Arquivo do mês: agosto 2009

O que as empresas jornalísticas podem aprender com a indústria pornô

O que uma empresa jornalística pode aprender com a indústria pornô? Muita coisa, a julgar por matéria desta semana da NY Mag, a revista do New York Times.

O ponto de partida é reportagem do Los Angeles Times que dá conta de um sério declínio de faturamento, com o avanço tecnológico, de empreendimentos pornográficos por causa da distribuição farta e desenfreada de material gratuito na internet.

Crise, por sinal, idêntica à que passa a indústria do jornalismo em papel. Tanto que um executivo do ramo do entretenimento adulto citado pelo LA Times fala coisas que poderiam muito bem ter saído da boca de um diretor de redação qualquer. “Nunca tinha passado por nossas cabeças que competiríamos com pessoas que simplesmente fazem as coisas de graça”. É, o mundo mudou para todo mundo…

A indústria pornô, porém, está sendo mais rápida para se adaptar e recuperar capital. Como? Valorizando o que tem de melhor: seu elenco. Apostar no diferencial de profissionais talentosos e vendê-los ao mercado num pacote que inclui todas as suas incursões, de presença em festas e licenciamento de produtos a, claro, as vias de fato em cobiçados vídeos _estes não necessariamente o produto de maior arrecadação.

No jornalismo, sugere a NY Mag, grandes corporações deveriam fazer o mesmo com seu staff. Valorizar e administrar a carreira de promissores repórteres, gerenciando todo seu potencial criativo _em iniciativas multimídia, livros, palestras, carreira acadêmica etc.

É uma posição gerencial personalista, que não defendo, mas que parece estar funcionando no caso da indústria pornô, que criou astros e estrelas e agora fatura com o desejo por eles.

Mas notícia é perecível e descartável numa velocidade muito maior que pornografia (ou música, cujo modelo iTunes sempre é erroneamente citado como exemplo do que deveriam fazer os jornais).

Mas é uma estratégia.

E na vida real, para que servem as redes sociais?

Até que ponto uma manifestação nascida na web, mais especificamente em redes sociais, tem o poder de alterar a vida real?

É uma questão crucial para gente, como eu, que aposta todas as fichas na capacidade da internet de interligar pessoas e provocar transformações de verdade.

Hoje incorporo, mais uma vez, Andrew Keen (claro, sempre ele) para lançar uma provocação sobre essa pretensão. Keen lembra da avalanche de protestos virtuais _notadamente via microblog e sites de relacionamento como o Facebook_ após a polêmica reeleição de Mahmoud Ahmadinejad para mais um mandato presidencial no Irã.

O que sobrou daquele barulho todo? “O patético simbolismo de avatares tingidos de verde no Twitter e um grupo de oposicionistas ocidentais que insiste em manter ‘Teerã’ como sua localização no perfil do site”, ataca.

Eu acrescento ainda a mobilização virtual por conta do golpe em Honduras. Enquanto no microblog as discussões pegam fogo claramente com a premissa de que se está denunciando a ilegalidade ao mundo, o movimento que apeou Manuel Zelaya do poder completa, em dias, dois meses. Impávido como Muhammad Ali.

Evidente que a pequena reflexão de Keen, como lhe é hábito, exclui do campo de visão o extraordinário incremento que as redes sociais, e a era da publicação pessoal, deram à difusão e a interpretação da informação. Sem contar que a web é, sob qualquer métrica, o meio de comunicação mais eficiente da história da humanidade para mobilizar e organizar pessoas.

Enquanto isso, nós aqui achando que colocar o #forasarney no Trending Topics do Twitter nos dará alguma reputação e notoriedade. E Sarney inaugurando site pago com dinheiro público para se defender.

Só a constatação, para diminuir um pouco nossa empolgação, de que não se pode chamar de revolucionário quem, efetivamente, ainda não fez uma revolução de carne e osso.

Passaralhos vitimam mais editores e redatores, não repórteres

Carlos d’Andrea destacou, em seu bom artigo “Collaboration, Editing, Transparency” [PDF, 155k] na última edição da Brazilian Journalism Review, uma matéria de Carl Stepp publicada em abril pelo American Journalism Review.

Stepp detectou que as principais vítimas dos passaralhos nas redações americanas são editores e redatores, não repórteres.

É falsa, portanto, a premissa de que a redução de custos na imprensa dos EUA teria relação direta com a diminuição do número de repórteres _que muita gente considera a peça mais importante da engrenagem jornalística_ na imprensa em geral.

Essa observação corrobora outra percepção, esta no jornalismo on-line, de que a cada dia diminuem as etapas entre a concepção do texto e o leitor. Na web, o repórter já possui hoje uma autonomia que o permite publicar, diretamente e sem filtros, um texto num site.

Ou melhor: atesta que repórteres estão assumindo funções cada vez mais relevantes no fechamento.

Como manter (ou subir, nosso desafio é subir) a qualidade assim?

Um post para ver: 20 portfólios bacanas de fotojornalistas

Grande instantâneo para um caderno de cidades qualquer (Foto: Jacquelyn Martin)

Grande instantâneo para um caderno de cidades qualquer (Foto: Jacquelyn Martin)

Finalmente um post para ver: o 10,000 Words, blog jornalístico tocado por Mark S. Luckie, indica 20 portfólios bacanas de repórteres-fotográficos.

Referências, apenas, para que a gente saiba o que andam fazendo por aí em termos de registro imagético de elemento noticioso.

Como o curioso instantâneo que reproduzi acima, de Jacquelyn Martin, que flagra o transporte de uma alegoria (ou seria estátua?).

Imagens do dia a dia das cidades que é sempre legal ver no jornal no dia seguinte.

Palavra de filósofo: transgressão presumida é notícia e deve ser publicada

Artigo publicado ontem pelo filósofo José Arthur Gianotti no Estadão responde, em parte, ao estupor que eu e demais colegas sentimos quando, numa aula de direito da comunicação, o professor praticamente sugeriu que a imprensa só devesse entrar numa história após toda a etapa de investigação policial concluída.

“Mas seria o fim do jornalismo, nunca mais publicaremos nada”, pensamos e dissemos.

Gianotti concorda. Ao discorrer sobre a absurda censura ao Estado de S.Paulo atrelada ao caso Sarney, ele dá uma opinião definitiva sobre o tema.

“[A mídia] não existiria se apenas informasse casos constatados e julgados. Um jornal não se confunde com um boletim científico ou um jornal oficial. Obtida uma informação interessante, cabe ao jornal publicá-la; obviamente assumindo os riscos se ela for exagerada, se informar além do intervalo aceito pelos costumes e pela jurisprudência.”

Mais, e especificamente sobre o caso da censura ao jornal: “Suponhamos que a Justiça decida e mantenha a proibição. Permanece a informação sobre transgressões presumidas. Ora, essa presunção ainda é notícia e deve ser publicada pelo jornal. Não como um fato ocorrido – isto o Estado está proibido de dizer -, mas como presunção, como um caso a ser verificado.”

Pronto, é isso. Gianotti falou e disse. Ou então faço minhas as palavras de um amigo: “olha, eu publico o que eu achar adequado. O departamento jurídico fica em outro andar, não é aqui na redação não”.

Pois é…

Tudo por um furo: de novo, a ficção vira realidade

A dica é do ótimo blog Sans Serif: no romance “The Almighty” (que eu traduziria simplesmente por “Deus”), de Irving Wallace, o protagonista, Edward Armstead, herdará um jornal com a condição de que, por um período determinado, o veículo bata o New York Times em tiragem.

Para conseguir a façanha, Armstead contrata uma gangue que passa a apavorar a cidade e seus arredores. Seus crimes e atos de vandalismo, claro, eram cobertos em primeira mão pelo New York Record, o jornalzinho que, enfim, supera o NYT.

Leia também: Pesada, ruidosa e lerda, era assim que se transmitiam fotos na pedra lascada do jornalismo

Wallace Souza, apresentador de um programa policial na TV e deputado no Amazonas, é acusado de fazer exatamente o mesmo _excetuando-se a questão do jornal e da herança.

O caso nem é inédito: no ano passado falei sobre um jornalista que, ele próprio, assassinava mulheres e depois escrevia reportagens sobre os crimes _com exatidão tal que acabaram levando a polícia a enquadrá-lo.

É tão clichê dizer que a vida imita a arte, mas não me ocorre nada melhor agora.

Talvez, apenas o adendo de que a vida supera, e muito, a ficção.

Um trambolho chamado ‘máquina da UPI’

A máquina desenvolvida pela UPI: ruidosa, lerda e pesada, mas uma maravilha tecnológica na era da pedra lascada

A máquina desenvolvida pela UPI: ruidosa, lerda e pesada, mas uma maravilha tecnológica na era da pedra lascada

Outro dia, num claro episódio de regressão, revelei que, na minha primeira Redação (como se fosse minha, eu era apenas mais um foca) tinha um pote cheio de fichas telefônicas. O povo gostou e pediu que, sempre possível, eu contasse um pouco mais sobre a idade da pedra lascada no jornalismo.

Daí, não sei bem o porquê, me lembrei da máquina de transmissão de fotos que a UPI, agência de notícias criada em 1907 e que ainda existe, apesar de ter perdido muito da relevância, ajudou a desenvolver.

Bem, o trambolho da UPI era isso que você vê na foto acima. Pra começar, ficava acondicionado numa maleta (imagem menor, à direita) que pesava não menos do que 20 kg. O peso, como veremos a seguir, era o menor dos problemas.

Apesar de quebrar um galhão e agilizar a chegada de material fotográfico à redação (a máquina da UPI usava o sistema wirephoto, ou seja, as imagens eram transmitidas via ondas de rádio), a questão na operação da bugiganga envolvia bastante paciência.

Notem o cilindro que ela possui. Era ali que o fotógrafo, literalmente, colava a imagem que ia transmitir. E a bichinha passava a girar velozmente, acompanhada de um irritante, contínuo e altíssimo ruído. Uma maravilha da tecnologia, nos admirávamos todos.

Se a foto fosse colorida, o suplício era bem maior. Claro, cada uma das quatro chapas que compõem a imagem em cores (preto, cyan, magenta e amarelo) eram transmitidas uma por vez, num processo que certamente não levava menos de 75 minutos _a foto PB passava em, digamos, meia hora. Isso se a linha não caísse. E o fotógrafo tivesse de começar tudo outra vez.

Lembre que, além de carregar o pesado equipamento, os fotógrafos ainda cuidavam da revelação de suas películas, aumentando sua bagagem com produtos químicos, utensílios plásticos e papel fotográfico, muito papel fotográfico.

A última vez que eu vi uma máquina UPI (em funcionamento, e no meu quarto de hotel me azucrinando) foi em 1993, numa cobertura no Equador.

Que ela descanse em paz.

Matemática prevê como, onde e em que velocidade uma mensagem é propagada

A IBM bancou um caríssimo estudo acadêmico estatístico-matemático cuja finalidade é descrever o processo de transmissão de informação em redes sociais.Isso vale para notícia, insight, fofoca.

O resultado é uma joia, sob qualquer ponto de vista, pois permite determinar as principais características que controlam que tipo de mensagem é propagada, por quais grupos e em que velocidade.

Para tal, Jose Luis Iribarren (um dos gerentes da IBM) facilitou dados e hábitos de 31 mil consumidores da companhia. O matemático Esteban Moro, da Universidade Carlos III, coordenou a tabulação. É a primeira vez que dados reais de propagação de informação são organizados mediante modelos matemáticos.

Pena que surgiu do marketing a demanda: o interesse da IBM é saber como distribuir melhor informação comercial entre seus clientes (diga-se, bem suscetíveis a virais). Aplicada ao jornalismo, a fórmula matemática pode ser um potencial agregador de audiência.

Bom saber que a matemática, essa (por mim) ignorada, tem algo a acrescentar nestes tempos de mudança.

Alemanha já tinha jornal gratuito em 1882

A imprensa gratuita, que tem jogado um papel decisivo em tempos de crise dos jornais, positivamente não é um fenômeno recente. Apenas lhe demos mais atenção agora, depois de descobrir que, em países como Portugal e Espanha, ela responde por uma fatia considerável da circulação diária _apesar da crise, que fechou e enxugou veículos distribuídos de graça.

No Brasil, por exemplo, pouca gente se lembra de que temos um gratuito pioneiro, o Metronews, desde 1974 e que até hoje está nas ruas.

Mas o recém-lançado livro Gratis-Tageszeitungen in den Lesermärkten Westeuropas (ou Jornais Gratuitos no Mercado Ocidental, em tradução livre), de Nomos Verlag, vai bem mais além: a obra identifica o jornal alemão General-Anzeiger für Lübeck und Umgebung, fundado em 1882, como o primeiro produto jornalístico gratuito da história.

Se quiser se aventurar, a história do jornal está aqui, em tradução macarrônica do Google. Ela conta que, de fato, o jornal começou distribuído de graça, e basicamente exibindo anúncios, duas vezes por semana.

E a gente fica aqui, pensando em como reiventar a roda…

Clarín vai à Justiça contra blog que o criticava

Maior jornal impresso da Argentina (e uma referência mundial, ao menos gráfica, de página na web), o Clarín foi à Justiça para encerrar as atividades do blog jornalístico Que te Pasa, Clarín?, que analisava as edições diárias do veículo sob um ponto de vista bastante crítico.

O argumento de que o blog violava direitos autorais (Clarín é uma marca registrada e não pode ser usada por terceiros) convenceu o juiz de primeira instância, mas é evidente que intenção aqui foi fazer cessar o quanto antes a incômoda oposição.

O Que te Pasa, Clarín? (referência a uma famosa frase do ex-presidente Nestor Kirchner), que funcionou por pouco mais de três meses, foi condenado a uma multa diária caso continuasse no ar. O resultado é um aviso na home do site contando a agrura jurídica _e mais nenhum conteúdo (com o cache do Google, é possível navegar pelo que foi o site um dia). Vale lembrar que o povo por trás do blog argentino inclui vários jornalistas veteranos com passagem pelo próprio Clarín.

Isso me fez lembrar o Brasil e o recente fechamento do coletivo Nova Corja. E pelo mesmo motivo: incapacidade de se defender, nos tribunais, de processos judiciais.

A conclusão lógica: a diferença entre mainstream e jornalismo independente é o departamento jurídico.