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Só agora, Wikipedia?

Em 2006, para incentivar meus alunos de graduação em jornalismo a publicar textos na internet, tive a ideia de usar a Wikipedia – já na época o maior projeto colaborativo global.

A proposta era simples: definir uma série de verbetes que a enciclopédia ainda não tinha, dividi-los entre a turma e mãos à obra.

Pois bem: a iniciativa foi pessimamente recebida pelos admins da Wikipedia, inicialmente por conta do volume simultâneo de atualizações partindo de um único IP (fazíamos isso em sala de aula).

Os verbetes iam sendo derrubados, um a um, sumariamente. E, como tudo na Wikipedia, não havia cristo que fizesse aquilo cessar. Numa das inúmeras discussões com os administradores, ao explicar o caráter pedagógico da proposta, recebi a seguinte resposta: “a Wikipedia não é o lugar para isso. No máximo use uma página de teste ou outro programa de edição wiki”. Jamais esqueci.

Não é que agora fiquei sabendo do projeto Wikipedia na Universidade, que prevê exatamente aquilo que tentei fazer há oito anos? Demorou, mas nasceu.

A proposta da Unesco para o ensino de jornalismo

A Unesco publicou em português uma proposta de modelo curricular (em PDF) para o ensino do jornalismo elaborada em 2007. Omissões absurdas poderiam, a princípio, ser creditadas apenas ao tempo (quatro anos é uma eternidade na internet), mas parecem deliberadas.

O órgão resume assim o processo: quatro “especialistas” da entidade elaboraram um esboço depois apresentado a 20 professores “com reconhecida experiência na profissão” (de professor ou de jornalista? Não sabemos). Eles se encarregaram da descrição de cada disciplina e do esboço “das competências fundamentais do jornalismo”.

Depois, um grupo ainda mais numeroso espalhado pelos cinco continentes escreveu o programa das 17 disciplinas fundamentais. Foi um trabalho valoroso que, pese a bibliografia desatualizada, não faz feio ao que hoje se ensina nas faculdades de jornalismo brasileiras.

Mas há outros problemas. A palavra “inovação” não aparece no texto de 161 páginas.

Assim como “empreendedorismo”, que é um tema importante a se debater com pessoas que trabalharão numa área na qual iniciativas individuais cada vez mais conquistam espaço e remuneração.

Insuficiente também a preocupação com o avanço tecnológico, que na proposta da Unesco aparece associado apenas ao jornalismo on-line, quando precisa estar espalhado por toda e qualquer disciplina de um bom curso.

Não existe menção a dispositivos móveis, e o termo “celular” aparece uma única vez quando se fala sobre SMS. Em 2007, o iPad nem existia.

Precisa de um banho de loja essa grade curricular.

O fim do diploma e o começo de outro jornalismo

A decisão do STF, que por 8 votos a 1 optou ontem pelo fim da exigência do diploma, é histórica e abre caminho para que, enfim, o ensino de jornalismo melhore e seus profissionais passem a constituir uma categoria _o que jamais existiu, com ou sem obrigatoriedade de canudo.

Comecemos pela repercussão: que triste constatar centenas de comentários de jornalistas diplomados tratando a questão meramente como “joguei quatro anos no lixo” ou “e os R$ 60 mil que paguei pelo curso, como ficam?”.

Sintomáticas, são frases que exemplificam porque o jornalismo está tão ruim. Quer dizer que desde sempre a questão foi tratada apenas como um trâmite, uma obrigação a se cumprir, como se a formação pessoal não contasse nada.

Pois bem: é exatamente nesse aspecto (o da formação) que eu vejo um futuro auspicioso.

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Gay Talese e o orgulho de ser jornalista

Afinal de contas, agora a formação prevalece sobre a imbecil reserva de mercado. E, para ser jornalista, você terá de se preparar de verdade. Não bastará cumprir (sabe-se lá em que nível) uma quarentena obrigatória de oito semestres para, ao final dela, chegar ao pote de ouro.

A mudança atingirá a universidade justamente no momento em que uma comissão de notáveis discute mudanças no currículo da graduação. Essa reformulação precisa ser mais aprofundada agora que a formação e especialização serão a moeda corrente _sim, as empresas seguirão dando preferência a quem entende do assunto.

Não consigo enxergar a extinção e o esvaziamento dos cursos de jornalismo no Brasil. Na Argentina, como contei no ano passado, tampouco existe obrigatoriedade de diploma e as salas de aula estão cheias. É assim nos Estados Unidos e na Europa também.

A formação do profissional, que sem dúvida é muito mais rápida na prática, tendo a redação como lousa e os velhos lobos como professores, continuará existindo na academia.

A diferença é que, agora, o portador do diploma não terá um passe para exercer automaticamente a profissão. Ou seja: a faculdade só poderá lhe fornecer informação, não o passe de papel. E as que vivem acenando com o passe, estas sim, estão seriamente ameaçadas.

Com a decisão do STF, preparar-se passou a ser o fim, não um incômodo entre aluno e salvo-conduto para trabalhar.

Prevejo ainda uma enxurrada de cursos de especialização no que você puder imaginar (jornalismo esportivo, político, econômico, cultural, oficinas de reportagem, texto etc.).  Aliás, já há vários projetos sendo preparados para 2010.

No quesito categoria profissional, o fim do diploma também traz consigo a oportunidade histórica de, finalmente, reunir os jornalistas numa categoria de verdade.

Qualquer argumentação sobre o fim da obrigatoriedade precipitar contratações irregulares, jornadas extenuantes de trabalho, não pagamento de horas extras, condições precárias de trabalho e quetais não colam.

Tudo isso já existe hoje, no mundo real. E sob a égide do diploma. O que leva o patronato a tratar os jornalistas como subempregados é precisamente a ausência de um espírito coletivo.

Vejo a suposta fragilização da profissão, após a decisão do STF, por outro ângulo: o fim da reserva de mercado, e a possibilidade de ingresso no jornalismo de profissionais com outras experiências inclusive no trato com os patrões, dão a todos nós a chance imensa de estabelecer outro tipo de relação com o empregador _e, quem sabe, atingir a tão sonhada categoria que discurso nenhum de sindicato conseguiu forjar.

Quem se habituou a ser tratado como gado, como os jornalistas diplomados, ganha uma ótima perspectiva com a companhia, agora oficializada, de gente que não está acostumada a essas relações de trabalho tão podres que foram construídas com a conivência de quem (eu, inclusive) deveria ter protegido o exercício da profissão.

Restringir o acesso a ela, como já sabemos, não funcionou.

ATUALIZAÇÃO: Já li dois excelentes textos nesta manhã sobre o fim da obrigatoriedade do diploma: o de Marcelo Soares “Se você tem medo de concorrer com analfabetos, melhor plantar batatas” e o de Rogério Christofoletti “Estudar não faz mal a ninguém” (as aspas foram escolhas minhas). Durante o dia, atualizo aqui com mais coisa legal.

Mais textos sobre a decisão do STF: “Não tenho medo de perder meu emprego para um sem-diploma” (Márcio Leijoto), “Existem duas visões que podemos adotar, a otimista e a pessimista” (César Valente) e “Muito barulho por nada” (Carlos Brickman).

Por que tanta gente quer ser jornalista?

Ricardo Kotscho comenta porque tanta gente quer ser jornalista. Pudera, é muito legal, adiciono. Durante anos, uma frase de Ziraldo foi meu mantra: “Eu não entendo como as pessoas podem ser felizes se não forem jornalistas”.

Legal que, logo de cara, Kotscho já se sai com “Claro, eu sei que com o crescimento das novas mídias eletrônicas ninguém mais precisa ter diploma nem emprego para ser jornalista, pois cada um pode fazer seu próprio jornal na internet.”

Essa é uma das sentenças com as quais mais concordo hoje em dia. Eu mesmo já disse, algumas vezes, que se tivesse essas oportunidades na minha época, provavelmente eu teria desenvolvido minha veia jornalística de cueca e em casa, sem jamais ter passado por uma redação ou faculdade do ramo.

Kotscho ainda fala de sua crença na sobrevivência do produto jornalístico impresso (eu também acredito nisso).

Enfim, é um texto de fôlego (na verdade, a transcrição de uma palestra) reproduzido pelo Comunique-se. E que num feriado pode cair bem como leitura incidental.