondo de uma turbina no exato momento da decolagem, às 10h37 desta terça, seguida de um forte cheiro de queimado que invadiu sem pedir licença _e imediatamente_ toda a cabine de passageiros, me deram o sinal de que algo estava errado naquela operação tão banal.

Eu viajava na fileira 22, ao lado de uma respeitável senhora. Na verdade, uma espécie de Luiza Brunet, porém loira, que chamara a atenção desde que se dirigiu a mim dizendo “O senhor me dá licença?” _sentença de morte para minha autoestima, nem precisa dizer.

E foi-se para sua janela a Brunet galega, na poltrona 22A. E eu, que sempre peço a do corredor, impávido como Muhammad Ali na 22C.

Voltemos ao estrondo e ao cheiro de fumaça. Eu, metido a entendido em pousos e decolagens, identifiquei o baque como aquele barulho que faz o trem de pouso ao ser recolhido. Na verdade, esse estrondo soou exatamente como o tranco que os macacos hidráulicos dão ao guardar essas peças. Tanto que, tranquilo, reparei no meu ex-prédio ali perto do complexo Itaú no Metrô Conceição. Até então, dava de ombros.

Mas logo caiu minha ficha. Não podia ser o trem de pouso se o avião nem bem tinha deixado o solo (eu diria até que não deixou, mas não tenho provas). Subimos. Subimos assim. Com um baque-estrondo e cheiro de queimado como acompanhamento.

A escalada dos acontecimentos me aproximou ainda mais da realidade. Imagine-se num Uno Mille subindo uma ladeira de paralelepípedo num dia chuvoso. Pois era esse o nosso avião. Não bastassem o estrondo associado ao instantâneo cheiro de queimado, decolávamos lentos como uma tartaruga, com as turbinas nitidamente no mínimo.

Essa situação incomodou particularmente os últimos 20 passageiros do voo Gol 1244 (Congonhas-Porto Alegre), todos funcionários da empresa aérea pegando carona na viagem pouco concorrida _eu contei no dedo, mas pode ter faltado alguém, 77 pessoas.

Subíamos “à peine”, como bem dizem os franceses, e começávamos a fazer voltas que sugeriam descontrole. Lembro de ter visto a represa Billings (“é última vez”, pensei). O dia estava nebuloso. Então até as nuvens em nossa volta eu queria desfrutar. “É a última vez”, não cansava de repetir comigo mesmo. Entrementes, o avião perdia altitude. De minha parte, preparei o fechar de olhos e o desaparecimento eternos.

Os passageiros nem tiveram tempo para reagir. Não houve gritos, só alguns poucos comentários. “Vocês ouviram esse barulho?”, indagou minha Brunet. Outro passageiro se dirigiu aos funcionários da Gol com uma observação altamente técnica: “Nessa hora da decolagem os motores não deveriam estar a toda? O que está acontecendo?”

Subitamente, recomeçamos a subir, ainda devagar, ainda com barulho de motor 1.0, mas subíamos. Bem melhor que descer, nessa circunstância.

Não soubemos o que houve até que uma voz que se identificou como comandante do Boeing contou que “o cheiro de churrasco de passarinho” se deveu à turbina esquerda do avião sugar “provavelmente um urubu”. As voltas foram justificadas como “uma saída das rotas de tráfego aéreo, por segurança”. E o comunicado terminava com um reconfortante “a tripulação e nossa manutenção em terra consideram seguro prosseguir viagem”.

Reconfortante uma ova. Foram os 100 minutos mais longos de minha vida, até a chegada ao aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre. No desembarque, a janela do finger virou ponto turístico: todos os passageiros queriam ver o que houve com a turbina que comeu um pássaro. Cheguei a tempo de ver um conjunto de penas ser retirado por um funcionário em solo.

Já em terra firme, lembrei as duas coisas que pontuaram os momentos da crise. Primeiro, meu filho e minha família. No ar, quebrei as regras aeronáuticas ao sentir que estávamos indo pro brejo e saquei o celular para ver a cara sapeca do meu moleque e de minha companheira querida.

Mas, monolítico por jornalismo, também pensei no aspecto de virar notícia no dia da minha morte. Confesso que vi minha foto 3×4 debaixo do chapéu A TRAGÉDIA DO VOO 1244 de um jornal qualquer. Isso mesmo, enquanto penávamos para prosseguir no ar.

Virar notícia no dia da própria morte é algo que, positivamente, não planejei pra mim. E pensei (ainda quando o Uno Mille tentava vencer a ladeira de paralelepípedo na chuva) que os deuses deveriam chegar a um acordo e deixar sobreviver uma única testemunha, que seja, em cada tragédia. Para contar esses detalhes que, tivesse mesmo caído um avião, fariam diferença tremenda.

Mas que fique claro: não quero ser a testemunha outra vez.