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Notícias falsas, mas não tão críveis

Estudo de Andrew Guess, Brendan Nyhan e Jason Reifler antecipado pela primeira edição da revista New Yorker em 2018 demoliu mais um mito: o de que as notícias falsas distribuídas via redes sociais em 2016 foram preponderantes para a inesperada (até por ele mesmo) vitória de Donald Trump, enfim eleito o presidente 45 dos Estados Unidos.

Combinando dados de tráfego da internet um mês antes e uma semana depois da eleição a uma entrevista com 2.525 pessoas, o levantamento conclui que 27,4% dos americanos a partir dos 18 anos se depararam com ao menos uma notícia falsa relacionada ao pleito em suas timelines.

A questão é que quase 60% das visitas a sites disparadores de fake news partiu da parcela de 10% que se encontra em posições extremas – à direita ou à esquerda – do espectro político e, portanto, já têm opinião formada.

Uma pesquisa anterior, de Hunt Allcott e Matthew Gentzkow, já havia detectado que cada americano adulto foi impactado por pelo menos uma notícia falsa durante a eleição – entretanto, apenas 8% desse universo acreditou de fato no que estava lendo.

Uma outra descoberta interessante de Guess, Nyhan e Reifler diz respeito aos serviços de checagem de notícias (conhecidos como ‘fact-checkers’). De acordo com o estudo, só grandes consumidores de notícias (logo, pessoas muito bem informadas) costumam ler as verificações disponibilizadas pelos fact-checkers – o que significa que eles não prestam o serviço mais relevante, que é esclarecer os incautos.

Há ainda uma questão importante sobre as fake news e que acabou tangenciada depois que veio à tona a participação russa no que se pode chamar de manipulação da eleição: a notícia falsa impulsionada pelas redes sociais não nasce como tentativa de interferir num processo eleitoral, mas sim com cunho totalmente monetarista – mais visitas representam mais clicks em banners e, portanto, mais remuneração de serviços como o Google Ads.

Desta forma, o recurso não é (principalmente não é, insisto nisso) uma estratégia de pessoas interessadas em influenciar num processo eleitoral, mas sim em anabolizar sua conta bancária. Pense nisso nesse 2018 antes de sair clicando em links por aí.

Lá como cá?

Pesquisa Pew Research mostra que as redes sociais são o segundo drive que os eleitores americanos têm usado para se informar sobre a campanha eleitoral presidencial de 2016 – à frente, a TV fechada.

Levantamento semelhante realizado pelo Ibope em janeiro apontou que, no Brasil, a TV aberta ainda lidera esse quesito de forma soberana (internet mais redes sociais surgem como relevantes na decisão de voto para 19% dos brasileiros).

É a mensagem, estúpido!

A virulência da eleição presidencial – cujo rumo sangrento, diga-se, não foi ditado pelas pessoas mas pelas próprias campanhas – trouxe novamente à tona, especialmente entre analistas analógicos, uma certa desesperança com as redes sociais.

Ora, culpar as redes é como empastelar a Editora Abril por causa de uma capa de Veja: é a mensagem, estúpido, não o mensageiro.

Redes sociais são tocadas por pessoas. Está aí, portanto, a raiz do problema. Jamais na plataforma.

Twitter destaca ideias do jornalismo no microblog

Assim como o Facebook, o Twitter também está se aproximando do jornalismo – na eleição americana, o site criou um perfil (o @Twitterfornews) para destacar boas ideias e usos do microblog em redações.

Teremos algo assim no Brasil em outubro?

Jornalismo investigativo e internet provocam mudança real

Na semana passada escrevi que a “onda verde” e o crescimento de Marina Silva, associado à campanha sobre o aborto (e contra Dilma Rousseff), tinham passado a sensação de que a internet, enfim, provocara algum tipo de ruído eleitoral com resultado concreto nas urnas.

Faltava, para isso, a realização de uma pesquisa que apontasse o que os indícios mostravam, comentei.

Pois a pesquisa foi feita, pelo Datafolha, e detectou que não apenas a internet triunfou na reta final da campanha presidencial, mas também o jornalismo investigativo _este, aliás, em maior grau.

Convenhamos, o jornalismo investigativo também chega ao eleitorado via web, o que significa um bônus para a rede.

Um dos recortes do levantamento dá conta de que os fatos que levaram à queda da ministra da Casa Civil, Erenice Guerra (sucessora de Dilma), e também o escândalo do acesso a dados sigilosos na Receita Federal tiveram mais impacto na mudança de votos do que os temas religiosos.

O Datafolha também perguntou aos eleitores (mais de 3,5 mil em todo o país) se eles haviam recebido algum tipo de mensagem eletrônica que desabonasse algum candidato.

Num universo de 56% do eleitorado brasileiro que acessam a internet, 14% disseram ter recebido correntes com boatos de toda espécie.

Porém foi a investigação jornalística quem teve papel mais importante na mudança do voto, ou seja, na alteração concreta de uma situação real.

As duas informações são auspiciosas, de toda forma.

Na reta decisiva, internet parece ter produzido ruído eleitoral

Se não foi capaz de amenizar totalmente a sensação de irrelevância da internet no processo eleitoral brasileiro, a última semana de campanha exibiu ao mesmo tempo o lado bom e o mais baixo da rede que conecta pessoas.

Ainda que restrito a redes sociais específicas (como Twitter e Facebook), é impossível não notar que o movimento a favor de Marina Silva (a “onda verde”) se acentuou na web precisamente no momento em que a candidatura da verde, enfim, decolou e saiu da estabilidade.

Simultaneamente, ressurgia a velha tática terrorista-cristã, agora espalhada via e-mail e Orkut, principalmente, associando a candidata petista Dilma Rousseff a uma suposta disposição de relaxar os dispositivos legais que coibem o aborto no país, assunto que provoca urticária no eleitorado religioso.

Nos dois casos, os movimentos nascidos na internet parecem ter promovido algum resultado concreto nas urnas _só um levantamento entre os dois grupos de eleitores (os de Marina e os religiosos) é capaz de assegurar o que os indícios mostram.

Ações do gênero, que mudam o rumo de eleições, sempre houve, e isso muito antes da internet. Lembro de 1985, quando FHC titubeou ao responder num debate na TV se acreditava em Deus.

Dias depois, São Paulo amanheceu forrada de cartazetes com os dizeres “Cristão vota em Jânio”, que acabou sendo eleito prefeito, virando uma eleição quase perdida.

A diferença daquela época para hoje é que as campanhas não tinham as mesmas armas de contrainformação que dispõem hoje, quando a facilidade de publicação na rede praticamente deu uma imprensa para cada cidadão.

Marcelo Branco e sua “guerrilha virtual”, contratados pela campanha petista para fazer esse trabalho na internet, nem se deram conta.

(versão revisada de texto meu publicado na edição de ontem da Folha de S.Paulo)

Sob ‘guru’ indiano, site de Serra aposta naquilo que o internauta mais abomina

Texto de minha lavra que a Folha publicou ontem.

“O site oficial da campanha do candidato à Presidência José Serra (PSDB) se transformou desde que o norte-americano de ascendência indiana Ravi Singh assumiu sua administração, há dez dias.

A página abandonou produção de conteúdo e atualização frequente para virar mera caçadora de contatos, recorrendo justamente ao expediente que o internauta mais odeia: os cadastros.

Onde se clica surge um formulário. A intenção é angariar voluntários (ainda não se sabe exatamente para que) e obter listas de e-mails e contatos em redes sociais.

Só quem tiver a curiosidade de rolar até o fim da página e clicar no site oficial do PSDB, que aparece discretamente sob um ícone, terá acesso à cobertura das atividades diárias de Serra _ainda que a atualização seja discutível e a navegação, nada amigável. Trata-se de uma inversão de hierarquia inexplicável.

O site é o que o candidato (que na quinta-feira festejou, numa entrevista ao vivo a uma rádio, a conquista de seu seguidor 401 mil) indica em seu perfil no Twitter.

Outro erro flagrante da página proposta por Singh (cujo primeiro ato ao ser contratado foi criar o slogan “é a hora da virada”) é o apelo, quase em tom comovido, que aparece na home page.

“Ajude-nos a enviar este vídeo para todos os seus amigos AGORA!” é tudo o que não se deve suplicar quando a pretensão é distribuir conteúdo. Isso quebra a própria etiqueta na rede.

Afinal, se for bom ou pertinente, seu vídeo será distribuído espontaneamente pelas pessoas _e engajamento espontâneo na internet é tudo o que pode fazer a diferença numa eleição.

Singh tem um longo histórico de participação em campanhas eleitorais. Na mais recente, na Colômbia, trabalhou para Juan Manuel Santos, que se elegeu presidente. Seu rival nas urnas, Antanas Mockus (PV), porém, provocou muito mais barulho e repercussão na web.

Enquanto os tucanos patinam, suas principais adversárias na corrida ao Planalto (Dilma Rousseff e Marina Silva) têm feito a lição de casa em suas páginas oficiais.

Primeiro, a acertada opção pelo formato jornalístico para contar o dia a dia da campanha, além de atualização frequente de conteúdo mais chamativo, como fotos em tamanhos panorâmicos.

As páginas de PT e PV ainda ressaltam com destaque a possibilidade de contribuir financeiramente com suas candidatas. Há, é claro, inevitáveis atalhos para cadastros e formulários. Mas eles são apenas uma opção, não a principal (ou única, no caso de Serra) destaque do site.”

Acabou a comunicação de cima para baixo

Quando Clay Shirky fala, é melhor ouvi-lo.

O jornalista e professor da Universidade de Nova York _e hoje uma das principais autoridades em vida digital e as mudanças provocadas pela tecnologia_ faz uma bela análise sobre como redes sociais construídas em torno de sites de relacionamento (como Twitter e Facebook) e mensagens de texto (os populares torpedos) estão destruindo o conceito de comunicação imposto de cima para baixo, especialmente por governos autoritários que exercem rígido controle sobre a imprensa, digamos, “formal”.

É o que estamos assistindo no Irã, onde o povo protesta, na rede e nas ruas, contra o resultado das eleições que deram mais um mandato a Mahmoud Ahmadinejad.

Engraçado que ainda há empresas jornalísticas, dentro e fora do mainstream, que agem como esses governos autoritários. E que acreditam piamente serem o filtro universal entre os acontecimentos e seus leitores. Coitadinhos.

(via Certamente!)