Arquivo da tag: Correio Braziliense

Correio Braziliense faz a lição de casa da convergência

Em plena quinta-feira, uma cabrita vira contracapa do caderno de cidades: a fórmula contra o hardnews do Correio Braziliense

Em plena quinta-feira, uma cabrita vira contracapa do caderno de cidades: a fórmula contra o hardnews do Correio Braziliense

O Correio Braziliense fez bastante bem a lição de casa da convergência de conteúdos de suas edições impressa e on-line em seu novo projeto gráfico, que estreou no mês passado. A análise que se segue tem como base a edição de quinta-feira (30/7/2009).

A promessa de relativizar o “aconteceu ontem”, ou seja, o que já foi divulgado no dia anterior pelo site do veículo, não é levada a ferro e fogo. A retranca “GDF recorre ao STF para ter financiamento”, segundo texto em importância na página 30, é prova cabal: foi publicado pela versão eletrônica não no dia anterior, mas em 28/7, via feed da Agência Brasil.

Aconteceu anteontem: notícia 'velha' também ganha protagonismo na edição impressa

Aconteceu anteontem: notícia 'velha' também ganha protagonismo na edição impressa

A aposta em conteúdo difenciado, promessa do diretor de redação, Josemar Gimenez, se comprova na contracapa do caderno de Cidades, a cargo do side “Drica, a cabrita que reina“, história sobre animal querido e “tratado como gente” em Ceilândia do Norte.

“O momento de mudança é agora. Temos que apresentar um diferencial para o nosso leitor. Não podemos nos limitar a reproduzir em nossas páginas o que aconteceu no dia anterior. Vamos priorizar a exclusividade do conteúdo”, diz Gimenez em texto divulgado pelo Correio na ocasião da estreia da reformulação.

A rigor, o hardnews se restringiria à seção “Deu no http://www.correiobraziliense.com.br”, espalhado pelo jornal impresso. Porém é conteúdo que, de fato, não mereceria mais do que simples notinhas.

Por outro lado o jornal também está produzindo, a olhos vistos, bem mais suítes do que seus concorrentes, prática que anda bastante esquecida na imprensa brasileira. A suíte é outra alternativa, além de matérias frias, para a fugir ao relato do dia anterior a que parecem condenados todos os jornais do planeta.

Há também muitas remissões no produto impresso para conteúdos multimídia no site, prática que se reconhece ineficiente mas, no âmbito institucional, é absolutamente necessária.

É difícil mesurar qual a quantidade de leitores do jornal que, incentivados por um link publicado no produto, corram à web para complementar a informação lida pouco antes. O jornal espanhol El Pais já fez uma interessante experiência ao publicar, no jornal, url que permaneceu escondida na versão eletrônica e, teoricamente, só podia ser acessada por quem tinha lido a notícia impressa. Num universo de 400 mil leitores do periódico em papel, apenas cinco (isso mesmo) tiveram a curiosidade de explorar o material suplementar na rede.

Conteúdo remissivo a dispositivos móveis: nada novo, mas ainda ousado

Conteúdo remissivo a dispositivos móveis: nada novo, mas ainda ousado

A incorporação de recursos como o QR Code, que apesar de não ser inédito provoca sempre uma boa sensação de se que está na vanguarda, é outro ponto alto do projeto.

Curioso que algo tão novo e ainda pouco explorado conviva com o velho conceito de hiperlink impresso, ou seja, palavras destacadas que, via fio, levam a mais conteúdo _diga-se, usada como solução de legenda de foto (e só), funciona muito bem.

O “uso intenso de peças gráficas e infografias”, promessa do release de lançamento da reformulação, não foi notado: havia uma única infografia em toda a edição de 30 de julho de 2009. E isso que o jornal, que sempre priorizou este item, reforçou o time da edição impressa cooptando até mesmo o único designer que tinha designado para servir à edição on-line.

Com altos e baixos, como tudo na vida costuma ser, o Correio Braziliense começa bem essa incrível aventura de repensar o jornal diário. Agora queremos saber quem serão os próximos a ousar.

De volta ao planeta off-line

Acabo de saber que o repórter Lúcio Vaz, do Correio Braziliense, encerrou as atividades de seu blog no site do jornal por considerar “praticamente impossível conciliar reportagem investigativa com o abastecimento de um blog”.

“A investigação jornalística exige tempo, sigilo, dedicação e concentração. Uma só reportagem demanda, às vezes, duas ou três semanas de trabalho. Nesse período, o repórter precisa se manter focado na pauta, o que exclui outras atividades”, justificou em seu último post. Hmmm…

Engraçado que acabo de dar um bom exemplo de uso da rede (a história do egípcio Ahmed Daher, abaixo) e me cai no colo esta, que é precisamente o oposto.

Repórteres de papel ainda não entenderam que, por trás do palco e do holofote do blog, existe uma comunidade criada por eles mesmos em torno dos interesses e temas presentes em seus cotidianos. E que esta comunidade, se tratada com reciprocidade e respeito, é capaz de ajudá-los nas investigações jornalísticas mais espinhosas e trabalhosas.

Vaz deixou o mundo on-line vociferando contra o que chamou de “verdades apontadas por blogueiros”, a quem acusou de “sair copiando tudo o que outros colegas fizeram de bom naquele dia” _copiando? Mas meu deus, a plataforma blog pressupõe que se mostre o que a blogosfera está dizendo sobre os mesmos assuntos que você, criatura!).

O repórter volta ao planeta off-line questionando uma suposta limitação sobre o tamanho dos textos _não há consenso sobre isso no meio_ que era obrigado a redigir no blog. “O leitor do blog também espera notas mais curtas, com informações quentinhas. Ele não quer nem mesmo rolar a tela. São três ou quatro parágrafos, no máximo.” E critica o caráter opinativo da blogosfera (“Também não gosto de fazer comentários. Prefiro levar a informação ao leitor, para que ele tire as suas conclusões).

Ninguém é obrigado a blogar, evidente. Mas há conceitos dentro do ambiente on-line que não podem ser reduzidos a comparações com o bom e velho papel. Se fizessemos o oposto, pobre papel, não?

Com a saída de Vaz da rede, perde o público. Ele, porém, perde infinitamente mais.

Mais do mesmo

Alguns ficaram incomodados com o título “Em clima de luto, família morta em Unaí é enterrada”, que a edição eletrônica do “Correio Braziliense” utilizou neste domingo para relatar a chacina familiar que abalou a cidade goiana de Unaí.

Primeiro, não é fácil escrever sobre o assunto. Pode reparar que, nessa hora, se existe chapéu a ser preenchido, dificilmente ele fugirá de “tragédia” ou “morte”. Nas capas dos jornais impressos ou nos on-lines.

Mesmo assim, difícil não notar as redundâncias, como se o redator estivesse andando em círculos. O dia em que um enterro (de pessoas mortas) não se realizar sob clima de luto, avisem-me, porque temos uma história.

O “morta” também é um vício jornalístico que dá pano para outras interpretações. Surgiu, no impresso, como opção a “assassinada”, bem maior e mais factível de fazer estourar um título. “Morta”, ainda em jornalês, também pode significar pessoa falecida por doença ou causas naturais. Na “Folha de S.Paulo” certamente você leria algo como “A ex-primeira-dama Ruth Cardoso, morta em junho…”

Certamente, não foi o único exemplo de título infeliz do dia. A editoria de esportes é sempre pródiga em mesmices, imprecisões ou tolices.

Primeiro jornal brasileiro faz 200 anos

A imprensa brasileira completa dois séculos neste domingo. Foi num dia 1º de junho, mas de 1808, que circulou o primeiro jornal do país, o “Correio Braziliense“, editado em Londres por Hipólito da Costa.

“O primeiro dever do homem em sociedade he ser util aos membros della. […] Ninguem mais util pois do que aquelle que se destina a mostrar, com evidencia, os accontecimentos do presente, e desenvolver as sombras do fucturo. Tal tem sido o trabalho dos redactores das folhas publicas, quando estes, munidos de huma critica saã, e de huma censura adequada, represêntam os factos do momento, as reflexoens sobre o passado, e as solidas conjecturas sobre o futuro”, é o que diz, na grafia original, o editorial publicado na primeira página inaugural do “Correio”, que era mensal e durou até 1822.

A “Folha de S.Paulo” de hoje mostra que historiadores ressaltam dois aspectos deste começo do jornalismo impresso no Brasil _pouco mais de três meses depois do lançamento do jornal de Hipólito, surgia a “Gazeta do Rio de Janeiro”, jornal oficial da corte portuguesa.

O primeiro é que a imprensa chegou muito tarde (o Brasil foi apenas o 12º país da América Latina a instalar uma tipografia, enquanto o México, por exemplo, já tinha o sistema desde 1535). O segundo, que ela nasceu censurada (os impressos, em Portugal, passavam por três instâncias oficiais de vigilância _ao editar desde Londres, Hipólito burlava a norma).

O jornal traz ainda um artigo inédito da historiadora Isabel Lustosa, que se debruça sobre uma exaustiva pesquisa que tentará revelar a relação entre Hipólito e o Brasil. O livro resultante deste trabalho será publicado em 2011.

Escreve a autora: “Aspecto intrigante da biografia de Hipólito da Costa é o pouco tempo que ele viveu no Brasil em contraste com o tanto que ele escreveu sobre e para o Brasil. Hipólito nasceu em 1774, na Colônia de Sacramento que então fazia parte da Cisplatina, aquela parte do Brasil que foi formar o Uruguai, viveu ali
até os três anos; passou a infância e adolescência – cerca de 14 anos – no Rio Grande do Sul e foi para Coimbra, iniciando uma trajetória que o manteria fisicamente afastado do Brasil até sua morte, aos 49 anos, em 1823. Não se tem notícia de que Hipólito da Costa tenha estado alguma vez no Rio de Janeiro, em São Paulo ou em Minas Gerais e, menos provavelmente ainda, na Bahia, em Recife, em São Luís do Maranhão ou em Belém do Pará. Enfim, do Brasil, Hipólito só conheceu o Rio Grande do Sul, região de fronteira, cenário das disputas com as colônias espanholas do Prata, com as quais se confundiam culturalmente.”

Claro que há o que comemorar, mas o “Correio Braziliense” atual, de Brasília, exagerou. Fundado a pedido de JK em 1960, promove festa para marcar a passagem dos 200 anos do título cujo nome emprestou. As coisas de JK são sempre assim: se ele diz ter percorrido 50 anos em 5, o que são 200 em 48…