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O outro país das maravilhas

Muito depois de Lewis Carrol e sua Alice, surgiu outro país das maravilhas – esse sim, maravilhoso de verdade.

Nele, todas as pessoas são felizes, frequentam lugares bacanas, almoçam e jantam nos melhores restaurantes, estão sempre cercadas de amigos, viajam pelo mundo e, nas horas vagas (eles têm muitas horas vagas), mostram seu altruísmo e solidariedade aderindo a campanhas humanitárias e mobilizações políticas.

Esse planeta maravilhoso, você já percebeu, é o Facebook, hoje frequentado por quase 1 bilhão de pessoas (entre os quais 70 milhões de brasileiros, praticamente 90% dos internautas do país). Fosse um país de terra e água, o site de Mark Zuckerbeg seria o melhor lugar pra se viver, disparado. Ali,todo mundo se dá bem.

Há exceções, como em tudo, mas a regra é um indício óbvio de que nesse país da internet todo mundo é mentiroso e manipulador. Desde o célebre cartum de Peter Steiner (“na internet, ninguém sabe que você é um cachorro”), a manipulação on-line tem sido objeto de sátira, análise e pesquisa.

Não por acaso a publicidade e o marketing têm tanto pé atrás nesse ambiente de conteúdo gerado pelo público – o jornalismo, como sempre, se jogou de cabeça, e sofre com isso.

Vale tese de doutorado, mas de toda forma prometo voltar com mais consistência ao tema.

O Facebook merece um romance ou um documentário?

O Oscar não é a diferença mais marcante entre “Bilionários por Acaso”, de Ben Mezrich, e “O Efeito Facebook”, de David Kirkpatrick _transposta para o cinema, a obra de Kirkpatrick poderia concorrer à estatueta na categoria documentário.

Os dois livros que dissecam o fenômeno têm um distanciamento de origem. No primeiro, Mezrich assume escrever um romance (nas primeiras páginas, o autor admite recriar “diálogos e situações”).

No segundo, Kirkpatrick amassa barro e vai atrás das figuras que construíram esse negócio bem-sucedido.

Entre a ficção e a reportagem, o cinema escolheu o primeiro. Faz muito bem: a lenda é sempre mais eletrizante do que a realidade.

(mais em podcast na Folha.com)

Ficção ajuda o jornalismo a refletir sobre seu papel na sociedade

A trilogia “Millenium”, do jornalista e escritor sueco Stieg Larsson (1954-2004), traz como legado à nossa profissão uma belíssima discussão de sobre como salvar não os jornais, mas a função social do jornalismo.

No final de semana, o espanhol El País publicou interessante artigo do catedrático Jaume Guillamet que analisa como a ficção nos ajuda a compreender a dimensão (e a relevância) de nosso trabalho. Ou, pelo menos, daquilo que deveria ser o nosso trabalho.

Na obra, Mikael Blomviskt _à frente de uma pequena revista à margem do mainstream_ se dedica a revelar as trapaças e desmandos de grandes corporações multinacionais. Dá vários furos na concorrência e vira uma espécie de celebridade, quando cai em desgraça porque seguiu, numa das reportagens, uma pista falsa.

Enquanto isso, Larsson narra o burocrático trabalho de TVs e grandes jornais, que tratam apenas de ser meros amplificadores da atuação policial, isentando-se de cumprir seu papel (encontrar a versão “definitiva” para os fatos).

Essa coisa de seguir fontes policiais e adotar o jornalismo declaratório (da qual nosso mundo está cheio, em todos os sentidos) a gente costuma saber muito bem onde dá: em casos como os da Escola Base, talvez o maior erro da imprensa brasileira na história.

‘A imaginação no jornalismo é a verdade’

Para que a ficção seja ficção, o jornalismo deve ser a verdade.

A ficção é o contraste sem o qual a imprensa não pode existir.

Interessantes palavras do escritor mexicano Carlos Fuentes.