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O ativismo bobagento da academia

O ativismo bobagento da academia em relação à imprensa não tem fim: eis que repasso a última edição da revista da E-Compós (Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação) e encontro o trabalho “O Programa Bolsa Família na Revista Veja: assistencialismo governamental ou ressentimento midiático?”, de Jose Luiz Aidar Prado e Moassab Andréia.

O trabalho é sóbrio, diga-se, mas tenta conectar Veja a uma corrente de pensamento que, de alguma forma, estaria “desvirtuando” a análise sobre o principal programa de redistribuição de renda do governo federal.

A academia deveria parar de usar material jornalístico como parâmetro de conceituação. É um desconhecimento sobre o nosso trabalho: os veículos não têm essa importância toda e, mais, muitas vezes os conceitos vão e vêm, a depender do espaço editorial disponível.

A academia não é lugar de Fla-Flu, gente.

http://www.compos.org.br/seer/index.php/e-compos/article/view/531/492

Não, a internet não inventou a mobilização popular

A queda de mais um ditador tendo o povo mobilizado nas ruas como ator principal suscitou outro pacote de análises sobre como a vida conectada e as redes sociais são imprescindíveis para o triunfo de rupturas desta envergadura.

Ao mesmo tempo, dezenas de analistas realçam coisas como “se a internet é mesmo tão poderosa, como explicar movimentos revolucionários e populares que se deram em épocas em que nem sequer havia telefones fixos?”.

Óbvio que Hosni Mubarak não caiu porque Mark Zuckerberg criou o Facebook _nem a internet inventou o protesto político.

Mudanças assim acontecem num país porque a sociedade, num longo processo de maturação que não caberia num tweet, passou a pensar de forma diferente.

Nesse contexto, as redes sociais e sua incontestável capacidade de mobilização e difusão de notícias são o ingrediente perfeito para catalisar e amplificar os anseios de um povo em ebulição.

Mubarak desligou a internet no Egito. Em vão: feita pelas pessoas, a rede só reproduz nossas atitudes. São elas que fazem revoluções.

Facebook avança na terra do Orkut

Raquel Recuero detecta, no Brasil, a ocorrência do fenômeno que levou o Facebook a superar o Orkut na Índia (ainda hoje um dos maiores mercados do site de rede social número um no Brasil).

Vale a pena dar uma lida.

Recauchutada, velha mídia triunfa em relatório sobre o estado do jornalismo

O State of the Media, relatório do Project For Excellence In Journalism que anualmente disseca a atividade jornalística em todos os suportes nos Estados Unidos, veio este ano com algumas informações surpreendentes _ou nem tanto, mas que confirmam suposições empíricas com as quais íamos tocando nossa atividade.

Uma delas é o triunfo da análise/opinião: nos EUA, a noção de que o jornalismo está naufragando é uma falácia. Os gêneros meramente informativos, esses sim, estão ocupando menos espaço onde quer que seja, mas comentários e sua repercussão estão mais em alta do que nunca.

É a receita submetida aos jornais impressos mesmo em países emergentes, assombrados com o encolhimento do negócio no hemisfério norte _região do globo em que há muito menos gente recém-ingressada na sociedade de consumo, e logo, com um mercado bem mais restrito para expansão.

Por aqui (como na Índia, por exemplo), percebeu-se antes _muito em função da derrocada do negócio impresso em áreas mais desenvolvidas_ que era melhor desenvolver estratégias de contextualização e opinião. Não por acaso colunistas são frequentemente os abres de página dos periódicos brasileiros.

Outra conclusão do documento: o futuro da nova e da velha mídia estão mais entrelaçados do que muitos costumam pensar. Isso me remete à frase “o jornal vai dormir internet; a internet acorda jornal” com a qual defini, em 2006, a interdependência e complementariedade entre essas duas mídias.

Mais: em relevância, números absolutos e qualquer tipo de recorte, é ao mainstream que o público ainda recorre em sua maioria. Finalmente: a tecnologia tem o poder de mudar o foco da notícia mediante sua capacidade de ditar os ângulos da cobertura de um acontecimento. Enfim, muita coisa pra gente refletir.

Google de Lula não resiste à primeira busca

Hoje reproduzo texto que publiquei sexta-feira, na Folha de S.Paulo, sobre a reformulação do Portal Brasil _honesta até o momento em que o presidente Lula chamou a página de “Google brasileiro”. Aí não dá, jornalisticamente, para deixar uma oportunidade dessas passar.

A ausência de contextualização sobre o que dizem os personagens do noticiário ainda é, na minha opinião, um dos problemas mais graves do jornalismo brasileiro.

Bom domingo.

“Imagine se o Google fizesse buscas apenas dentro de si, apresentando como resultados unicamente ocorrências em sites próprios que detalham as funcionalidades dos mais de 150 produtos ou aplicativos da companhia. Pois é exatamente isso que o Portal Brasil, chamado pelo presidente Lula de “Google brasileiro”, faz.

A comparação é descabida e não resiste à primeira busca, item em que o Google (o de verdade) construiu a sua sólida reputação de excelência. Como explicar que o Flamengo, time de futebol mais popular do país, tenha só duas incidências no Portal Brasil, enquanto o PAC tinha, até ontem, 298?

Fácil: o portal é, no máximo, um Google do governo do Brasil (ou o “espaço institucional do Estado brasileiro na internet”, como se apresenta) e não tem a extensão que a já conhecida megalomania presidencial tentou conferir à página.

A própria busca dentro do site público nada tem a ver com a eficiência da empresa que revolucionou o conceito de busca com um algoritmo que leva em conta a inteligência coletiva.

É o que supõem as parcas 94 vezes em que o nome de Lula surge ao se fazer uma busca simples no portal -dotado em boa parte de material oficial produzido pela Agência Brasil, que cobre fartamente as atividades diárias do presidente.

“Por exemplo, se um cidadão qualquer do Chuí ou do Oiapoque quiser saber sobre cultura, saber sobre Portinari, sobre Di Cavalcanti, ele vai entrar no portal e vai ver os quadros, as pinturas desses grandes artistas brasileiros”, disse Lula na segunda, no programa “Café com o Presidente”.

Se o mesmo cidadão quiser se informar sobre Ariano Suassuna, importante dramaturgo popular brasileiro, porém, terá de procurar outra fonte.

No Portal Brasil, o que surge é o indefectível “não foram encontrados resultados”. E, para usar o exemplo de Lula, há sites sobre Di Cavalcanti e Portinari com muito mais substância.

As maiores críticas à página chapa-branca até agora dizem respeito apenas à sua instabilidade. Pudera: desde que foi lançado, na quarta passada, o portal passou ao menos três dias fora do ar, o que é natural diante da migração de conteúdo de mais de uma centena de sites e inclusão de elementos multimídia que não existiam.

O que não é normal é que “novas demandas de ajustes de configuração”, conforme a justificativa oficial da Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República, responsável pelo produto), tenham sido detectadas após um ano, 200 profissionais e R$ 11 milhões empenhados na tarefa.

Esses números são muito superiores aos de qualquer reforma técnica de um grande portal comercial, como o UOL (quarto endereço mais acessado do Brasil, segundo a empresa de auditoria on-line Alexa). A URL brasil.gov.br, que hospeda o portal de Lula, ocupa apenas a 3.298ª posição no mesmo ranking de acessos.”

E se a gente mudasse o cardápio noticioso dos jornais?

“Temos de partir de uma situação em que tentamos fazer o melhor trabalho cobrindo as mesmas notícias que todo mundo para outra em que trazemos a nossas audiências notícias que não havia ninguém cobrindo”.

A frase é do presidente da rede de TV norte-americana ABC, David Westin, e faz muito sentido. Por que ainda não se discutiu, no jornalismo, uma mudança de cardápio noticioso.

No máximo, temos batido na tecla, no caso dos produtos impressos, da necessidade de se relativizar o “aconteceu ontem”, divulgado fartamente pela web, para investir em conteúdo analítico e opinativo.

E a coragem para se fazer isso?

Westin avança na conversa com um ótimo ingrediente: e se procurássemos outra categoria de notícias, fazendo uma mudança profunda na agenda das editorias e, ao mesmo tempo, valorizando o exclusivo?

Não estou falando aqui de matar o hard news, por favor. Ele nunca morrerá. Mas pode perfeitamente ocupar bem menos espaço num jornal do futuro.

Equilibrar o que obrigatoriamente deve ser noticiado e incluir players novos me parece um excelente novo caminho para o produto impresso.

Aconteceu ontem: análise e opinião resolvem?

Subverter a lógica de edição de um produto impresso. É um pouco nosso desafio nessa semana, quando estamos tratando do novo papel do jornal. Chegaremos ao ápice, que é discutir até mesmo se é necessário, a um periódico diário, exibir uma manchete por dia (por sinal, vote e opine na enquete).

Num post anterior falei sobre a possibilidade de tratar o “aconteceu ontem” como um bonito infográfico que exiba o passo a passo da jornada anterior. Um story board luxuoso, explicativo de per si. É um passo que abre o resto da página para material analítico e/ou opinativo.

Leia também: Aconteceu ontem: como avançar sem desinformar

Aconteceu ontem: alguns escritos sobre o estado do jornal impresso

Aconteceu ontem: nada mais desatualizado do que o jornal de hoje

Opine: um jornal precisa de manchete todos os dias?

Não por acaso jornais como Folha de S.Paulo e O Globo abrem páginas com colunistas. É o que se tem de mais diferente e exclusivo, via de regra, na edição.

Repare na quantidade de chamadas de primeira página para colunistas/articulistas. É uma saída fácil que os jornais não demoraram a tomar. Resolveu?

Curiosamente, há um paradoxo nisso tudo: apesar do andamento do noticiário diário (e sua atualização pelo jornalismo on-line), é inegável que os portais e sites começam o dia reproduzindo e, horas depois, repercutindo reportagens dos jornais impressos.

Uma demonstração clara de que há uma questão de plataforma da entrega do produto por trás do suposto processo de perda de importância dos veículos em papel.

Ao mesmo tempo em que tentam se recriar, esses veículos são canibalizados diariamente com seu próprio material, exibido em tempo real e muitas vezes nem sequer tratado como pede uma notícia publicada na web _que, relembremos, não é papel eletrônico e tem a obrigação de, ainda que faça o necessário clipping dos jornalões, acrescentar ali dados e links que aprofundem a informação inicial.

Há um troca, no jornalismo, entre papel e on-line diariamente. Vamos explorar esse assunto a seguir.