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Triste o mundo em que vivemos

A barriga da Rolling Stone americana sobre um fantasioso relato de estupro coletivo que teria ocorrido dentro de uma universidade proporcionou um documento talvez inédito na história dos erros da imprensa: a pedido da publicação, pesquisadores de Columbia escrutinaram os processos que levaram à falha grotesca.

A investigação sugere de falha na apuração (e a praga da fonte única) ao açodamento dos editores – ambos óbvios.

O pior é constatar que o relato de um estupro coletivo dentro de uma universidade se enquadra no universo do possível, tanto porque já houve quanto porque haverá.

Triste o mundo em que vivemos.

O preço de um erro

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Custou R$ 650 mil – afora o incalculável passivo de imagem – a publicação de uma foto fake do presidente venezuelano Hugo Chávez pelo jornal espanhol El Pais na semana passada. É a imagem que você vê acima (ela foi negociada por R$ 40 mil).

A empresa que edita o jornal saiu à caça dos exemplares já na rua, e promoveu uma reedição de emergência sem a barbaridade. Em seu site, a imagem ficou impávida como Muhamad Ali por eternos 30 minutos.

É o que nos conta o próprio jornal, em reconstituição passo a passo da decisão de publicar a imagem, oferecida por uma agência que não prima exatamente pela primícia noticiosa – o mais surpreendente para mim, e isso já se sabia desde aquele dia, é que a ficha do periódico só caiu por causa da repercussão em redes sociais. Ou seja, o jornal estava completamente nu. E foi descoberto.

Estamos numa época, portanto, em que as pessoas avisam em tempo real  que o jornalismo profissional fez uma barbeiragem. Mais: uma era em que as pessoas, atuando juntas, acabam fazendo o que a gente deixa de fazer.

Para piorar, um italiano assumiu o “atentado jornalístico” justificando que sempre faz isso: espalha cascas de banana para checar quais os níveis de filtragem e apuração da imprensa formal.

É uma grande história porque extrapola o campo do folclore das barrigas jornalísticas e penetra no turbulento mundo da conspiração política.

Preocupante ou auspicioso?

Sósia de Bill Gates engana jornal colombiano


O jornal colombiano El Heraldo publicou uma foto de Bill Gates durante um jantar em Bogotá – ninguém sabia que o cofundador da Microsoft estava na Colômbia.

Ocorre que não era Bill Gates, e eu me pergunto novamente porque diabos o jornalismo insiste em ver notícia em acontecimentos tão banais como uma refeição.

O que deveria ser noticiado era o que Bill Gates faria na Colômbia além de – como todo ser humano – comer.

Armadilhas da colaboração na rede

Investigação jornalística. É essa receita de Julien Pain para evitar que falsas notícias acabem indo parar nas páginas do Observers, site colaborativo francês.

Chato, mas sempre tem alguém usando o jornalismo participativo para tentar trapacear, seja enviando uma foto não original ou, ainda pior, um relato fraudulento.

No caso de quem trabalha no dia a dia com mídia social, monitorar o que as pessoas estão dizendo na rede pode significar minutos preciosos na antecipação de um acontecimento _desde, claro, que ele seja verídico.

Identificar o autor da informação, contextualizá-la e organizá-la são algumas dicas da Slate francesa para evitar barrigas vindas das redes sociais.

Outro aspecto bacana é o técnico: descobrir informações sobre imagens postadas (e isso não é muito difícil mesmo sem ferramentas pagas) pode, por exemplo, revelar uma data que inviabilizaria a associação com uma determinada notícia.

As forçadas de um telejornal no meio do feriado

Feriado é aquela seca de notícias, mas na quinta-feira o Jornal Nacional exagerou: primeiro, colocou no ar uma reportagem capitaneada por Pedro Bassan, de Lisboa, dando conta de que os remédios custam muito mais caro no Brasil do que em Portugal (o título era “A cada R$ 3 pagos em remédio, R$ 1 é de imposto“, com um suposto levantamento dos preços de medicamentos em 23 países).

Só que forçaram a mão. Primeiro: o princípio ativo Captopril, para controlar a pressão alta, não tem preço médio de R$ 44, como a reportagem vendeu. Pode até ser que esse valor seja cobrado em alguma parte, mas é pura ladroeira. Fora que a matéria em nenhum momento citou o Farmácia Popular, programa do governo federal que faz alguns remédios (como vários de pressão) custarem na casa de um dígito e alguns centavos.

Tinha mais: “Fique atento se seu cartão vencer num feriado” relatava cuidados com a data de vencimento nos feriados. O alerta, falso, era o de que deixar para pagar depois do vencimento transformaria a conta em multa. O personagem, uma vítima de erro e de cobrança abusiva, que após ter protestado _é claro, afinal de contas se os bancos não abrem, não há como pagar contas_ teve o valor cobrado a mais estornado.

Pior é que a melhor história do dia não entrou no JN (vi no Brasil TV, o SPTV de quem não tem praça fixa de televisão): moradores de dois barros de Contagem (MG) são obrigados a encarar quase 1h30 de ônibus para buscar a correspondência numa central dos Correios. Contagem, diga-se, tem quase 700 mil habitantes e é o segundo maior município mineiro.

Calma com o andor, minha gente.

O Caso Boimate revisitado: anatomia de uma barriga

Nasce um mito: a barriga mais célebre da história da imprensa brasileira

Nasce um mito: a barriga mais célebre da história da imprensa brasileira

A barriga mais célebre do jornalismo brasileiro completa, daqui a uma semana, 26 anos. Falo do boimate, história publicada pela revista Veja em sua edição datada de 27 de abril de 1983 _porém desde o dia 23 nas bancas.

A matéria (reproduzida acima) repercutia reportagem publicada pela ilibada revista New Scientist quase um mês antes, em 31 de março. Um infográfico (esse termo nem existia nessa época, usava-se “arte” mesmo) imenso tenta explicar o inexplicável. Pomposa, a resenha, que incluía aspas de um engenheiro genético da USP (busque por “Ricardo Brentane”) dava conta de um triunfo espantoso da engenharia genética: a fusão de células animais e vegetais.

O produto desta conquista era o boimate, como Veja apelidou. Em resumo, um tomate reforçado com células de gado que possuía uma polpa muito mais nutritiva e tinha “um futuro promissor na alimentação de pessoas”, como registra o texto do semanário da Editora Abril.

Ocorre que 31 de março é véspera de 1º de abril, data em que a mídia (principalmente a inglesa) costuma pregar peças em seus leitores. Até hoje essa tradição resiste.

A redação de Veja não percebeu as pistas, abundantes no texto, de que se tratava de um trote. Para começar, a fusão celular tinha sido obra dos pesquisadores Barry McDonald e William Wimpey _claras referências às redes de fast-food americanas McDonalds e Wimpy’s. Mais: ambos trabalhavam na Universidade de Hamburgo (ou Hamburg University, em inglês).

Veja não foi a única a cair no conto do boimate. A matéria da New Scientist foi lida parcialmente e debatida no Senado dos EUA durante uma audiência sobre as potenciais consequências ambientais da engenharia genética (procure por “McDonald”). Isso em setembro do ano seguinte, 1984.

Em 1983, o McDonald’s tinha uma loja havia dois anos em São Paulo _a primeira no país, dois anos mais velha, funcionava em Copacabana. A Wimpy’s, nem isso (a rede, ainda na ativa nos EUA, jamais desembarcaria no Brasil).

Era, também, bem mais difícil fazer jornalismo. Você ficava sempre com a sensação de que era o último a saber. Não havia internet nem Google, tampouco celular _logo, muito mais difícil localizar pessoas e checar a veracidade de fatos.

A própria telefonia, estatal e inoperante, deixava muitíssimo a desejar. Algumas ligações levavam horas para ser completadas para muitas vezes cair segundos depois. E dá-lhe discar (sim, o telefone era a disco e estropiava o seu dedo nessas mil tentativas).

O acesso a produtos impressos, então, proibitivo. Havia pesadas taxas sobre importação de livros, revistas e jornais. Mesmo assim, todos chegavam bem depois. No caso do jornal, com sorte, um só dia, mas revistas mensais (caso da New Scientist) ou semanais estavam pelo menos um período atrasados (às vezes dois ou mais).

O espaço entre o boimate original (31 de março) e o de Veja (23 de abril) revela exatamente o delay sobre o qual discorri acima. Normalmente, os jornalistas que viajavam ao exterior tinham a incumbência de trazer consigo na bagagem a maior quantidade de publicações possível. Era árduo saber o que a concorrência, especialmente os cachorros grandes, estava fazendo.

Para encerrar, as brincadeiras de 1º de abril na imprensa. Acho totalmente inadequadas. Felizmente essa bobagem inexiste no Brasil _a mídia de Espanha, Portugal e América Latina faz a mesma tolice e torpeza com seus leitores em 28 de dezembro, o dia da mentira deles (ao menos, sempre há fontes que enganam os jornalistas).

Não importa o quão estúpido seja o trote inventado, não me parece apropriado vindo de um veículo jornalístico.

Mas graças a eles o jornalismo deu à luz, há 26 anos, o boimate.

ATUALIZAÇÃO: Meu amigo André Marmota conta uma curiosa história de 1º de abril ocorrida no Brasil: foi em 1999, quando o jornal Cruzeiro do Sul, de Sorocaba, decidiu publicar uma capa inteira com notícias fake (entre elas, a contratação de Ronaldinho Gaúcho pelo São Bento, clube da cidade).

Barriga de on-line derruba ações de companhia aérea

A falta de cuidado com o manejo de informações pode, muitas vezes, influenciar decisivamente nos próprios rumos que uma notícia tomará. Foi o que aconteceu ontem com a United Airlines, cujas ações caíram 99% em Nova York devido à divulgação de uma informação publicada… há seis anos.

A bolsa eletrônica Nasdaq foi obrigada a interromper os negócios com as ações da United até que se esclarecesse que o perigo de falência ao qual a notícia original se referia dizia respeito a um período específico de 2002, pouco depois, portanto, dos atentados de 11 de setembro de 2001 que jogaram a aviação mundial numa fase de incerteza e medo.

A matéria estava no arquivo digital do jornal Sun Sentinel, da Flórida, e acabou lincada por engano por outro portal de Internet. O próprio Sun apressou-se a amenizar a confusão _disse que a notícia não voltou à tona por meio de seus sites.

A agência Reuters fez o percurso do erro e descobriu que o que começou com um simples link ganhou contornos de verdade depois que serviços de busca de notícias, como o Google News, inseriram a informação em seu cardápio e a espalharam, levando pânico ao mercado de ações.

Mais uma barriga do jornalismo on-line e sua pressa em fazer as coisas.

O Terra corrigiu, sim, seu erro; corrijo agora o meu

Sim, o Terra embarcou na barriga histórica do avião que não houve, mas eu cometi um erro grave _e uma injustiça_ ao afirmar categoricamente que não existiu correção do deslize.

Sim, ela houve.

Agradeço à Cuca Fromer, gerente editorial do portal, que me alertou atenciosamente sobre a lamentável omissão que cometi.

O dia em que a imprensa apurou a imprensa

Não bastasse o papelão na cobertura do falso acidente de avião ontem em São Paulo, algumas redações insistiram na mentira nas horas que se seguiram à tragédia que vitimou o bom jornalismo. Algumas (caso do Terra) nem sequer publicaram correção (veja errata).

Disse a redação do IG que a notícia sobre a queda do avião da Pantanal tinha partido da assessoria de comunicação da Infraero _é exatamente a justificativa da Globonews, origem do erro crasso copiado em série sem checagem pelos portais.

Nos bastidores, porém, conta-se que ninguém, em nenhum portal que embarcou na barriga, tirou o telefone do gancho e fez qualquer ligação. A informação categórica da rede de TV fechada bastou. Conhecendo a “apuração-cópia” como a que vi por dentro de um portal, não duvido.

Mário Vítor Santos, ombudsman do portal, ouviu Léa Cavallero, responsável pela assessoria da Infraero. Seu depoimento é destruidor. Fala em despreparo e conclui com um brilhante “foi um caso da imprensa apurando a imprensa”.

Santos termina apontando diretamente para a redação do próprio portal. “A apuração foi precária, a confirmação foi mambembe, os critérios para que a notícia chegue ao leitor foram frouxos. O iG precisa submetê-los a uma completa revisão para garantir que entrega aos internautas notícias dignas do nome.”

Construtivo, o Comunique-se bolou uma matéria com dicas para a cobertura de supostos acidentes aéreos (incluindo os contatos telefônicos das assessorias das principais autoridades aeroportuárias). Esperemos que ela seja lida e seguida à risca da próxima vez.

Repetindo: enquanto os portais de Internet se preocuparem mais com a concorrência do que com seu público, esse tipo de absurdo irá se repetir.

A barriga repercute

“A prática de cozinhar e assumir informações (certas ou erradas) da TV e rádio é comum em portais da Internet, mas não deveria ser adotada pelo UOL.”

A barriga sobre o avião que não houve segue repercutindo. A frase acima é da ombudskvinna (sim, é esse o feminino de ombudsman) do UOL, Tereza Rangel.

Deixei claro, no post anterior, que discordo dessa visão. Não vejo como “cozinhar”, mas como atribuir. Foi isso até que fez o portal se salvar em parte, na minha opinião, da catastrófica terça-feira do avião inexistente.

Mário Vitor Santos, ombudsman do IG, comentou a derrapada.

O Comunique-se também discute o tema (exige senha) .

Falamos mais nesta quarta.