‘O jornalismo impresso vende informação, não papel’

Uma entrevista que concedi a alunos da faculdade de jornalismo da UniverCidade, do Rio.

– O senhor estreou como repórter da Folha da Tarde, trabalhou no Diário do Grande ABC, na Gazeta Esportiva, entre outros; e inovou usando o jornalismo na transmissão de dados online. Como ocorreu essa transição do jornalismo impresso para o online?
Na verdade, ainda estamos em pleno processo de acomodação. Eu não diria transição porque, ao meu ver, o termo pressupõe a substituição de uma coisa pela outra, quando na verdade o que há é a complementaridade entre os dois suportes. O jornalismo on-line começou basicamente como uma mera transposição do conteúdo em papel, a ponto de os sites nem sequer serem atualizados em tempo real (apenas uma vez por dia, mesmo timing do produto impresso). Com o passar dos anos – importante lembrar que a internet comercial chega ao Brasil em 1996 – o conceito de minuto a minuto foi se consolidando, mas mais importante do que ele é a compreensão das ferramentas que a plataforma multimídia colocou à nossa disposição. O meio on-line comporta absolutamente todas as outras mídias (TV, rádio, livro etc), e saber se mobilizar nesse mundo é algo que leva tempo. Pior: nem bem sabemos o que fazer na web e surgiram os celulares e seua aplicativos. Daí toca a aprender a explorar esse novo ambiente. E surgem os tablets. Enfim, é uma corrida sem chegada.

– Com um papel importante na consolidação dos novos processos jornalísticos e como pesquisador de novas mídias, o senhor acredita que o jornalismo impresso corre o risco de acabar? Necessita de renovação? O que precisa mudar?
O jornalismo impresso há muito deixou de ser um produto de massa, e nem por isso acabou. Assim como o rádio não acabou com o papel e não foi exterminado pela TV. As mídias são complementares. Por uma questão de sustentabilidade (seu processo industrial é caro e danoso para o meio ambiente), é natural supor que o jornalismo impresso passaria por uma retração. Porém, em países emergentes como o Brasil, ele ainda tem décadas de expansão. É bem diferente da situação do hemisfério norte, onde a própria penetração da banda larga (e há um estudo ótimo de Alan Mutter sobre o tema) colabora para a queda de circulação dos jornais. Jornalista não vende papel, vende notícia. Pouco importa em que suporte se está. Acho que em grande medida os impressos têm sabido trabalhar de forma complementar com seus sites e oferecer, nas bancas e a assinantes, produtos diferenciados recheados com mais análise e opinião – algo que, fora os blogs, deixa a desejar na web.
– Quais atividades o senhor realiza no jornalismo multimídia e, principalmente, quais realiza hoje e que não desempenhava no jornalismo impresso?
Meu próprio cargo atual só existe por causa do avanço tecnológico (sou editor de mídia social e jornalismo colaborativo), mas posso ser considerado uma exceção entre os colegas. Muito antes da internet eu já gravava áudios e vídeos e fotografava. Nesse aspecto, pessoalmente, não incluí em minha rotina como jornalista multimídia nada que eu já não fizesse antes (claro que para outras mídias que não apenas o jornal).
– O jornal impresso é limitado pelo tamanho das colunas ou pelo tempo, mas na internet, sobretudo blogs, não há limites, como garantir a qualidade da informação? Como perceber os interesses por trás de determinada ideia?
É o grande problema da internet: a falsa impressão de que ela comporta tudo. Não é verdade, existe limite físico de armazenamento de dados. Não só o limite da existência do elemento químico com a qual as mídias armazenadoras são produzidos, mas o próprio limite financeiro de se bancar expansão eterna de servidores para atender a uma demanda específica. No caso do jornalismo on-line, a sensação de que ele proporciona espaço para tudo provoca a catastrófica mania de se publicar tudo, relegando a edição para o último plano. Ora, editar é o ato de escolher, e na internet nós jornalistas deveríamos fazer mais opções – digo entre publicar e não publicar – para limpar um pouco a rede de bobagens. É o grande buraco do jornalismo on-line. Quando à motivação de pessoas que usam a rede para apurar/difundir/analisar informação, preciso deixar claro que eu considero, antes de mais nada, um direito fundamental da pessoa, jamais um monopólio dos jornalistas. Interesses estão por trás de ideias muito antes da internet, é um apanágio da humanidade. Checagem e amplo conhecimento do que pode motivar, por exemplo, uma denúncia é um dos passos para reduzir esse risco.
– E ainda, um bom jornalista passa a ser redefinido como alguém que é bom o suficiente em qualquer mídia. Quais características um jornalista deve possuir para se sair bem no meio multimídia?
Reiterando, o jornalismo trabalha com informação, não com papel, ondas magnéticas ou banda larga. O bom jornalismo como o conhecemos continua com os mesmos critérios. Só há dois tipos de jornalismo: o bom e o ruim.

5 Respostas para “‘O jornalismo impresso vende informação, não papel’

  1. Exatamente. O negócio do jornal é jornalismo, não o papel. Do ponto de vista de marketing, esse é um erro que pode levar uma empresa à morte ou, no mínimo, à perda de oportunidades de ouro. Uma boa leitura que indico sobre isso é o artigo Miopia em Marketing (http://www.portaldomarketing.com.br/Artigos/Miopia_em_Marketing.htm) escrito pelo genial Theodore Levitt nos anos 80 e que mostra que esse equívoco não é privilégio da indústria jornalística (sim, coleguinhas, jornalistas trabalham em empresas, por mais surpreendente que isso possa parecer). Acredito que prestar atenção na comunicação (setor) e no jornalismo (segmento) como mercado pode ajudar o jornalista a se posicionar e planejar melhor sua carreira e sua utilidade para a sociedade. Contudo, no meu ponto de vista e no de muitas outras pessoas, o apego ao papel se dá pelo retorno financeiro que ele dá, como modelo de negócios conhecido e consolidado. Se não me engano, o Jornal do Commercio (PE) divulgou que o faturamento do seu portal (hoje NE10, pra mim um dos melhores do Nordeste) representava cerca de 1% dos R$ 60 milhões anuais do jornal – digo “se não me engano” porque a palestra em que ouvi esses números foi há dois anos e eu posso estar enganada sobre os números, mas a proporção é esse Grand Canyon mesmo. Bom, o fato é que o dinheiro, no grosso, vem do papel, porque os anúncios custam milhares de reais, em um volume que o mercado de anunciantes ainda não aceita pagar na internet. Acho que enquanto a geração de anunciantes (clientes e agências) que mantém o papel não morrer, os jornais ainda vão priorizar o papel. O que é uma pena porque os sites parecem ficar em segundo plano nos investimentos de vulto – inclusive em pessoal, cada vez mais mal remunerados. Mas infelizmente é assim: as empresas jornalísticas, como a maioria de todas as outras, vão continuar indo atrás de onde o dinheiro está. E por enquanto o dinheiro ainda é de papel.

  2. Quem foi o entrevistado?

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