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O buraco negro do direito de resposta

Projeto de lei que versa sobre o direito de resposta sancionado nesta quarta (12/11) pela presidente Dilma Rousseff tem dois aspectos interessantes a se levar em consideração no que diz respeito à digitalização da informação.

Primeiro, explicita que não abarca comentários em sites, ou seja, deixa de fora um manancial importante de calúnia e difamação com a qual a mídia formal jamais soube lidar.

Mais importante, o projeto trata especificamente de “empresas jornalísticas”, o que exclui blogs e outras iniciativas pessoais – como perfis em redes sociais. Um buraco negro sem fim.

Reinações de Garotinho

O deputado federal Anthony Garotinho, líder do PR na Câmara e ex-ficha-suja (segundo o TSE, que reformou decisão de instância inferior), tem dedicado em seu mandato especial atenção à mídia.

Nesta semana, apresentou projeto de lei que desobriga empresas estatais a publicar balanços, editais e fatos relevantes (jargões do economês) em jornais de grande circulação.

Se aprovado, o PL representará um duro golpe nas já combalidas finanças do jornalismo impresso. Estima-se que um único balanço (e são ao menos cinco anuais, fora as outras modalidades de comunicados públicos) possa custar até R$ 800 mil num jornal como o Valor, que reúne a maior parte desse tipo de anúncio legal e é uma propriedade compartilhada por dois dos maiores grupos de mídia do país (Folha e Globo).

Em outra frente, Garotinho capitaneia proposição para estabelecer o rito sumário de direito de resposta. “Desde muito tempo sou vítima de mentiras e difamações expostas por alguns meios de comunicação que me perseguem”, afirma.

É bem verdade que a internet e sua capacidade de armazenamento e organização de banco de dados parece ser, hoje, a plataforma mais adequada para se exibir informação cuja motivação básica é a transparência.

No caso do direito de resposta, há a falsa percepção de que existe um vácuo jurídico desde que o STF considerou a Lei de Imprensa inconstitucional, em 2009. Não é verdade: nossa Constituição trata de forma límpida sobre o tema.

 

O direito de resposta mais célebre da história do jornalismo nacional

Visivelmente constrangido, Cid Moreira lê direito de resposta de autoria de Leonel Brizola

Visivelmente constrangido, Cid Moreira lê direito de resposta de autoria de Leonel Brizola

Fez 15 anos, praticamente incógnito, o direito de resposta mais célebre da história do jornalismo brasileiro: em 15 de março de 1994, visivelmente constrangido, Cid Moreira (que por 27 anos esteve à frente da bancada do Jornal Nacional) leu texto de 440 palavras que a Justiça obrigou a TV Globo a divulgar em seu telejornal mais nobre.

Foram cerca de três minutos nos quais Cid, a cara do JN, incorporou Leonel Brizola, então governador do Rio de Janeiro, que atacou duramente a emissora.

A ação de direito de resposta, obra do advogado Arthur Lavigne, foi inédita e abriu caminho para que os cidadãos buscassem amparo legal contra barbaridades cometidas pela imprensa _neste caso específico, num editorial, Roberto Marinho, o dono das Organizações Globo, havia chamado Brizola de “senil”.

Leia, abaixo, a íntegra do texto. E divirta-se com o vídeo deste momento histórico que minha amiga @fergiu me ajudou a relembrar dia desses.

“Todo sabem que eu, Leonel Brizola, só posso ocupar espaço na Globo quando amparado pela Justiça. Aqui, citam o meu nome para ser intrigado, desmerecido e achincalhado perante o povo brasileiro. Ontem, neste mesmo Jornal Nacional, a pretexto de citar o editorial de O Globo, fui acusado na minha honra e, pior, chamado de senil.

Tenho 70 anos, 16 a menos que o meu difamador, Roberto Marinho. Se é esse o conceito que tem sobre os homens de cabelos brancos, que use para si. Não reconheço na Globo autoridade em matéria de liberdade de imprensa, e, basta, para isso, olhar a sua longa e cordial convivência com os regimes autoritários e com a ditadura que por 20 anos dominou o nosso  país.

Todos sabem que critico, há muito tempo, a TV Globo, seu poder imperial e suas manipulações. Mas a ira da Globo, que se manifestou ontem, não tem nenhuma relação com posições éticas ou de princípio. É apenas o temor de perder negócio bilionário que para ela representa a transmissão do carnaval. Dinheiro, acima de tudo.

Em 83, quando construí a Passarela, a Globo sabotou, boicotou, não quis transmitir e tentou inviabilizar, de todas as forma, o ponto alto do carnaval carioca. Também aí, não tem autoridade moral para questionar-me. E mais: reagi contra a Globo em defesa do Estado e do povo do Rio de Janeiro que, por duas vezes, contra a vontade da Globo, elegeu-me como seu representante maior. E isto é o que não perdoarão nunca.

Até mesmo a pesquisa mostrada ontem revela como tudo na Globo é tendencioso e manipulado.

Ninguém questiona o direito da Globo mostrar os problemas da cidade. Seria, antes, um dever para qualquer órgão de imprensa. Dever que a Globo jamais cumpriu quando se encontravam no Palácio Guanabara governantes de sua predileção. Quando ela diz que denuncia os maus administradores, deveria dizer, sim, que ataca e tenta desmoralizar os homens públicos que não se vergam diante de seu poder. Se eu tivesse pretensões eleitoreiras de que tentam me acusar não estaria, aqui, lutando contra um gigante como a Rede Globo. Faço-o porque não cheguei aos 70 anos de idade para ser um acomodado.

Quando me insultam por minhas relações administrativas com o Governo Federal, ao qual faço oposição política, a Globo vê nisso bajulação e servilismo. É compreensível. Quem sempre viveu de concessões e favores do poder público não é capaz de ver nos outros senão os vícios que carrega em si mesmo.

Que o povo brasileiro faça seu julgamento, e, na sua consciência lúcida e honrada, separe os que são dignos e coerentes daqueles que sempre foram servis e gananciosos”.

Imprensa sem lei

E, com o fim da Lei de Imprensa, há um grande vazio.

Vazio porque, por pior que fosse a Lei, era uma lei.

O jornalismo é uma atividade tão específica que, evidente, não está contida em sua plenitude nos (também retrógrados e impostos) códigos Civil e Penal. Jornalismo não aparece nem nos formulários de compras on-line _acabamos, todos, relegados ao item ‘outros’.

Em inglês, a Associated Press relata o fim da Lei da Imprensa

A mesma reportagem da AP, traduzida para o espanhol

A decisão do STF dá um poder tremendo aos tribunais de primeira instância, onde é sabido que a influência local é ainda mais desavergonhada.

É verdade, cansei de testemunhar derrapadas e erros grosseiros em reportagens. Algumas delas, inclusive, protagonizadas por mim. Mas a Lei de Imprensa que acaba de ser enterrada na cesta de lixo da história não dava conta do trabalho de reparação.

Mas a ausência de uma legislação específica sobre a atuação da imprensa formal consegue ser ainda pior. É um tema que a jornalismo tem de discutir para, no mínimo, impor limites e definir padronização de processos (como o direito de resposta).

Indo mais longe: o ato de apurar/analisar/difundir notícias é tão antigo quanto a própria humanidade. Foi potencializado pelas ferramentas da nossa era, que deu uma imprensa pessoal a cada um de nós.

Estaríamos, portanto, sujeitos a uma espécie de lei de imprensa se a nova legislação (e eu espero que ela exista) for feita sob a luz da nova ordem informacional?

Duvido. Será mais atraso.